Em 2015, o Sr. integrou a força tarefa que investigou o rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco, em Mariana e, agora, em 2024, assumiu a condução direta dos processos federais que tratam do assunto. Em 5 de novembro próximo a tragédia de Mariana completa 9 anos. Ainda existe algum questionamento ou dúvida sobre a responsabilidade da Samarco e de suas sócias, Vale e BHP, sobre os danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão? Por que ainda há atingidos não indenizados?


Em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão, localizada em Mariana (MG) e operada pela Samarco Mineração, resultou em uma das maiores tragédias socioambientais da história do Brasil. O desastre liberou aproximadamente 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, causando a morte de 19 pessoas, destruindo comunidades inteiras e comprometendo gravemente o Rio Doce, com reflexos ambientais e socioeconômicos que se estendem de Minas Gerais até o litoral do Espírito Santo. O impacto ambiental do rompimento da barragem afeta ainda hoje a fauna, a flora e o abastecimento de água de diversas localidades, configurando um cenário de danos contínuos e complexos. A recuperação dos ecossistemas atingidos permanece em curso, com desafios que demandam constante monitoramento e atuação. Na época estava lotado na Procuradoria da República no município de Ipatinga, e logo que fui informado do rompimento da barragem de Fundão me dirigi junto à equipe técnica do MPF para o rio Doce, onde pudemos constatar a magnitude dos danos, fazer um relatório da situação do rio e instaurar um inquérito civil público para buscar garantir as ações emergenciais, investigar as causas do ocorrido, buscar a punição dos responsáveis e a reparação integral dos danos. Posteriormente, visando centralizar e racionalizar os trabalhos do MPF, foi criada uma Força Tarefa, com os procuradores naturais com atribuição ao longo da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, dando uniformidade ao tratamento do caso. Foram intensos os trabalhos para garantir medidas emergenciais de salvamento de fauna, flora e infraestrutura ao longo da calha do rio Doce antes da chegada da onda de rejeitos até os municípios a jusante, além das ações de resgate das vítimas, com garantia de alojamento, alimentação e atendimento médico. A responsabilidade pelos danos foi imputada à Samarco e suas duas sócias controladoras, Vale e BHP, que não refutaram em assumir os trabalhos de mitigação e reparação e as negociações buscando uma solução consensual do caso.


Explique para o leitor entender: não houve um acordo feito sobre a tragédia de Mariana? Em que termos se deu e por que o Ministério Público Federal (MPF) não concordou com as condições e a forma como o acordo foi celebrado?


Em 2016 foi assinado um acordo de reparação dos danos entre as empresas, a União e os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, sendo que o Ministério Público Federal participou das negociações mas não concordou com os termos, em especial a criação da Fundação Renova, que o MPF entendia ser uma estrutura possivelmente burocrática e destinada a blindar a responsabilidade das empresas, não colaborando com a celeridade necessária nas ações de reparação, ademais da falta de participação social e da inviabilidade de se fechar um acordo com teto de R$ 20 bilhões antes da realização de um completo diagnóstico e valorização dos danos. Desse modo, o Ministério Público Federal ajuizou uma ação civil pública em face das empresas e do Poder Público, solicitando a reparação integral dos danos socioambientais e socioeconômicos decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, incluindo, dentre outros, os danos aos Povos e Comunidades Tradicionais, o lucro cessante ambiental, referente ao tempo que a sociedade ficará privada de usufruir de um meio ambiente equilibrado entre a data do rompimento e a data da reparação integral do dano, além de indenização pelo dano moral coletivo, chegando a um valor de causa de R$ 155 bilhões.

 

Tem sido construído um novo acordo em relação a tragédia de Mariana. Qual a diferença deste para o primeiro? Do novo acordo, o que ficará com Minas e o que ficará com a União?


