O entrevistado do D&J Minas nasceu em Brasília de Minas, que fica a 520 quilômetros de Belo Horizonte, no Norte do estado e possui população de 32 mil habitantes. Devoto de Nossa Senhora de Santana, Antônio Fabrício de Matos Gonçalves tem na família, na religião e na cultura regional, adquirida nos tempos de juventude, os três pilares de sua formação. Simples, simpático ao extremo, Fabrício cativa a todos com seu sorriso largo e com suas tiradas rápidas e dotadas de inteligência e bom humor. Trabalhador incansável, como presidente da OAB percorreu nada menos do que 243 mil quilômetros de carro, o equivalente a seis voltas em torno do planeta, visitando 360 cidades mineiras em dois anos. Como costuma brincar passou mais de um ano a bordo de um veículo. O ministro Antônio Fabrício é o primeiro mineiro a assumir uma vaga destinada à advocacia no Tribunal Superior do Trabalho e, nessa entrevista, fala sobre seus 31 anos de advocacia e seu respeito a classe dos advogados, sua origem. Ele discorre sobre os desafios da Justiça do Trabalho e dos efeitos nefastos da quantidade de cursos de direito existentes, sobre a necessidade de um Código Processual do Trabalho e muito mais. O filho de Brasília de Minas teve das posses mais concorridas e festejadas da história do TST. Música do “Clube da Esquina”, comida mineira e muita harmonia. Na 4ª feira, 21 de agosto, os voos BH/Brasília nunca tiveram tanto "overbooking" e os hotéis da capital federal ficaram repletos de advogados mineiros que foram levar seu abraço ao ministro Antônio Fabrício.


O Sr. é nascido em Brasília de Minas, município de aproximadamente 32 mil habitantes, no norte de Minas, a 520 quilômetros de BH. Ao completar, em 2024, 130 anos, Brasília de Minas ganha o presente de um filho seu chegar a Ministro do TST. Quais os costumes e características da infância e juventude no norte do estado contribuíram para essa caminhada e na formação de sua personalidade?


Três pontos foram fundamentais para a formação do meu caráter. A minha família, a estrutura religiosa, aos pés da Igreja da Matriz de Nossa Senhora Santana, e minha formação cultural a partir do “Centro Cultural Contendas”, onde eu tive contato com a cultura popular e músicas regionais. Esses três pilares, da sólida formação dada pelo meu pai e minha mãe, no conceito da formação antiga, rígida ainda de criação, são os que me trouxeram ao que sou hoje. A formação cultural, com seus traços regionais e religiosos, moldou a minha personalidade e mantém a forte ligação com minha terra natal e o norte mineiro, que faço questão de preservar.

 


O Sr. foi advogado trabalhista por mais de 30 anos, tem mestrado em Direito do Trabalho pela PUC-Minas e é professor de Direito do Trabalho na mesma PUC-Minas desde 1999. Por que e de onde vem essa predileção pelo Direito do Trabalho?

Pensei por um determinado momento da minha vida, no início do meu curso de direito, em tentar um concurso para promotor de justiça, o que não aconteceu. Isso porque no meu último ano da faculdade eu pedi e consegui um estágio, que foi direcionado para a área trabalhista. A partir daí eu escolhi que aquela seria a minha raia de atuação dentro do direito, que seria naquele ramo, do Direito do Trabalho, que eu iria me desenvolver. Eu acredito nos princípios que regem o Direito do Trabalho e esses princípios determinaram qual o norte a seguir dentro do direito como um todo. Como faço questão sempre de dizer, com muita satisfação: A vida me deu direito e trabalho e eu fiz do Direito do Trabalho a minha vida.


O Sr. foi presidente da OAB/MG de 2016 a 2018 e presidente nacional da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat) de 2012 a 2014, tendo, ainda, integrado a delegação brasileira na convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) na Suíça, em 2014. Na sua visão, quais são os principais desafios da justiça do trabalho na atualidade? Pode-se dizer que as reformas trabalhistas foram uma evolução? Em que sentido?


