Romeu Zema, governador de Minas Gerais -  (crédito: Divulgação)

Romeu Zema, governador de Minas Gerais

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Em entrevista exclusiva ao D&J Minas, Romeu Zema conta toda sua trajetória até chegar a governador do segundo mais importante estado do Brasil. A infância em Araxá, os ensinamentos de seus pais, seus estudos e os primeiros aprendizados no grupo empresarial criado por seu avô, onde iniciou a vida como balconista. Da venda de uma "Elba vermelha" à instalação de 470 lojas em todo o Estado, de 1991 até se tornar governador em 2018. Simplicidade e trabalho, os pilares para o sucesso de um gestor para quem a administração pública deve ser exercida com fixação de metas, preocupação com custos e estratégias de crescimento. Federalização das empresas, acordo de Mariana, equilíbrio fiscal, dicas para jovens em início de carreira, Romeu Zema abre o seu jogo.

 

O Sr. nasceu em Araxá-MG, em 1964, os seus estudos iniciais se deram na cidade natal?


Sim, nasci em Araxá e até o ensino médio estudei em escolas da cidade. Eu e minha família temos uma relação de gratidão com Araxá, que acolheu meus antepassados e onde a maior parte dos meus parentes próximos ainda moram. Nasci em uma família de imigrantes italianos, que foi parar em Araxá após meu bisavô, que veio da Itália para trabalhar em Ribeirão Preto (SP), adoecer e ter que se mudar para a cidade mineira por recomendação médica. Naquela época, era comum que as regiões com águas termais fossem indicadas como tratamento para determinadas doenças. E assim Araxá entrou na história da minha família e não saiu mais. Foi lá que meu avô, observando o crescimento do número de automóveis nos anos de 1910, percebeu que logo haveria uma demanda crescente de combustíveis, acessórios e peças de carros e teve a iniciativa de abrir uma das primeiras lojas de autopeças da cidade. Desde pequeno, tive o exemplo dentro de casa de valorizar o estudo e o trabalho. Minha mãe foi professora e me ensinou que não podemos parar nunca de aprender e buscar conhecimento. Com o meu pai, aprendi desde cedo a valorizar a dedicação ao trabalho. Comecei desde pequeno ajudando nos negócios da família e conciliando com os estudos. Fui balconista, estoquista, caixa, cobrador de porta em porta. Morei em Araxá até ir para Ribeirão Preto, onde cursei o ensino médio.

 

O Sr. foi estudar em SP, onde se formou em Administração pela Fundação Getulio Vargas. A opção pela matéria e pela FGV já foi pensando na atuação para o Grupo Zema?


Eu cursei o ensino médio em Ribeirão Preto. Me dediquei muito no período em que prestei o vestibular. Fui aprovado em Economia na USP, e em Administração na FGV. Acabei optando pela segunda por estar mais alinhado com o caminho que gostaria de seguir na minha carreira. Apesar de ser uma empresa familiar, o Grupo Zema sempre se preocupou em ter nos cargos pessoas que estejam qualificadas e preparadas para atuarem na função que vão desempenhar. Era natural que o meu caminho naquele momento fosse me conduzir à atuação na nossa empresa, mas era preciso me qualificar e até ter experiências fora para estar melhor preparado para assumir funções dentro da empresa. O meu aprendizado na FGV foi fundamental para o sucesso que tive na minha vida empresarial. A nossa empresa, ao longo dos anos, foi sempre evoluindo nesse caminho de profissionalização, aprimorando com o tempo as regras de ocupação de cargos para garantir que, mesmo as pessoas da família, precisam de qualificação e experiência em outras empresas para serem contratadas. Hoje, só temos meu irmão e um sobrinho, que atuam no grupo e ambos preparados para as funções que exercem. Essa profissionalização é fundamental para que uma empresa familiar dê certo.

 


A propósito, como nasceu e cresceu o grupo Zema e qual a evolução teve no período em que o Sr. ali esteve, inclusive como presidente do Conselho de Administração de 1990 a 2016?


O sonho do meu pai era que eu fosse um grande vendedor de veículos, que era o ramo principal de atuação do grupo naquela época e que meu pai se especializou ao longo dos anos. Só que não durou muito essa minha carreira. Ao longo do tempo, em que atuei nessa função, vendi apenas um carro. Eu lembro bem até hoje, era uma Elba vermelha. Meu pai tinha adquirido, sem querer muito, uma loja de varejo, que foi uma condição dentro do acordo de compra de uma concessionária de veículos em que teve que levar a loja junto. E eu, a contragosto do meu pai, fui me dedicar a essa loja. Meu pai achava o varejo difícil, tinha que vender uma quantidade enorme de produtos para ter um retorno financeiro, que ele conseguia na venda de um carro. Mas foi ali que eu vi uma grande oportunidade e comecei a trabalhar para melhorar a loja, aumentar sua eficiência, buscar novos fornecedores e produtos. A loja foi dando certo, melhorando os resultados e começamos a expandir. Como todo novo ramo, tivemos algumas dificuldades no início que serviram de aprendizado e foi nesse momento, em 1991, que assumi o controle das Lojas Zema. Ao longo dos anos fomos trabalhando muito, nos especializamos em cidades de pequeno e médio portes no interior e, de quatro lojas que tínhamos naquela época, conseguimos expandir para 470. Hoje temos atuação nos estados de Minas, São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Bahia e Espírito Santo e o varejo é o nosso principal ramo de atuação no grupo.

