William Garcia Pinto Coelho
Promotor de Justiça, chefe do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa da Ordem Econômica e Tributária do MPMG

 


É senso comum praguejar contra o sistema tributário nacional. Quem nunca ouviu questionamentos populares sobre a injustiça da carga tributária ou sobre a dificuldade de compreensão de um sistema anacrônico? A necessidade de uma reformulação tributária é pauta nos corredores de Brasília. Mas, existe a face oculta de uma macrocriminalidade silenciosa. Debates fiscais legítimos não podem servir de escudo para grupos econômicos que praticam fraudes tributárias estruturadas como modelo de negócio, lesando a sociedade e a concorrência.


Imaginemos um setor econômico competitivo, com múltiplos atores e margem de lucro apertada. Suponhamos que um grupo econômico desenvolva um sofisticado esquema de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Nesse modelo de negócio, deixa de pagar milhões de reais em tributos, o que lhe permite oferecer preços mais baixos que a concorrência, reinvestir no próprio negócio e aumentar a repartição de lucros para os sócios.


Nesse cenário, há prejuízos para a sociedade. A sonegação fiscal acarreta o subfinanciamento de políticas públicas sociais, como saúde e educação. São recursos que deixam de ingressar nos cofres públicos e poderiam financiar leitos hospitalares ou a construção de escolas.


Há também prejuízos para a concorrência. A sonegação fiscal gera uma vantagem estratégica em relação ao concorrente que cumpre com suas obrigações. Em um ambiente de negócios corroído por fraudes estruturadas, empresas morrem pelas distorções de mercado e outras deixam de nascer em razão dessas barreiras ao empreendedorismo leal.


Há ainda potencial prejuízo para investidores. A sonegação fiscal impulsiona falsos resultados financeiros apresentados em relatórios trimestrais de empresas listadas na bolsa de valores. A dissimulação de informações relevantes impacta a avaliação do valor de mercado das ações.


Em Minas Gerais, uma política pública tem a pretensão de desequilibrar a lógica econômica de custo-benefício dessa macrocriminalidade e aumentar o nível global de integridade em determinados setores econômicos. O Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (CIRA) é uma iniciativa pioneira. A articulação de promotores de justiça, auditores fiscais, advogados públicos e policiais civis e militares tem se especializado na apuração desses sofisticados esquemas, que passariam abaixo do radar da atuação isolada de cada instituição.


Apenas em 2023, o CIRA Mineiro recuperou cerca de R$ 2 bilhões que foram desviados dos cofres públicos nesses esquemas. Além dos recursos financeiros, bens foram apreendidos, como aeronaves que hoje são utilizadas no transporte de órgãos para transplantes e quadriciclos que bombeiros utilizam para salvamento. Em muitos casos, a recuperação foi possível por meio de acordos, de forma ágil e madura, permitindo que as empresas envolvidas (re)estruturassem Programas de Integridade, mudassem suas práticas corporativas, pagassem os tributos devidos e competissem de maneira leal.


O Ministério Público brasileiro ocupa papel central no enfrentamento dos desafios dessa macrocriminalidade corporativa, que não respeita fronteiras geográficas. A reforma tributária pode representar uma nova oportunidade para refundar um federalismo fiscal mais colaborativo. É o momento de uma estratégia interfederativa para estimular o cumprimento dos deveres tributários por grandes corporações. Cabe ao Ministério Público articular um nivelamento nacional no combate a crimes tributários estruturados, que prejudicam a sociedade, a concorrência e os investidores.

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