Como eu sempre tenho repetido, os desafios da Justiça do Trabalho atualmente, infelizmente são os mesmos desafios antigos, já conhecidos desde os tempos em que me iniciei na jornada pelo direito, o que é uma pena. Ainda hoje estamos nos deparando com temas como: trabalho escravo, trabalho infantil, discriminação de raça, gênero, de denominação de origem, de sotaque. Esses são os desafios que a Justiça do Trabalho tem que continuar a enfrentar. Apesar de estarmos no século 21, ainda falamos de trabalho escravo. Com relação à reforma trabalhista, ela está posta e consolidada como determinação legal, é uma realidade. A análise política, econômica e social de seus efeitos é que deve orientar a necessidade de sua alteração ou adequação, pelos canais e poderes competentes.

 

Como presidente da OAB/MG é verdade que o Sr. percorreu o equivalente a 6 voltas ao mundo nas estradas de norte a sul do estado e rodou o hodômetro de dois Corollas? Qual foi o legado que ficou da visita a mais de 360 cidades em dois anos?


Sim, é verdade. Nós nos propusemos a fazer uma gestão de efetiva presença física e de oitiva pessoal da advocacia do interior de Minas, ouvindo dos colegas do interior, suas dores e suas eventuais alegrias. Foi rodando o estado que nós tivemos a certeza quais eram os principais problemas da advocacia a serem enfrentados naquele momento, como, por exemplo, o pagamento à advocacia dativa, questão que hoje está resolvida, mas, iniciada antes e presente quando de minha gestão, e que somente foi possível com a contribuição e trabalho de todos os ex-presidentes seccionais da OAB/MG, cada um a seu turno, para chegarmos a uma solução. O fato de eu ter um olhar mais atento à advocacia do interior e estar sempre viajando fez com que, um dia, ao final do meu mandato, eu perguntasse para a minha secretária quantos dias eu viajei na gestão e ela respondesse brincando que 367, ou seja, eu passei mais de um ano dentro do carro. O legado dessa postura foi a estruturação e a melhoria da autoestima da advocacia de Minas Gerais. Foi ainda graças a esse contato permanente que conseguimos identificar e resolver um outro grande problema enfrentado por advogadas e advogados mineiros. Na nossa gestão, conseguimos que o Banco do Brasil, por determinação de Supremo Tribunal Federal, tivesse que pagar todos os alvarás sem fundos, uma grande angústia, talvez uma das maiores dos últimos 20 anos da advocacia e que afetava diretamente o cidadão.


Em seu mandato à frente da OAB/MG uma de suas bandeiras foi a intensificação de um Programa de Educação Continuada. Atualmente, segundo levantamento do censo da OAB, temos mais de 1,3 milhão de advogados no País. Esse universo de advogados, que é o maior número entre todos os países do mundo capitalista somados, não afeta na qualidade da advocacia trabalhista? Até que ponto não contribui para o aumento da judicialização trabalhista no país?


Sim, a quantidade desmedida de cursos de direito que foram abertos sem a qualidade e sem a cobrança devida, fez com que vários profissionais chegassem sem a qualificação mínima necessária. Consequentemente, profissionais mal instrumentalizados são colocados no mercado de trabalho pela profusão de cursos de direito existentes nesse país, uma condição que tem que ser combatida e a OAB vem exercendo esse papel. O problema não é só técnico. Várias cursos deixaram de privilegiar em seus currículos as formações nas questões humanísticas, se esqueceram das cadeiras de formação humanista, o que faz com que advogadas e advogados cheguem ao mercado e entrem em um verdadeiro vale tudo em busca do sucesso imediato, o que, eventualmente, pode fazer com que algumas demandas cheguem à justiça sem a base devida. A questão hoje é técnica e ética.


O Sr. é o primeiro mineiro a exercer a função de ministro do TST na vaga destinada a advogados. Como espera utilizar sua formação como advogado trabalhista para contribuir com o desenvolvimento da Justiça do Trabalho na sua mais alta Corte? Se puder definir para o leitor, qual será o perfil do ministro Antônio Fabrício ?


