As avaliações do Guia Michelin ainda não chegaram a Belo Horizonte (no Brasil, apenas São Paulo e Rio de Janeiro estão na lista). Mas dá para sentir o sabor desse reconhecimento nos pratos do Nino Cucina servidos na capital mineira. O chef italiano Marco Renzetti – que tem uma estrela com o Fame Osteria, em São Paulo – assumiu a cozinha da rede de restaurantes, com cinco endereços pelo Brasil, e deixa sua marca em todas as receitas.
Marco nasceu em Roma, de onde saiu muito cedo para viajar pelo mundo. Acabou abrindo um restaurante italiano em Lima, capital do Peru. “Sempre gostei muito de gastronomia, mas era amador. A partir desse ponto me profissionalizei.” Na sequência, ele se mudou para La Paz, na Bolívia. Lá, deu início ao Pettirosso, que mais tarde se transferiu para São Paulo, cidade de origem da sua esposa. Erika Renzetti é sommelière de vinhos e o acompanha em todos os projetos.
O Pettirosso fez história na capital paulista a partir de 2006. Ganhou vários prêmios como melhor italiano da cidade e teve um reconhecimento especial: foi o único restaurante da América Latina a receber nota máxima no guia Gambero Rosso, da Itália, que avalia restaurantes italianos no mundo todo. O endereço em São Paulo se destacou por ter sido sempre muito fiel à tradição italiana – e à de Roma, especificamente, a cidade do chef. Tanto que virou referência para a colônia italiana, “era um reduto de italianidade”.
“Devido à grande influência da imigração italiana, criou-se uma cultura ítalo-paulistana muito forte e essa mistura de Itália com São Paulo em algum momento virou referência na cidade. Mas existem pratos que não tem nada a ver com a Itália, foram inventados por paulistas descendentes de italianos”, analisa. Marco cita o polpetone e o filé à parmegiana, que não são encontrados no seu país.
O desejo do chef era mostrar uma cozinha italiana “descontaminada”, e ele se manteve firme. Como relembra, o Pettirosso foi o primeiro restaurante italiano, pelo menos na capital paulista, a não servir massa com proteína, combinação muito comum no Brasil. “Estreamos em São Paulo pratos que hoje são mais conhecidos, mas que, na época, praticamente não existiam, ou não eram feitos da forma tradicional, como cacio e pepe, carbonara e amatriciana, massas típicas romanas. Podemos dizer que o que vemos por aí é um pouco do eco desse trabalho.”
O restaurante funcionou por 14 anos. Nesse tempo, Marco tentou se aventurar com uma cozinha mais autoral, chegou a ter um pequeno menu degustação, mas a identidade italiana era tão forte que não permitia desvios. O chef acabou caindo na própria “armadilha” e viu sua criatividade limitada. “Aí chegou a pandemia. Já estávamos um pouco mais maduros e mais seguros das nossas capacidades, então decidimos aproveitar esse momento de incertezas para fechar o à la carte e abrir um restaurante de menu degustação com pouquíssimos lugares.”
Viagens pelo mundo
Marco fala que o Fame é o Pettirosso amadurecido, com um trabalho “mais preciso e elegante.” É, sim, um restaurante italiano, mas muito mais livre, que se deixa “contaminar” por outras culturas, viagens e restaurantes. Marco e Erika viajam pelo menos cinco vezes por ano, o mundo todo, para viver experiências gastronômicas e visitar produtores de vinhos e iguarias alimentares. “Somos curiosos por natureza e o Fame se beneficia dessa quantidade de informação que vamos juntando.”
Nada melhor do que um menu degustação, de 11 etapas, para dar vazão às novas ideias. A sequência, servida de quarta a sábado, no jantar, muda de acordo com a vontade do chef e a disponibilidade dos produtos da terra e do mar. A cozinha está “a serviço do ingrediente”.
O chef também gosta de falar que “o luxo está no prato”, e não no ambiente, descrito como “absolutamente simples”. “Não gostamos de distrair as pessoas com enfeites. Todo o nosso investimento e a nossa atenção estão voltados para a comida e o vinho. O Fame é para quem gosta de comer, não de ver e ser visto. Muito pelo contrário, prezamos pela intimidade e discrição.” O restaurante, que fica em um sobrado na Rua Oscar Freire, abre às 20h e fecha as portas quando todo mundo chega. Ninguém entra sem fazer reserva.
Um dos pratos mais representativos da cozinha do Fame é a lasanha, montada de um jeito diferente, com ragu de pato e caldo de carne. Detalhe: sem queijo. Outra interessante criação, que está no menu desde o começo, é a lula na brasa com caldo de presunto. “Tenho um estilo muito simples, não gosto de nada elaborado. Os pratos tendem a ter poucos ingredientes, esse é o meu estilo”, pontua.
O jantar pode ser harmonizado com uma seleção de vinhos proposta por Erika, eleita em setembro pela Veja São Paulo a sommelière do ano. “Tem quem diga que o ‘wine pairing’ vale a experiência tanto quanto o menu”, faz questão de dizer o chef. A sequência pode ter seis ou 11 taças.
Selo de qualidade
O Fame Osteria estreou na lista do Guia Michelin em maio deste ano, quando ganhou uma estrela. “Esse é o maior reconhecimento que se pode imaginar na vida. A estrela Michelin é o maior selo de qualidade que existe, não tem nada acima disso. Ser avaliado por um inspetor que come nos melhores lugares do mundo e fala que a sua comida é excepcional tem um peso importante”, comenta o chef, que também está na lista do 50 Best América Latina. De 2022 para 2023, saltou da 83ª para a 57ª posição.
