Mais lidas
compartilhe
Siga noA ventriloquia é uma arte de tempos remotos. Dar voz e movimentos a uma peça inanimada, geralmente espalhafatosa, por meio de truques de dissimulação da fala, paralisação das expressões faciais, cerração dos lábios e pleno domínio da respiração em ilusório passe de mágica. A marionete, em sedutor jogo de cumplicidade, adquire uma sobrevida e passa a falar ao parceiro com desassombro sobre assuntos disparatados, a despeito de inconsequentes traquinagens. Encontrar um boneco que lhe faça contraposição frente a questões existenciais é a prova da pacífica e salutar convivência entre contrários num mundo civilizado. Com bom humor, ainda melhor. No caso específico, este tem nome: Péricles, o advogado.
O personagem, criado pelo desembargador Lailson Braga Baeta Neves, 63 anos, hoje na presidência da 17a Câmara Cível do TJMG, transita nas redes sociais. O magistrado usa seu destrambelhado e estimado boneco para ensinar um pouco do direito a leigos e operadores, invocando sua paixão pela carreira acadêmica na seara jurídica, pela qual se dedica há mais de três décadas. Por exemplo, a função dos embargos declaratórios no devido processo legal.
Péricles tenta explicar por analogia quais os efeitos do recurso considerando alguns de seus romances. Em outro filmete, o foco são as diferenças conceituais entre fato (ocorrência) e fato jurídico (previsto em norma). Metido a sabichão, ranzinza, Péricles prova seu desconhecimento sobre os temas, mas não passa recibo. Engraçadas e espirituosas, ambas as personalidades. No fundo, uma única.
Baeta Neves descobriu ainda na infância, no ensino primário, a graça de dar inteligência remota a um boneco, vocação que o persegue desde então: "O ventriloquismo me impressionava, tentava imitar os artistas neste ofício já naquela época". Mais tarde, adolescente e estudante no Colégio Batista, consolidou essa sua faceta artística diante do trabalho de alguns pastores, que faziam uso do boneco no processo lúdico de evangelização. Posteriormente, a comoção veio na interação com crianças portadoras de alguma dificuldade motora ou mental.
Frequentador do Grupo da Fraternidade Espírita Irmã Scheilla, no bairro Floresta, em Belo Horizonte, o desembargador explicou sua dedicação: "O cerne é a conduta de amor ao próximo e a prática da caridade". Segundo ele, o PIB justifica sua participação ativa numa outra dimensão: Perdão pelas faltas cometidas contra si; Indulgência com os erros alheios; e Benevolência para com todos. Tudo pautado nas palavras sagradas do Evangelho.
Baeta Neves é praticante da meditação, a ponto de visitar a Índia, na condição de yogue. "Ela toma conta de você, se incorpora ao nosso ser mais do que as artes marciais", explicou. O jiu-jitsu e o judô complementam sua saúde física com atividades diárias. Na estratégia corporal aprende-se disciplina e respeito ao próximo e, em último caso, a defesa pessoal. "Se você não desenvolve a conduta de ajudar o próximo tudo o mais se torna improdutivo", emendou. Seu mundo se mostra holístico em causas e efeitos, coração e mente, destacou, a partir do seio familiar, de onde saiu toda essa iniciação. "Nunca fui competitivo", informou. Neste seu universo de práticas esportivas cabem ainda o wing chun, boxe e fisiculturismo.
Com passagens pelas comarcas de Montes Claros, Itaguara e São Francisco, o magistrado foi nomeado desembargador pelo então presidente do TJMG, Nélson Missias, em 2019. Uma de suas paixões encontra-se em ensinamentos e aprendizados advindos da sala de aula na academia: mestre e doutor em direito pela PUC Minas; pós doutor e professor de mestrado na Fumec; professor de direito empresarial na UNA e Cefet-MG; pós graduações em direito processual e ciências penais, ambas pela Unimontes. Autor do livro "O juiz monocrático e a preservação da pessoa em juízo" e colaborador com artigos outros em várias publicações da literatura jurídica no país.