Desde o dia 2 de julho, quando tomamos posse administrativamente e entramos para o gabinete, nós traçamos qual a linha a ser trilhada pelo gabinete e qual será o DNA desse período, no qual serei ministro. A linha será a consciência total de que nunca nos esqueceremos de onde viemos, que é da advocacia, da vaga destinada ao representante da Ordem dos Advogados do Brasil e o perfil será de acentuação da observância e preservação do direito de defesa, do olho aberto e acompanhando de todas as formas o respeito ao direito a produção de provas para comprovação dos fatos, sempre valorizando a participação da advogada e do advogado, não tolerando nenhum tipo de restrição à atuação ampla da advocacia por todo o período, ou qualquer violação das prerrogativas asseguradas ao exercício da profissão. A vaga que ocupo é preenchida a partir da indicação da OAB, que traduz confiança da advocacia brasileira na defesa desses pilares, e é essa visão. Esses meus 31 anos de efetivo exercício da advocacia aqui me trouxeram e eles desaguam na contribuição para o exercício da magistratura, agora na minha caminhada como ministro da mais alta corte trabalhista do país.


Na véspera de sua posse, o presidente da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (ABDT), ministro Alexandre Agra Belmonte, apresentou ao presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti, o anteprojeto do CPT – Código de Processo do Trabalho. O Sr., que foi membro da Comissão Nacional de Revisão da Legislação Trabalhista, em 2007, entende que um Código de Processo do Trabalho é uma necessidade? Por quê? O que o Sr. espera em relação a tramitação de tal anteprojeto?


O ministro Agra, como presidente da academia, deu uma grande contribuição para a discussão que vem de muitos anos. Eu me lembro que no ano de 1991, o meu professor de processo de trabalho, Lúcio de Almeida, ex- presidente da AMAT, levou ao nosso conhecimento um anteprojeto de um Código de Processo do Trabalho. Onde está isso? Só para explicar para o leitor, nós, no Direto do Trabalho, ao contrário de outros ramos do direito, como o Direito Civil que se orienta pelo Código Civil, onde está o direito material, e o Código de Processo Civil, onde estão as normas processuais, temos, no Direito do Trabalho, a CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas, que concentra a regulamentação das questões materiais e processuais. A proposta em curso é que a CLT regulamente o direito material e que a parte processual fosse regulada para uma legislação autônoma. É uma discussão madura no Brasil e acerta a academia em voltar à discussão desse tema tão importante.


A solenidade de sua posse foi prestigiadíssima e dentro de um clima de muita alegria e fraternidade, com enorme presença de advogados, magistrados e políticos mineiros, músicos do Clube da Esquina e, no jantar, banda mineira tocando e servidos pratos típicos de nossa culinária. Um tributo a Minas que há muito não se via em Brasília. Esta foi a intenção? Minas precisa ser mais divulgada? Dentro desse espírito como vê o lançamento de um caderno “Direito & Justiça” específico para o sistema de justiça mineiro?


Quando me disseram que a solenidade de posse no seu protocolo não contemplava uma fala do empossado, eu resolvi falar pela música. Tenho certeza que vim para esse tribunal para trazer o que está incorporado em mim, o DNA de Minas Gerais. Chego trazendo as boas tradições das Minas e das Gerais, as boas tradições de convivência, do respeito e da boa política mineira. Portanto foi a intenção mostrar qual é o DNA, foi a intenção sim de desenhar uma posse mostrando DNA de Minas Gerais, porque nunca é demais dizer quais são as características do mineiro que tanto encanta o país. Por isso, todos os detalhes da posse e do jantar foram sim pensados para trazer de Minas a Brasília, mais uma vez, nossa cultura e tradições, da música à culinária, um resgate do "uai", com mineiros se sentido em casa. Esse caderno “Direito & Justiça”, que passa a compor a leitura jurídica recomendada no nosso estado, ajuda a resgatar a importância de Minas Gerais na construção do direito do nosso país. Quero parabenizar o jornal Estado de Minas por seu presidente do Conselho e todos os jornalistas que criaram e que trouxeram de volta esse caderno tão importante. Nunca foi tão necessário estar atento às novidades do direito e da legislação. Como se tem dito, hoje dificilmente algum brasileiro sabe quais foram os 11 jogadores da seleção brasileira que atuaram na última Copa América, mas todos os brasileiros sabem quem são os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal. O direito hoje está pautado todo o tempo no dia a dia das pessoas, está, como nunca esteve, nas discussões diárias e na vida.

 

 

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