Quando perguntado se já pensa na segunda estrela, ele responde que não tem essa pretensão, mas vai continuar trabalhando da melhor forma possível. “O que acho mais importante numa cozinha é a generosidade, entendida como o desejo de entregar ao cliente uma experiência que seja excepcional, de forma absolutamente natural e espontânea, sem nenhum tipo de cálculo, sem contar quantos camarões estão no prato. Compramos o que existe de melhor e não nos preocupamos com o custo.”
Pequenas mudanças, grande impacto
Poucos conseguem chegar a esse lugar: fazer o que ama, da forma como deseja e no espaço que construiu como sonhou. O Fame Osteria representa tudo isso para Marco Renzetti. “Mais do que realizado, estou feliz. Mas nunca perdi a vontade, o desejo e a ambição de fazer cozinha à la carte”, confessa, ao justificar porque aceitou o convite para assumir a cozinha do Nino Cucina. Para ele, esse é um desafio “estimulante”, tanto do ponto de vista profissional quanto pessoal.
Desde abril, o italiano trabalha para renovar o menu, que é replicado em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Goiânia e Belo Horizonte, levando seu conhecimento e sua personalidade. Isso incluiu passar pelas cinco casas para treinar os chefs locais. “A minha presença é fundamental do ponto de vista técnico e pessoal. As pessoas me conhecem, falam comigo e escutam minhas ideias.”
A cozinha já passou por mudanças significativas, a começar pelos ingredientes, numa busca pelo máximo de qualidade. “Sem bons ingredientes não se faz boa cozinha.” Também houve uma atualização de técnicas e procedimentos para que os pratos fiquem alinhados ao que o mercado atual demanda.
“Continuamos com pratos fartos, com aquela sensação familiar da cozinha italiana, mas trazendo mais leveza, mais elegância, menos gordura animal e mais vegetal. Uma mudança emblemática foi trocar manteiga por azeite extravirgem, obviamente a gordura que mais representa a tradição italiana. Isso parece ser superficial, mas é uma mudança filosófica de trabalho muito profunda”, destaca.
De entrada, Marco escolhe falar do carpaccio, que, segundo ele, representa muito sua cozinha. Além de substituir lagarto por filé-mignon, ele acrescentou um molho verde “muito perfumado” e uma salada de folhas “menos óbvias”, como couve kale e rúcula selvagem. O queijo grana padano ralado adiciona mais uma camada de sabor. Outra boa pedida são os bolinhos de risoto de tomate com ervas aromáticas e recheio de muçarela, que derrete e estica na primeira mordida.
Entre os pratos principais, o destaque fica por conta do croquete rabada com nhoque de batata. O italiano faz um preparo típico de Roma – cozinha a carne com vinho tinto e legumes, mas cria um formato diferente. Depois de desossar, forma uma massa redonda, empana e assa. O nhoque com creme de grana padano e manteiga e fatias de presunto parma também está entre as sugestões do chef.
Ragu “guloso”
Alguns pratos são do extinto Pettirosso, como a lasanha, assada individualmente, que Marco considera “bem especial”. “Ela tem um ragu muito guloso e, em vez de bechamel, usamos fonduta de queijo parmesão. As pontinhas da massa são voluntariamente deixadas para fora para ficarem crocantes”, descreve. O cacio e pepe, que era carro-chefe no seu antigo restaurante, também está de volta, servindo uma mistura de espaguete de grano duro italiano, queijo pecorino e pimenta-do-reino.
Sem dúvida, a sobremesa mais emblemática é o tiramisu, que ganha uma versão com mais sabor e textura. O biscoito é mais crocante, o café espresso é tirado na hora e o creme de queijo mascarpone é mais molhado e untuoso.
Erika também participa do projeto de reformulação do Nino, cuidando da carta de vinhos, que passa a ser centrada em rótulos italianos. “O vinho mais vendido até um mês atrás era um Carménère chileno. Por mais que fosse bom, representava pouco os sabores da Itália. Hoje em dia, o mais vendido é da Toscana. Uma mudança mínima tem um impacto enorme.”
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Todos os esforços do casal apontam para uma meta muito bem definida: “O Nino Cucina vai ser o melhor italiano à la carte de São Paulo, não tenha dúvida disso”, projeta Marco. Em consequência, nas outras quatro cidades, incluindo BH. “Estamos tentando dar sentido às coisas e não fazer só porque funciona comercialmente. O amor e o carinho pelo que fazemos está no centro do nosso raciocínio.”
Tonarelli all’amatriciana
Ingredientes
- 1l de molho de tomate;
- 200g de guanciale;
- 80g de queijo pecorino ralado;
- pimenta-do-reino a gosto;
- 400g de tonarelli ou a massa da sua preferência;
- 150ml de água
Modo de fazer
- Em uma panela grande, refogue metade do guanciale.
- Entre com o molho de tomate e cozinhe em fogo baixo, sempre mexendo, por 2 horas.
- Adicione a água aos poucos, quando necessário. Reserve.
- Em uma frigideira sem gordura, frite a outra metade do guanciale na própria gordura lentamente e reserve.
- Na mesma frigideira, aqueça o molho amatriciana.
- Cozinhe a massa em água fervendo.
- Após o cozimento da massa, entre com ela no molho já quente e mexa até envolver bem.
- Adicione a metade do queijo pecorino.
- Na hora de empratar, finalize com o guanciale frito, queijo pecorino e pimenta-do-reino a gosto.
Serviço
Nino Cucina (@ninocucina)
Rua Curitiba, 2090, Lourdes
(11) 3368-6863