Ser mulher é um desafio por si só. No mercado de trabalho, então, nem se fala: elas são maioria (55,8%), mas recebem cerca de 77,8% dos salários dos homens no Brasil, de acordo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por este e outros motivos, uma das saídas que as mulheres encontram é investir no próprio empreendimento.
De acordo com estudo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), no 3º trimestre de 2022 o Brasil alcançou o número inédito de 10,3 milhões de mulheres donas de negócios. Nesse universo, o número de mulheres empregadoras cresceu 30% entre 2021 e o ano passado, somando 1,3 milhão de mulheres que geram postos de trabalho.
Somente em Minas Gerais, o número de empreendedoras cresceu 22,5% entre 2019 e 2021, segundo uma pesquisa do Sebrae Minas (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais) publicada em março deste ano.
A fim de conscientizar a população brasileira sobre os desafios enfrentados por mulheres empreendedoras, o governo federal criou a Lei de N°14.667, que insere a Semana Nacional do Empreendedorismo Feminino no calendário oficial. A data, celebrada em novembro – mês em que também se comemora o Dia do Empreendedorismo Feminino (19/11) –, deverá ter campanhas de esclarecimento sobre a importância do segmento para todo o país.
O Dia do Empreendedorismo Feminino é reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2014. Mais de 150 países aderiram ao calendário alinhado ao quinto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que busca alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas no mundo.
Mercado da estética
Um dos ramos mais procurados por mulheres que abrem seus negócios é o da estética – um dos que mais cresceu nos últimos anos. O Brasil possui o maior mercado de estética da América Latina e o quarto maior do mundo, atrás apenas dos EUA, da China e do Japão.
De acordo com a Associação Brasileira da Indústria, Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), somente nos últimos 5 anos (2018-2022), o crescimento desse ramo se deu em torno de 560% em relação aos anos anteriores. Também por conta disso, o número de profissionais da área subiu de 72 para 480 mil no mesmo período.
Uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), dentre os procedimentos mais procurados pela população, estão as soluções que prometem reduzir medidas sem intervenção cirúrgica, tratamentos cutâneos, remoção de pelos, técnicas de rejuvenescimento e preenchedores contra a flacidez.
Mas apesar da grande procura, ainda é difícil prosperar – como mulher – no mercado.
Luzia Costa, fundadora da rede de franquias Sobrancelhas, conta que, desde a sua abertura, a empresa já atendeu mais de 12.8 milhões de pessoas e, hoje, já conta com mais de 200 unidades em três países. Mas nem sempre foi assim.
Com mente empreendedora desde sempre, já abriu diversos negócios, e nem todos deram certo. Sobre a Sobrancelhas, ela conta que em 2014, quando ingressou no ramo das franquias, a empresa teve muitas barreiras antes de dar certo.
“Era um segmento muito fechado e dominado por homens. Quando eu comecei, instalei uma unidade no shopping, e teve um concorrente que chegou a pagar R$ 200 mil para me tirar de lá. É uma luta para tirar as marcas, para que elas não ganhem espaço e desistam antes de fazerem sucesso”, relata ela.
Rede de apoio feminina
Apesar de todas as dificuldades que mulheres encontram ao empreender, muitas delas formam uma rede de apoio importante para a consolidação de seus negócios.
De acordo com a pesquisa do Sebrae Minas, elas motivam e são motivadas por outras mulheres – 53% tiveram contato com outra empreendedora que a inspirou ou a influenciou a abrir seu próprio negócio –; se ajudam entre si – 40% afirmou ter uma rede de contato com outras empreendedoras –; e preferem contratar mulheres a homens – 85% disse dar preferência a elas ao buscar mão de obra para as suas empresas.
A fundadora da Sóbrancelhas, antes de abrir seu próprio negócio, ministrou cursos de estética para outras redes e empresas. Hoje, ela continua capacitando mulheres e conta histórias de outras empreendedoras que se inspiraram nela e seguiram seus passos – dentro e fora da estética.