 

O Sr. leva uma vida pessoal discreta, fez questão de não residir no Palácio, divulga vídeos fazendo trabalhos domésticos nos fins de semana e dizem até que, algumas vezes, prefere ainda viajar guiando o próprio veículo. Por que essa visão reativa ao chamado aparato que cerca o cargo de governador de Estado? O Sr. acha que esse estilo é o diferencial para a sinergia que se vê entre o Sr. e o eleitor sobretudo do interior do estado?


Eu sempre tive uma vida simples, seja na minha atuação como empresário ou agora como governador. Nunca gostei de mordomias, independentemente da minha condição financeira ou cargo que ocupo. Da mesma forma, nunca considerei que fazer as atividades domésticas cotidianas fosse algo que me rebaixasse. Pelo contrário, é algo que valorizo, porque é assim que a grande maioria das pessoas vive e não vejo motivo de eu ser diferente. Eu fiz questão de manter esse meu modo de viver como governador. O governador anterior não só morava em um Palácio, mas tinha 32 empregados para cuidar só do local onde ele morava. Não é justo um estado na situação fiscal crítica que se encontrava manter as mordomias de uma pessoa só porque ele é o governador. Não é justo que o servidor receba atrasado, enquanto o governador fique no Palácio, sendo servido por 32 pessoas com tudo do bom e de melhor sendo pago com o dinheiro da população. Eu fiz questão de mudar isso, porque sou um homem simples e serei assim em qualquer cargo que estiver. Eu moro em uma casa que eu pago aluguel do meu bolso, tenho uma diarista que vai dois dias por semana e me ajuda a cuidar da casa que eu também pago com meu dinheiro. Posso ser vendedor, dono de loja, CEO de uma grande empresa, governador ou até presidente, que sempre manterei esse meu modo de viver simples. Essa é a forma como a grande maioria das pessoas também vive. Então acho que isso ajuda sim ao eleitor a me identificar como alguém que não é diferente dele e que vai tratar o dinheiro público com o mesmo cuidado e valor que as pessoas tratam o dinheiro que ganham com fruto do seu suor.

 

O Sr. se orgulha de, como executivo do Grupo Zema, ter percorrido o estado de MG de ponta a ponta. Conta, inclusive, que fazia isso guiando o próprio carro e que, não raro, além do pneu estepe, tinha que levar outro dentro do carro, já que os percursos eram longos e as vias, muitas vezes, se tratavam de estradas vicinais e ermas. Esse contato com as diversas regiões do estado contribuiu para sua decisão de ingressar na política?


Eu costumo falar que, sem saber, eu comecei minha campanha eleitoral na década de 1990, quando percorri esse estado todo abrindo 470 lojas. Eu sempre fiz questão de participar da abertura de cada loja e isso me fez conhecer Minas Gerais de ponta a ponta. Quando me falam o nome de uma cidade, é como surgisse um ponto de luz na minha memória e eu já consigo visualizar a região onde ela fica, as cidades próximas, as estradas no entorno. E a cada cidade que eu ia abrir uma loja eu conversava com o dono do imóvel que eu ia alugar, com os pedreiros, pintores, fornecedores de algum material, que atuavam na obra de adequação. Fazia treinamento das pessoas que contratávamos no município. Muito tempo depois, quando fui fazer minha campanha em 2018 repeti essa trajetória em várias cidades e em várias delas pessoas me abordavam para lembrar que eu treinei ela no primeiro emprego que teve, que eu aluguei seu imóvel. Acredito que esse conhecimento prévio ajudou muito na minha eleição, porque as pessoas me conheciam, se lembravam de mim e sabiam que eu era um homem sério e trabalhador, como é a maioria dos mineiros. Esse conhecimento do estado me fez perceber que eu poderia ajudar muito a melhorar a situação de Minas e do país. Isso, somado à indignação durante a recessão de 2015 e 2016, que só aconteceu no Brasil enquanto o mundo todo crescia, provocada por corrupção e crise política, foi o que me levou a essa decisão de me candidatar para mudar o rumo que as coisas estavam tomando.