Com a ACP 155 bi foi reaberta a mesa de negociação com as empresas, tendo sido assinados vários acordos aditivos e prevista a repactuação, que levou à celebração do acordo final em 25.10.2024, nove anos após o desastre, no valor de R$ 170 bilhões para as ações de reparação socioambiental e socioeconômica na Bacia do Rio Doce, sendo R$ 100 bilhões em valores novos a serem aportados e transferidos para o Poder Público executar as medidas de reparação, R$ 32 bilhões estimados de valor das obrigações de fazer que permanecerão a cargo das empresas, e R$ 38 bilhões de valor estimado já gasto na reparação. Deste valor, R$ 12 bilhões serão investidos em programas de saúde, R$ 11 bilhões em ações de saneamento, R$ 6,5 bilhões em programa de retomada econômica, R$ 2 bilhões para ações de combate às enchentes, R$ 8 bilhões em ações em favor dos Povos e Comunidades Tradicionais, R$ 2,439 bilhões para programas relacionados à atividade de pesca e R$ 1 bilhão em programa para as mulheres atingidas.


Serão destinados R$ 5 bilhões para o fundo de participação popular, cabendo aos atingidos definirem a aplicação dos recursos, e R$ 3,75 bilhões para o Programa de Transferência de Renda à população atingida. Fica criado um Programa de Indenização Definitiva para as pessoas atingidas pelo rompimento a ser custeado pelas empresas, com público-alvo estimado de até 500 mil pessoas, em valores de R$ 35 mil reais, além de programa de acordo para agricultores familiares e pescadores artesanais profissionais no valor de R$ 95 mil, e indenização pelo dano água no valor de R$ 13 mil. O novo acordo prevê a criação do Conselho Federal de Participação Social da Bacia do Rio Doce e do Fundo Popular da Bacia do Rio Doce, além da garantia de continuidade do trabalho das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs). Ponto fundamental e de grande indignação da população atingida é a finalização dos reassentamentos e reparo de infraestrutura impactadas, além da desapropriação e criação de memorial na região de Bento Rodrigues. Foi instituído um robusto plano de recuperação ambiental, com obrigações de fazer e de pagar das empresas, ficando a União e estados de Minas Gerais e Espírito Santo responsáveis por diversos projetos socioambientais a serem financiados com recursos do acordo. O acordo garante o reconhecimento definitivo dos municípios do litoral do Espírito Santo como diretamente impactados pelo rompimento, totalizando 38 municípios mineiros e 11 municípios capixabas para o recebimento de programas e verbas do acordo. Dentre as várias obras de infraestruturas previstas, foram destinados R$ 4,3 bilhões para a recuperação e duplicação da BR 356 entre Belo Horizonte e Mariana e do trecho capixaba da BR 262. O acordo de repactuação simplifica o processo de reparação, com a extinção da Fundação Renova, sendo os programas de reparação integral transferidos à Samarco, União e estados de Minas Gerais e Espírito Santo. O novo acordo corrige injustiças e falhas no processo de reparação, trazendo robustos valores e novos programas para a reparação integral dos danos socioambientais e socioeconômicos oriundos do rompimento da barragem de Fundão.


Centenas de atingidos ingressaram com ação de indenização na Inglaterra. Em que ponto um acordo em tais ações pode afetar o acordo que está sendo construído na justiça federal brasileira?


No que se refere à ação movida na Justiça da Inglaterra visando a reparação dos danos, o fundamento é o fato de a Justiça brasileira, teoricamente, não ter conseguido dar encaminhamento à questão, deixando os atingidos sem resposta. Com a celebração do acordo de repactuação, do qual participam as instituições de justiça: Ministério Público Federal, Ministérios Públicos e Defensorias Públicas dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo; o Poder Público: União e Estados de Minas Gerais e Espírito Santo; além das empresas: Samarco, Vale e BHP, e endereçam diversos programas de reparação dos danos, tanto na seara ambiental como social e econômica, a tendência é que a ação na Justiça estrangeira sofra uma desidratação, com a adesão de atingidos e municípios ao novo acordo celebrado no Brasil, podendo esvaziar a justificativa do litígio internacional.

 

 

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