O Garfoshi, um novo formato de hashi  –  utensílio utilizado como talher em países da Ásia, como China, Coreia do Sul ou Japão – foi adotado pelo restaurante japonês Sushitac, em Mangaratiba, no Rio de Janeiro. Essa união do Hashi a um garfo pode ser considerada uma novidade e, com isso, surge a dúvida: é uma ofensa cultural moldá-lo dessa forma?

 


Consultado pela reportagem, o restaurante respondeu que achou o“Garfoshi” na internet, em sites de vendas online, e considerou uma ideia interessante para ajudar os clientes na hora de comer. “Não vai mais deixar de comer porque não sabe usar hashi, né?”, escreveu na publicação do Instagram.

 


 




Para Renato Nakazima, professor da Escola Modelo de Língua Japonesa (EMLJ), um dos departamentos da Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira (AMCNB), seu uso é bem semelhante ao próprio hashi com elásticos, que também simplifica o uso, mas ao invés deles, os lados são conectados a um garfo pela parte de cima. 


 

Assim como ele, a chef Marlene Fukushima, vice-presidente da comissão de divulgação da gastronomia japonesa da Bunkyo - Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social, em São Paulo, percebe que o utensílio, que descreve como curioso, surge para quem não sabe muito bem como usar o hashi.


“Os clientes pedem para adaptar mesmo, seja com elástico ou algum suporte. Penso que pode ter sido criado para que, nas partes difíceis, o garfo seja usado", aponta a chef.


Nakazima complementa a ideia e considera que, dado que algumas pessoas apresentam dificuldade para comer com o utensílio, talvez seja até um instrumento de acessibilidade interessante para que mais pessoas possam experimentar a culinária asiática. 

 


“Existem etiquetas a respeito do uso do hashi, mas usar elásticos como suporte para quem está aprendendo não é um problema, entendo que o garfo esteja nesta categoria”, avalia Marlene Fukushima. 


Contudo, o professor Nakazima argumenta que, mesmo que acredite que não seja propriamente uma falta de respeito, não lhe parece muito convidativo. “Acredito que deva ser usado com cautela”, diz, já que, segundo ele, a apresentação da comida ou de como será servida é um passo importante na comida asiática.

 

A chef segue o mesmo caminho e aponta que seu uso não deve aparecer como uma forma definitiva de costume, mas sim "um auxílio ou treinamento na jornada do hashi”. 


Como surgiu o hábito de comer com os “palitinhos”?


Não só um objeto, talher ou utensílio, o hashi é um verdadeiro símbolo cultural. “Quem vê um hashi, já sabe que é culinária asiática”, pondera Marlene Fukushima. 


Tensionando a lembrança, a chef agarra a memória de seu pai ao contar sobre o hashi. “Ele dizia que, há milhares de anos, os japoneses começaram a fazer cerâmicas, vasos e panelas de barro que iam ao fogo. Com isso, eles precisavam de algo comprido que pudesse alcançar a comida sem usar as mãos e queimá-las”, ela conta.


Marlene destaca que a inspiração foi, naquele momento, o bico dos passarinhos. “Ele abre e fecha o bico, como as pontas do Hashi quando a gente pega e põe no prato”, explica. 


Tempos depois, os países começam a desenvolver seus próprios hashis. No Japão, conforme Fukushima, o tamanho é médio e normalmente de madeira, assim como na China, só que nesse é mais comprido. Já o Hashi coreano é de metal, além de ser relativamente mais curto que os outros dois citados.


O descartável, comum em restaurantes brasileiros, segue o modelo japonês, esclareceu a chef. Em locais mais tradicionais, com o próprio hashi, eles são mais característicos da culinária apresentada. 

 


A delicadeza do hashi


Por que, mesmo anos depois, o hábito de comer com o hashi continua? A permanência se dá pela delicadeza, é o que acredita Marlene. 


“Meu pai sempre falava que garfo e faca é igual tigre, que arranca e come, mordendo o pedaço da caça. O hashi é o nosso passarinho”, ela diz, compartilhando a lembrança.


Na culinária japonesa, os alimentos são cortados em pequenos pedaços para que não seja necessário o uso de facas e tudo seja alcançado pelo Hashi. Uma sopa, por exemplo, nem a colher é necessária, justamente pelo fato de ser servida em uma tigela que vai direto à boca. 


Ela arremata que é natural que o mais fácil seja abraçado, o conforto e a facilidade sempre são escolhas claras. Mas ressalta que o uso do hashi é bom até mesmo para a memória. 

 

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“As crianças aprendem desde cedo a pegar o grão do feijão e jogar na garrafa com o hashi. E eles vão ficando craques nisso! O exercício volta a ser aplicado em idosos, tudo de novo, para que o cérebro não estacione”, relata.

 

*Estagiária sob a supervisão do subeditor Humberto Santos

 

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