O Sr. se formou em direito pela Faculdade de Direito da UFMG e é pós-graduado em Direito Público Municipal e Direito de Empresa pela PUC Minas. A formação pública sempre foi a sua primeira opção? Uma vocação? Por quê?
Na verdade, eu comecei minha vida profissional como advogado, tive escritório, o qual trabalhou para grandes empresas mineiras. E, como há permissão legal, durante um bom tempo, eu convivi como advogado privado e advogado público. Quando assumi cargo de gestão na procuradoria-geral do município me afastei da advocacia privada e passei a me dedicar inteiramente a advocacia pública. A advocacia pública, no meu entender, é um dos grandes pilares do estado democrático de direito, pois cabe a nós, advogados públicos, permitir que os eleitos pelo povo cumpram o plano de governo proposto e vencedor do pleito eleitoral. A nossa função é dar suporte legal à implementação das propostas aprovadas pela população. O advogado público lida em diversas áreas do direito e tem como missão a defesa do interesse público. Acredito que para o pleno exercício desta atividade devemos ser, sim, vocacionados e sabedores das complexidades do dia a dia da gestão pública.
Está no serviço público municipal desde 1988 e como procurador de carreira desde 1994, tendo chefiado o contencioso tributário, a assessoria jurídica da secretaria municipal de Saúde, foi procurador-geral adjunto e subprocurador geral fiscal do município. O que essas funções contribuíram para o exercício de procurador geral do município de Belo Horizonte, cargo que exerce desde 2022?
A passagem por esses cargos me deu uma visão geral de todos os ramos do direito público, o que facilita, um pouco, a administrar a vasta gama de demandas que chegam até a procuradoria. O caminhar em cargos técnicos e de gestão nos traz um aprendizado que vai além do direito. Essa vivência nos ensina a buscar soluções para os problemas que nos são trazidos, a lidar com as divergências na interpretação dos fatos e das normas legais. Para mim, a grande lição aprendida foi: só diga não, quando essa for a única resposta. Eu me sinto honrado pelo convite do prefeito Fuad para chefiar a procuradoria-geral de Belo Horizonte, minha segunda casa há quase 30 anos. A convivência com os colegas procuradores e demais servidores da PGM é muito salutar e um contínuo aprendizado, pois se trata de um corpo de servidores públicos muito qualificado, o que torna fácil a tarefa de planejar, coordenar, controlar e executar as atividades jurídicas de interesse do município, missão precípua da procuradoria.
Uma das discussões jurídicas recentes foi em relação à ciclovia da Afonso Pena. Há ações judiciais discutindo o tema, qual o posicionamento do TCE e TJ em relação ao assunto e qual a expectativa em relação da PBH?
Para responder a essa pergunta torna-se necessário ressaltar alguns fatos: a ciclovia da Afonso Pena integra o projeto de requalificação da Avenida Afonso Pena. O plano decorre das diretrizes nacionais para intervenções de mobilidade urbana são apontadas na lei federal nº 10.257, de 10/07/2001, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo o Estatuto da Cidade, que determina que todas as cidades brasileiras com mais de 500 mil habitantes elaborem um Plano Diretor de Mobilidade. A lei federal nº 12.587, de 13/01/2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana é orientada por diretrizes de prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os modos motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado. O Plano Diretor de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte - PlanMob-BH – de 2013, estabelece as diretrizes para o acompanhamento e o monitoramento de sua implementação, avaliação e revisão periódica, que foi iniciada em 2014, por meio de debate com a sociedade, na IV Conferência de Política Urbana. Em 2019, o Plano Diretor do município de Belo Horizonte define a rede cicloviária, onde se destaca a Av. Afonso Pena, em toda a sua extensão, como um eixo cicloviário do Programa Pedala BH. Ressalte-se que a implantação de ciclovias está prevista na nossa Lei Orgânica. Com todos os estudos demonstrando a viabilidade do projeto de requalificação da Afonso Pena e o aumento na velocidade média dos veículos, foram feitas inúmeras reuniões públicas com diversos setores da sociedade civil, envolvendo entidades empresariais, conselhos de classe e entidades civis, entre eles, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte - CDL-BH, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte - Setra-BH, o GT Pedala, Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – Iepha-MG e Conselho Deliberativo dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Belo Horizonte. É importante destacar que, de forma democrática e inclusiva, após as reuniões, o projeto passou por revisão, para acolher mudanças sugeridas. Pois bem, com o início das obras, surgiu um movimento contrário devido ao trecho entre a Praça da Bandeira e o Tribunal de Justiça, no alto da Afonso Pena, único trecho da ciclovia que houve a necessidade de suprimir, em 550 metros, uma via de automóveis. Deve-se ressaltar que no restante da pista da Afonso Pena, ou seja 3,7 km, não haverá redução do número de faixas para veículos automotores. Surgiu uma ação civil pública distribuída no Tribunal de Justiça de Minas Gerais e uma representação no Tribunal de Contas do Estado pedindo a suspensão das obras da ciclovia. No Tribunal de Justiça, o juiz de primeira instância negou a suspensão das obras, mas em grau de recurso, o desembargador Armando Freire atendeu o pleito dos autores da ação e determinou a suspensão das obras de implantação da ciclovia, em antecipação de tutela, sob o argumento: a implantação de uma ciclovia deve ser precedida de estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental, exatamente para garantir a adequação da infraestrutura às necessidades da população e evitar/minimizar os impactos negativos no meio ambiente e na qualidade de vida das pessoas. O Município apresentou suas contrarrazões do recurso, comprovando que todos os estudos técnicos foram feitos e aguarda a análise do mérito da questão, onde os julgadores poderão, de forma mais abrangente, examinar todos os argumentos da área técnica da PBH e, aí sim, decidir.
Quais impactos o Sr. enxerga que podem recair sobre a Fazenda municipal de BH caso a reforma tributária seja mantida pelo Senado, com o texto aprovado na Câmara dos Deputados?
A reforma tributária ainda é uma incógnita para todos. O texto é alterado a cada análise pelo Congresso Nacional e para termos uma ideia real dos impactos, devemos aguardar a sanção pelo presidente da República. Mas o principal impacto sobre os municípios já é evidente: perde-se a autonomia sobre parte dos tributos de sua competência. Eu sou um dos que entende que a reforma fere o pacto federativo. Veja que a União manteve todos os tributos de sua competência constitucional seu absoluto controle. Já estados e município perderam a autonomia sobre os seus principais tributos, o Imposto de Circulação de Mercadoras e Serviços e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza. O criado o Imposto sobre Bens e Serviços, o IBS, que é a fusão do ICMS e do ISSQN trará dificuldades na gestão tributária das fazendas e procuradorias municipais e das estaduais. Não está claro como será a repartição de competências para fiscalizar, lançar, julgar administrativamente e cobrar o novo imposto. Isso tudo sem contar com nenhum estudo do impacto que a reforma trará para as finanças municipais, todos os grandes municípios foram contrários ao texto aprovado e que agora está sendo regulamentado, apesar dos esforços da Frente Nacional de Prefeitos. Agora, é aguardar a votação pelo Senado Federal e nos estruturar para as mudanças que virão.