No apagar das luzes de 2024, a tão falada Reforma Tributária, Projeto de Lei Complementar 68/2024, teve seu texto, finalmente, aprovado pela Câmara dos Deputados e seguiu para sanção presidencial. Antes mesmo de o parlamento alterar, mais uma vez, a versão que já havia sido modificada pelo Senado, o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já admitia que “não foi a reforma perfeita, mas foi a reforma possível”.
A reforma, antes de mais nada, tinha a intenção de simplificar e modernizar o sistema tributário brasileiro. Criou-se o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), visando substituir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços (ISS). Estabeleceu-se, ainda, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição a impostos sobre o consumo, como PIS e COFINS, o que se dará a partir de 2027.
As intenções são boas, como, no caso do IBS, em que se pretendeu evitar tributação em cascata e permitir uma legislação única nacional, contra os diversos regramentos atuais do ICMS, diferenciados entre os Estados. O IBS terá um período de transição de oito anos, com a extinção do ICMS e do ISS prevista para 2032 e o IBS entrará em vigor plenamente em 2033.
No Senado, o projeto de lei teve um aprimoramento que foi a regulamentação do “split payment”, que é um sistema eletrônico de arrecadação através do qual o IBS e a CBS serão destinados, automaticamente, no momento da transação financeira, aos entes federais titulares da arrecadação, na proporção das alíquotas incidentes no destino da CBS, bem como às do IBS.
Quando não couber o “split payment” os valores serão destinados ao comitê gestor do IBS, para distribuição entre estados, municípios e a Receita Federal. Este será o novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que terá a alíquota base de 26%. E aí começam as discussões, que acabaram por incluir e excluir diversos produtos que foram onerados e desonerados.
Os preços das passagens aéreas internacionais, a título de ilustração, deverão subir nos próximos anos. A alíquota do IVA deverá ser cobrada de forma integral (26%) em relação aos bilhetes do Brasil para o estrangeiro. Se for ida e volta cairá para 13,5%.
A reforma tratou de especificidades, como desonerar peixes e crustáceos, excluindo-se “lagostas e lagostins”. A impressão que se tem é que houve uma preocupação em fazer com que os mais endinheirados paguem mais impostos, mas não se preocupou em combater a sonegação e a informalidade, também problemas cruciais nesta área.
Muitas autoridades em direito tributário falam que é difícil enxergar, na reforma, a simplificação do sistema tributário, tal o grau de especificidades que acabaram sendo enxertadas ao texto original. Considera-se que chega a ser risível, por exemplo, se isentar carnes, peixes, queijos e sal, mas excluir de isenções as “trufas”, como se fosse um alimento habitual da mesa dos brasileiros.
Criou-se a figura do nanoempreendedor, que não precisará pagar IBS e CBS, desde que se trate de pessoa física que fature até R$ 40,5 mil ao ano. Após as alterações implementadas pelo Senado e pela Câmara Federal, muitos concluem que essa reforma nada simplificará ou tornará mais transparente o arcabouço tributário brasileiro, pelo contrário.
Vários dos especialistas no assunto sustentam que o imposto único, incidente diretamente sobre as transações financeiras, seria a tributação mais democrática, já que, esta sim, atingiria a todos os brasileiros. O professor Marcos Cintra, que exerceu a titularidade da Secretaria Especial da Receita Federal e foi o criador do imposto único, em entrevista exclusiva ao D&J Minas, disse que “o que há de pior na tributação brasileira não é, como diz o governo, a guerra fiscal (que pode ser controlada), nem a cumulatividade (que é baixa frente à nossa carga tributária), nem o contencioso (que depende de nossa tradição jurídica), nem da concentração da arrecadação nos Estados de origem da produção (que pode ser atenuada com a redução das alíquotas interestaduais), e muito menos da partição das competências tributárias constitucionais com entes federados subnacionais (que pode ser corrigida sem agredir o pacto federativo)".
Segundo ele, o que há de pior é a sonegação que permite a 30% dos contribuintes não pagarem tributos, enquanto os 70% restantes são obrigados a suportar uma carga de mais de 50% sobre o que produzem; e em segundo lugar a complexidade e os altos custos para atender as exigências do governo. Essas duas metas, simplicidade e insonegabilidade, foram praticamente ignoradas e podem até ser pioradas na atual reforma. Por outro lado, ambas poderiam ser definitivamente solucionadas com o imposto único, que a sociedade apoia, mas o governo rejeita e que substituiria todo esse pandemônio fiscal por um único imposto sobre os pagamentos.
Ainda conforme o professor Marcos Cintra, “com uma alíquota de 2,81% em cada lançamento bancário a arrecadação do governo permaneceria em 35% do PIB”. Se incidente sobre transações bancárias de crédito e débito, então, o imposto único substituiria todos os tributos de natureza declaratória e eliminaria ou reduziria a sonegação, os custos de administração do governo e dificultaria a corrupção. Como bem disse o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a reforma realmente “não foi a reforma perfeita”, aliás, longe disso.