Por Jarbas Soares Júnior
Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais
Os atos praticados em 8 de janeiro de 2023 para subversão dos resultados das eleições presidenciais e contra os símbolos nacionais são abomináveis sob qualquer perspectiva. Abomináveis, inaceitáveis e devem ser punidos exemplarmente.
Até a democracia tem limites. Winston Churchill, o estadista inglês, nos alertava, há quase cem anos, que o imperfeito regime democrático é o melhor dos regimes políticos. O oposto da democracia é o governo imposto e autoritário.
Naquela tarde, na capital da República, foi a barbárie que os democratas brasileiros e de todo o mundo assistiram quando ocorreram os ataques aos símbolos do Estado.
A geração que nos precedeu lutou pela volta do regime das liberdades com “sangue, suor e lágrimas”, contra a ditadura militar de 1964, e, certamente, nunca imaginaria que fariam isso com a democracia, viveríamos uma praça de guerra.
O Ministério Público brasileiro, naqueles tempos de cólera, não fugiu às suas obrigações constitucionais, especialmente no âmbito dos estados.
Surpreendidos pelo que se conspirava às portas dos quartéis do Exército brasileiro - sem o seu consentimento - coube aos órgãos do Ministério Público dos estados exercitar os meios constitucionais e legais disponíveis para, aqui e ali, impedir que a barbárie de Brasília se transformasse em um fogo incontrolável que levasse a nossa jovem democracia às labaredas da ignomínia e da catarse coletiva ocorrida no Planalto Central.
Se mais não fizeram, foi porque faltaram-lhes competências legais.
A exemplar punição aos detratores da pátria, sob a égide do Supremo Tribunal Federal (STF), é reclamada pela nação, devendo guardar obediência à Constituição Federal, ao devido processo legal e às regras de competência. Neste caso, pelas agressões ao prédio do STF, não há dúvida que a competência é do próprio STF, estendida, pela conexão aos ataques ao Palácio do Planalto e ao Congresso Nacional. O atual procurador-geral da República, professor Paulo Gonet, valoroso jurista, honra o Ministério Público, separando o joio do trigo.
Ao tempo em que se repudia os abomináveis atos de 8 janeiro e suas ignóbeis intenções, o Ministério Público também tem que resguardar as liberdades individuais, o direito de ir e vir, o direito de reunião, o direito de expressão, de manifestação e do pensamento, que andam meio inibidos pela reação - até natural - dos Poderes e do Ministério Público aos ataques à democracia daquele 8 de janeiro. Esses direitos são a essência da democracia, o “cala boca já morreu”, afirmou o STF tempos atrás.
Na democracia, somente temos um lado, no qual os direitos de liberdade são inalienáveis, incontornáveis e insubmissos.
Os democratas, portanto, defendem a irrestrita observância do devido processo legal, as regras de competência, o princípio à ampla defesa, a necessidade da individualização das condutas e das penas e os direitos de liberdade, sem os quais não podemos falar em democracia.
A proteção da democracia, todavia, não poderá ser nunca uma justa causa para se trair a própria democracia e os seus princípios basilares, pois a democracia é para todos, mesmo para os traidores do ideal de nação haurido da Inconfidência Mineira.
A Justiça brasileira e o Ministério Público Federal e dos estados, portanto, não podem ser condescendentes com a barbárie, mas também devem garantir a mais ampla defesa dos acusados e os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade. Assim, o Ministério Público, filho da democracia que é, tem o dever de defender as manifestações democráticas do pensamento e dar guarida permanente às manifestações legítimas, aos que vão às praças públicas por uma justa causa, dentro das regras do jogo democrático. As ruas vazias por medo de prisão é fato mais grave, na democracia, do que a própria ditadura.
Assim, para que fatos como os do dia 8 de janeiro não ocorram nunca mais, as instituições de Estado devem estar vigilantes, com a Constituição Federal nas mãos, nos dois aspectos, punição aos detratores da pátria e a garantia dos direitos de liberdade, pois a Constituição Federal é a lamparina, como falava o velho Ulisses Guimarães, a nos conduzir nas noites de trevas.
Somente com a Carta a Magna como bússola vamos superar esta era de extremos e obscurantismo.
8 de janeiro nunca mais!