Mendoza – Primeira enóloga da Argentina. A rainha dos vinhos brancos. “Mãe” da uva torrontés. Há várias formas de definir Susana Balbo, a mulher que revolucionou a produção de vinhos no seu país e se tornou referência em qualidade, conhecida e respeitada em todo o mundo. Prestes a completar 25 anos, a vinícola batizada com o seu nome, que fica em Mendoza, está em fase de sucessão e se aproxima cada vez da gastronomia com restaurante indicado pelo Guia Michelin.

 




Susana nasceu em Mendoza e é filha de um produtor de vinhos. Seu plano era estudar física nuclear. Como o pai não deixou, resolveu trilhar seu próprio caminho na enologia. Formou-se em 1981 e ficou um tempo procurando emprego em outras vinícolas da cidade, já conhecida pela viticultura, mas só conseguiu uma oportunidade em Salta, ao Norte do país. Lá ela se destacou e começou a fazer história como enóloga.

 

 

Pioneira nesta área como mulher, Susana conta que viveu momentos difíceis. Imagina o que era, 40 anos atrás, enfrentar um mercado altamente machista, que a desvalorizava o tempo todo. E ela não baixou a cabeça nem desistiu. Encarou os desafios com resiliência, coragem e um certo deboche.


Em um evento para comemorar o Dia do Enólogo, o dono da vinícola onde ela trabalhava em Salta foi convidado para apresentar os vinhos no seu lugar. “No dia seguinte, soube que disseram que o vinho Merlot, o mais barato, era mais equilibrado e que o Cabernet Sauvignon, o mais caro, tinha muita madeira, faltava maturidade, então estava acima do preço. Eu ri e contei para o dono da vinícola que tinha colocado o mesmo vinho nas duas garrafas, e era Malbec. Nunca mais me criticaram nem tentaram me derrubar.” Na época, ela tinha 23 anos.

 


Sempre em busca de inovação, e sem medo de errar, Susana mudou a história da Torrontés, única uva nativa da Argentina. “É o meu terceiro filho”, brinca. “Bem, na verdade, deveria ser o primeiro, porque ainda não tinha filhos.” Foi ela quem ousou fermentá-la para criar vinhos finos. Naqueles tempos, a Torrontés era uma variedade considerada de baixa qualidade e usada apenas para fazer os chamados “vinhos de mesa”, ou então para comer. Por insistência e persistência, chegou ao que queria.

 

A Cordilheira dos Andes fica ao fundo da vinícola, já na divisa com o Chile, e emoldura a paisagem com toda sua beleza e imponência

Susana Balbo/Divulgação
 


“É claro que estraguei muitas uvas, até quebrei uma prensa, mas consegui e foi uma revolução na indústria do vinho. Essa variedade me colocou no mapa mundial, porque aquele rótulo foi escolhido para ser servido na primeira classe da companhia aérea norte-americana Pan American. Então, os enólogos que me criticavam tanto, falando que era um vinho feminino, que não tinha características de Torrontés, tiveram que ficar de boca fechada, porque o vinho mostrava que tinha nível internacional”, relembra.


Dez anos depois, Susana voltou a Mendoza e comprou as terras onde fica a sede da vinícola, em Agrelo, na região de Luján de Cuyo, a aproximadamente mil metros de altitude. Plantou uvas e teve que esperar cinco anos para colher as primeiras safras. Em 1999, fundou sua marca, inicialmente com o nome Dominio del Plata, e foi consolidando um trabalho que se mostrava bastante promissor. Hoje a família administra um total de 52 hectares próprios e 20 alugados, a maior parte (80%) no Valle de Uco.

 

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“Os 25 anos da vinícola são, na verdade, resultado dos 20 anos anteriores de muito aprendizado. Viajei pelo mundo, conheci outros terroirs e percebi que a Argentina é o melhor lugar do mundo para se ter uma vinícola, porque temos um clima absolutamente perfeito. Aquela montanha maravilhosa sempre nos dá ar fresco à tarde, diminuindo a influência do calor nas uvas”, diz, apontando para a Cordilheira dos Andes, que fica ao fundo da vinícola, já na divisa com o Chile, emoldurando a paisagem com toda sua beleza e imponência.


A busca constante por qualidade já rendeu vários prêmios a Susana Balbo (a vinícola e a enóloga). Só para citar um exemplo, em 2022, a argentina ganhou o título de “IWC Lifetime Achievement Award” no International Wine Challenge, em Londres, considerado o “Oscar do vinho”. Esse título é dado a quem merece reconhecimento pelo conjunto da obra. Mais uma prova de que, em 43 anos de carreira, ela ultrapassou fronteiras e se firmou como um dos nomes mais influentes do mundo dos vinhos.

 

Caminho incerto


O trabalho com a Torrontés acabou sendo decisivo na trajetória de Susana. Mais fácil seria fazer vinhos Malbec, que todo mundo conhece e reconhece como da Argentina. Mas ela teve coragem de seguir pelo caminho mais incerto, quebrou barreiras e ganhou notoriedade com vinhos brancos, pelos quais a marca ficou mais conhecida. Atualmente, 20% dos rótulos são brancos e rosés, sendo que, na indústria argentina, esse número não costuma passar de 15%. A vinícola planta outras uvas brancas, como Sauvignon Blanc e Sémillon.

