Desembargador José Arthur de Carvalho Pereira Filho
Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Teu dever é lutar pelo direito, mas se um dia encontrares o direito em conflito com a Justiça, lute pela Justiça”. Esta é uma das mais célebres frases do jurista uruguaio Eduardo Juan Couture, que foi presidente da Ordem dos Advogados do Uruguai e é reconhecido em todo o mundo como um grande contribuidor da teoria sobre o direito de ação.
Essa frase ressoa forte em nós, integrantes que somos do sistema de Justiça, e provoca importantes reflexões. Em especial, nesses nossos tempos contemporâneos, marcados por profundas transformações. São “tempos líquidos, onde nada foi feito para durar”, como diria o pensador polonês Zygmunt Bauman. A mudança é o que existe de constância em nossos dias.
Nesse contexto histórico, a tecnologia tem desempenhado grande protagonismo, quebrando paradigmas e varrendo o mundo como uma silenciosa revolução. Um cenário onde novos conflitos surgem, novos direitos e deveres emergem e grupos minoritários amplificam suas vozes, por meio das redes sociais. É um momento para o qual não temos ainda respostas, mas que produz uma profusão de perguntas: como nos modernizar, sem abandonar nossas raízes e sem desprezar nossa cultura? Como abraçar as novas tecnologias, sem perder o aspecto humano? Afinal, para onde caminham a Justiça e o direito?
De fato, estamos diante de novos e desafiantes tempos para o Judiciário no Brasil, país atravessado por profundas desigualdades sociais. Ao mesmo tempo em que se discute Juízo 100% Digital, realidade virtual e metaverso no Judiciário, um universo de quase 34 milhões de brasileiros e brasileiras não têm acesso à internet, e outros 86,6 milhões não conseguem se conectar todos os dias.
Enquanto os tribunais de todo o país buscam fortalecer e disseminar os métodos autocompositivos e a cultura do diálogo, a intolerância cresce, em todos os campos, e ameaça nossa paz, impulsionando a beligerância; nosso último Código de Processo Civil data de 2015, mas o dinamismo da nossa realidade torna rapidamente obsoletos vários aspectos da nossa vida.
Como diria Dom Quixote, um dos personagens mais adorados da literatura mundial, e que surgiu da genialidade do escritor Miguel de Cervantes, “mudar o mundo, meu amigo Sancho, não é loucura, não é utopia, é justiça”. Por isso, diante desse cenário desafiador, nossa resposta não pode ser o comodismo ou o pessimismo. Nossa resposta precisa ser a ação e a abertura para a inovação. Precisamos abrir nossas janelas para novos horizontes.
Mas nossa realidade é dinâmica, e está a exigir permanentemente de nós a busca de novos conhecimentos, a troca de informações e a capacitação contínua. Cabe a cada um de nós assumir nosso papel na construção coletiva que é edificar a Justiça do século XXI, preparando o Judiciário para essa nova era, sem nos esquecer de que, como também nos lembra o cavaleiro andante Dom Quixote “a Justiça, não é um pedaço de pão”. Há muito mais pelo que devemos lutar. E é no presente, no agora, que esse trabalho precisa e pode ser feito, pois, na linha do tempo, o futuro estará sempre além de nós.
Como declarou sabiamente o dramaturgo norueguês Ibsen: “O futuro, é preciso trabalhar nele como os tecelões de alta liça trabalham em suas tapeçarias: sem vê-lo”. Sim, a nós, é interditado ver o futuro. Contudo, ao desenhá-lo, devemos fazê-lo com absoluta entrega e paixão.