 

E de que forma a função executiva que desempenhou no Grupo Zema agrega em sua gestão como governador do estado ?


Agrega muito, porque faço questão de lidar com os recursos públicos com a mesma responsabilidade e cuidado que tinha com o orçamento da minha empresa. Ao longo dos anos, como gestor na iniciativa privada, aprendi que temos sempre que buscar ser cada vez mais eficientes para melhorar os resultados. Que qualquer economia que pode parecer pequena faz muita diferença quando se coloca em escala. Aprendi que os cargos de alta gestão precisam ser os primeiros a dar o exemplo de responsabilidade com os gastos. Aprendi que é preciso colocar metas a serem alcançadas e medir os resultados para saber se está dando certo, se precisamos fazer correções ou até mudar completamente o caminho que estamos seguindo. Todos esses são valores que eu trouxe da minha gestão privada para minha função de governador, e agora aplico na gestão pública. É claro que o setor público tem suas particularidades, uma burocracia maior, mas na essência não é diferente e, com alguns ajustes, o que dá certo na gestão privada, dá certo no setor público. Estamos provando isso com resultados. Todos os indicadores de Minas, em todas as áreas melhoraram. Gastamos o necessário em cada setor para sermos eficientes. Depois de mais de dez anos, Minas voltou a ter as contas equilibradas, ou seja, gastar menos do que arrecada. Já estamos no terceiro ano desse equilíbrio, que alcançamos em 2021. Conseguimos isso cortando onde precisa, e investindo mais onde era necessário como na saúde, segurança e educação.



O Brasil não tem tradição de ter como governantes profissionais experientes em gestão empresarial ou com formação em administração. Privilegia-se a experiência política e não executiva, tanto que os dois candidatos à presidência que polarizaram a última disputa eleitoral nunca tiveram formação em administração ou experiência em gestão. O Sr. acha que há espaço ou até mesmo necessidade de se buscar candidatos municipais, estaduais e federais com perfis mais técnicos ou com experiência executiva?


Com toda certeza acredito que o candidato deve estar preparado para a função que vai desempenhar e para ser um bom gestor. Ser um político eloquente, ter articulação, ser famoso e conhecido, tudo isso não vai adiantar se não houver uma boa gestão. É claro que a articulação política é importante e necessária nessa função de governante, mas ela sozinha sem gestão não vai gerar resultados. Por isso acredito nos cargos mais técnicos. Eu tenho falado nos eventos em que participo para as pessoas mais jovens da área da gestão que pensem sempre como podem contribuir politicamente. Antes eu tinha certa aversão à política e demorei a perceber que as pessoas boas também têm que contribuir no debate político se quisermos melhorar esse país. Eu brinco que eu demorei 54 anos para perceber isso e agora estou compensando ajudando a melhorar Minas e incentivando que os bons gestores jovens de hoje se encorajem a participar dessa mudança política do Brasil.



Em recente visita a BH o presidente Lula disse que até aqui, apesar do curto tempo de governo, já investiu mais nas estradas de Minas, que o governo anterior. Isso é verdade? Onde estão sendo feitos estes investimentos federais em estradas de Minas?


Quem anda por Minas sabe que as estradas federais não estão recebendo a atenção do governo federal. Mesmo que os investimentos estejam maiores, as condições das estradas federais estão piores, o que demonstra que são necessários valores muito maiores do que está sendo investido. A certeza que eu tenho é que o estado não recebe os investimentos que merece. Eu frequentemente pego a BR-262 para ir de Belo Horizonte a Araxá e é uma tristeza ver como os mineiros têm perdido tempo e arriscado suas vidas em estradas em que houve várias promessas de melhorias e nada se concretizou. Essa é a mesma situação da BR-381, que continua, infelizmente, sendo a rodovia da morte, enquanto a tão sonhada duplicação não sai do papel. E posso citar vários outros exemplos de rodovias federais críticas. Então, é preciso mais investimentos do governo federal para Minas. No que diz respeito às estradas estaduais, depois de tirarmos Minas da situação fiscal que se encontrava, estamos recuperando mais de 3 mil quilômetros no maior programa de investimento em rodovias no estado dos últimos dez anos. Aos poucos, as obras vão sendo concluídas e as estradas de responsabilidade do estado estão em melhoria contínua.

 

Até hoje atingidos pelas tragédias de Mariana e Brumadinho buscam reparações e indenizações e, ao que se sabe, Samarco, Vale e BHP e a União estão discutindo propostas de acordo para Mariana. Uma vez concluído esse acordo, como será dividido esse quinhão entre União, Minas e municípios atingidos? Por que a União assumiu a condução dessa negociação?