 

Assim como a mãe, Ana Lovaglio Balbo é perfeccionista e muito ligada aos detalhes, mas, com ela, aprendeu que avançar é mais importante do que atingir a perfeição

Susana Balbo/Divulgação


Por tudo que passou, Susana abriu caminho para outras mulheres na enologia e, naturalmente, virou uma defensora do protagonismo feminino. Tanto dentro da empresa quanto nas suas lutas no contexto político. Por três vezes, foi eleita presidente da Wines of Argentina, associação que representa o setor no país, já atuou como deputada nacional por Mendoza e lidera o Women’s 20 (W20), grupo de trabalho dentro do G20 que discute o empoderamento das mulheres e a igualdade de gênero.


Aos 68 anos, Susana vê com orgulho e admiração a presença dos filhos na empresa. José, enólogo, é o gerente de inovação e desenvolvimento, enquanto Ana, administradora de empresas, gerencia a área de marketing. Ela sente que já está na hora de entregar o comando para eles e se afastar (não totalmente, quer permanecer no conselho). “Isso me dá muita tranquilidade, porque a sucessão é muito importante para uma empresa familiar. Então, estou muito feliz”, destaca a enóloga, que criou a linha Crios para homenagear os filhos, suas “crias”.

 


Depois disso, seu desejo é continuar a cultivar orquídeas, cuidar dos netos (são quatro) e escrever um livro, talvez sobre a sua história. “A minha vida foi tão difícil que dá para escrever um romance.”

 

Sem pressão


Sem saber se queria trabalhar com vinhos, Ana, a filha mais nova, hoje com 38 anos, foi estudar administração de empresas. Começou a carreira em Buenos Aires na área de finanças e rapidamente cresceu na empresa, uma consultoria. A mãe acompanhava tudo de longe e, vendo que poderia “perder” uma de suas sucessoras, fez o convite para que trabalhasse na vinícola. Ela decidiu voltar para Mendoza em 2012.

 

Creme de alho branco, couve de Bruxelas com ponzu e arroz preto crocante e suflado

Susana Balbo/Divulgação


“Tenho muita sorte de poder alavancar minha carreira em um negócio iniciado pela minha mãe. Nunca senti aquela pressão de ser igual ou melhor que ela, talvez pelo fato de não ter estudado enologia. É claro que isso acarreta muita responsabilidade, mas é um belo desafio manter esse legado”, comenta.


Ana se apaixonou pelo mundo dos vinhos, estudou muito e assumiu o setor de marketing, sua área de maior interesse. Assim como a mãe, é perfeccionista e muito ligada aos detalhes, mas, com ela, aprendeu que avançar é mais importante do que atingir a perfeição. Outro ponto em comum é o olhar para a inovação. Partiu da filha a ideia de abrir um restaurante na vinícola e Susana (“que tem a mente muito aberta”) topou na hora.

 


Vendo o jardim da propriedade, com uma vista espetacular para a Cordilheira dos Andes, Ana sentia que a família poderia fazer muito mais do que produzir vinhos. Naquela época, muito poucas vinícolas tinham restaurantes, mas, como ela sempre gostou de comer bem quando viaja, entendeu que a gastronomia seria um ótimo complemento para a experiência dos turistas (mais de 80% brasileiros) com os vinhos.

 

Nome inspirador


Desde 2012, o Osadía de Crear tem o grande desafio de apresentar uma comida à altura dos vinhos produzidos por Susana Balbo. O nome, ideia que Ana encontrou em anotações da mãe, encaixa-se perfeitamente na proposta da cozinha, de ser um lugar onde se trabalha com liberdade e criatividade. No ano passado, o restaurante foi indicado pela primeira vez pelo Guia Michelin.

 

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“O nome nos dá liberdade de não ficarmos presos à gastronomia local, de misturamos técnicas e produtos, mas sempre com criatividade. Temos um portfólio muito diversificado, então, às vezes, trazemos ingredientes que não são de Mendoza para fazer uma harmonização muito boa com os vinhos brancos, como a merluza austral do Sul. Sabemos que podemos ser criticados, mas isso é coragem e ousadia”, analisa.

 

Conexão com o Brasil


A vinícola mantém uma relação comercial muito próxima com o Brasil. As vendas de vinhos são expressivas, assim como a presença de turistas brasileiros na sede. Ana Lovaglio Balbo vem observando uma mudança na preferência do consumidor daqui. No passado, só se falava em Malbec e vinhos mais concentrados, com mais madeiras e mais dulçor. Agora, ela percebe que os brasileiros estão mais abertos a rótulos diferentes, mais leves, incluindo os brancos. Perguntada sobre a produção de vinhos no Brasil, Susana Balbo disse que está evoluindo muito bem.

 

Serviço

Susana Balbo Wines
@susanabalbowines
+54 9 261 662 6754

 

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