É preciso separar bem que são situações muito distintas entre a questão de Mariana e de Brumadinho. Em Mariana, buscamos a repactuação do acordo firmado em 2016, pela ex-presidente Dilma Rousseff e o ex-governador Fernando Pimentel, que foi muito mal feito e não trouxe reparação aos atingidos. O erro foi a criação da Fundação Renova, que consumiu bilhões de reais para pagar consultorias, perícias e não fez a reparação aos atingidos, que é o mais importante e a finalidade para qual ela foi constituída. Por isso, está se discutindo a revisão dos termos e valores desse péssimo acordo firmado lá atrás. Já o termo de reparação de Brumadinho, firmado pelo meu governo, está consolidado, é o maior valor da história do Brasil em reparação, R$ 37 bilhões, e está em pleno vigor sem questionamentos. Mesmo ocorrendo mais de três anos depois de Mariana, a reparação de Brumadinho está muito mais avançada do que a de Mariana. Já fizemos diversas entregas de melhorias para as cidades da Bacia do Paraopeba. Estão sendo realizadas várias obras viárias, de novos equipamentos de saúde, de assistência social. Muitas delas já foram concluídas. O que estamos tentando agora é renegociar o acordo de Mariana nos moldes do acordo de Brumadinho, que se demonstrou muito mais eficiente. A condução da renegociação da tragédia de Mariana é feita em conjunto pelo governo de Minas Gerais, governo do Espírito Santo, governo federal, além dos Ministérios Públicos e Defensorias Públicas respectivas de cada um desses entes federativos. Não há um protagonismo de um ente sobre outro na negociação. A mediação está sendo feita pelo Tribunal Regional Federal (TRF-6) por se tratar de uma tragédia que atingiu o Rio Doce que, por ser um curso d'água interestadual, a competência do julgamento é nacional, por isso a mediação no TRF-6. A participação na negociação é conjunta, os entes estão alinhados, buscando posicionamento único para garantir a devida reparação aos atingidos, que aguardam há quase nove anos sem um resultado efetivo. Os recursos serão divididos proporcionalmente ao tamanho da área e da população atingida em cada estado, cabendo à União ficar responsável pelas ações de reparação ambiental. Estou confiante que estamos perto de um acordo final para essa repactuação.



Quanto à dívida de Minas com a União, como o Sr. vê a federalização de Cemig, Copasa e Codemig? É interessante para o Estado ceder seus principais ativos, na medida em que, ao que se diz, suas avaliações não permitirão a quitação da dívida e sim de apenas parte dela, permanecendo o Estado devedor e, a partir de então, destituído de empresas estratégicas?


As empresas que estão sendo consideradas como viáveis para federalização são estatais que, na avaliação dessa gestão, já não deviam ser administradas pelo governo estadual, porque seriam mais eficientes em uma gestão privada. Nesse sentido, se houver uma avaliação justa do valor das empresas e a concessão de descontos no valor total da amortização para federalização desses ativos, poderíamos ter sim um grande avanço no controle da dívida do Estado. A nossa dívida com a União hoje gira em torno de R$ 160 bilhões. A Codemig, a Cemig e a Copasa, juntas, podem valer mais de R$ 60 bilhões. Se a União conceder um prêmio de amortização com ativos de 50%, ou seja, descontar da dívida R$ 1,50 a cada R$ 1 entregue de ativos, estamos falando de uma redução de R$ 90 bilhões, que diminuiria quase 60% do valor total do estoque. A dívida cairia de R$ 160 bilhões para R$ 70 bilhões, tornando ela muito mais administrável dentro do orçamento do estado. Além disso, a entrega de ativos também poderia gerar uma redução de 1 ou 2 pontos percentuais da taxa de juros cobrada, que hoje é de IPCA mais 4%. Então é válida a discussão sobre a federalização.



Por fim, como executivo da iniciativa privada que se tornou administrador público, ou seja, que tem hoje experiência nos dois campos, qual conselho o Sr. dá para o jovem que está se formando e entrando no mercado de trabalho? Ele pode apostar no Brasil?


Eu aconselho sempre ao jovem no início de carreira a priorizar oportunidades, que vão lhe dar maior nível de aprendizado. Muitas vezes é melhor uma oportunidade que pode ser menos interessante financeiramente, mas que vai lhe proporcionar uma experiência e conhecimento que vão lhe garantir no futuro um crescimento na carreira, do que uma que pode até ser melhor financeiramente naquele momento, mas em que você não tem perspectiva de sair do lugar. Então, meu grande conselho é esse de não se acomodarem com conhecimento e quererem sempre aprender mais, porque assim vão crescer também na carreira e consequentemente terão melhores salários e rendimentos. E com certeza o jovem deve apostar no Brasil. Como eu disse, anteriormente, tem espaço na política para pessoas boas e competentes e é assim que vamos melhorar o país.