“São tantas mulheres [com histórias parecidas com a minha]. Com uma delas, temos o Truck do Bem, um projeto social que leva serviços para mulheres que não têm condições de pagar por eles em algumas comunidades. E esse caso não é nem da área da beleza: um dia, ela chegou para mim falando que se inspirou na minha história e tinha começado a fazer pão, e começava a fazer sucesso na região. Uma outra, era minha aluna e hoje já tem quatro lojas da minha franquia”, conta.
Preconceitos na estética
Além das dificuldades estruturais pelas quais as mulheres empreendedoras passam, muitas ainda têm que lidar, também, com o preconceito no ramo. Por se tratar de estética, a aparência física ainda conta muito, e qualquer desvio é visto como incompetência.
A empresária de estética Marina Machado, responsável pelo perfil “Divando na Estética” nas redes sociais, explica que há preconceito até mesmo em casos que envolvem a saúde das profissionais. Ela tem prolactinoma, um tipo de tumor benigno localizado na hipófise e que exige um tipo de medicação responsável por reter líquidos, deixando-a inchada.
Em setembro do ano passado, Marina gravou um vídeo anunciando um curso que ela ministraria em breve e publicou em suas redes sociais. Nos comentários, recebeu uma série de ataques envolvendo seu corpo e questionando o seu trabalho.
“Chegaram comentários como: ‘Dona de clínica de estética gorda? Nunca vi uma coisa dessas’. Tive problemas não só de fundo emocional, mas foram tantos xingamentos nos meus anúncios que o Facebook chegou a bloquear a minha conta por quatro dias”, contou ela.
A empresária também relatou casos de profissionais que fecharam suas clínicas porque se julgavam “acima do peso” e não tinham coragem de vender tratamento estético corporal. “Como vou vender uma barriga zero, se eu não tenho a barriga zero?”, questionavam suas alunas.
Neste final de semana (18 e 19 de novembro), Marina promoverá o 3° Congresso das Empresárias da Estética, que totalizará mais de 20 horas de evento e certificado com o selo Divando Academy, reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC).
Relevância da data
O relatório do Sebrae revelou que 45% das mulheres empreendedoras abrem seus negócios por necessidade financeira – e que a maioria delas também encerra suas atividades assim que a renda familiar melhora. A pesquisa também mostrou que 69% delas são responsáveis pelos cuidados da casa, número que cai para 31% quando se trata dos homens.
Em paralelo com o tema da redação do ENEM 2023 – “Os desafios para enfrentar a invisibilidade do trabalho de cuidado das mulheres no Brasil” – , Marcelo de Souza e Silva, presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae Minas, afirma que a dificuldade que as mulheres têm de empreender parte, principalmente, da cultura machista e patriarcal, que influencia em como as mulheres utilizam seu tempo útil ao longo do dia.
“Elas têm mais dificuldades por causa da cultura. A cultura do brasileiro é deixar a mulher cuidar dos afazeres de casa, então ela precisa cuidar de tudo isso e ainda empreender”, explica ele.
Ainda assim, elas insistem e persistem. Para o Sebrae, a instituição oficial da Semana do Empreendedorismo Feminono pode contribuir para ressaltar o papel da mulher empreendedora na sociedade e ampliar a presença delas à frente das empresas.
“É fundamental que tenhamos todo tipo de lei, de ação e de movimento, que joguem luz no empreendedorismo feminino. Quando a mulher empreende e é dona do seu dinheiro, todos se beneficiam: ela ganha sua independência, tende a investir na família e nos negócios do bairro: investe mais em alimentação e saúde dos filhos e tende a consumir dos negócios da sua comunidade, aquecendo a economia local”, revela Renata Malheiros Henriques, coordenadora nacional do programa de empreendedorismo voltado às mulheres, o Sebrae Delas.
“A gente tem essa obrigação, sim, de fomentar o empreendedorismo feminino no Brasil. Marcar uma data é mostrar para a sociedade de que essas jornadas são distintas e elas precisam de fato de apoios específicos, entendendo que as mulheres têm muitas tarefas e, empreender é uma delas”, diz Mona Paula Nóbrega, Gerente da Unidade de Desenvolvimento Rural e Negócios de Impacto do Sebrae-RN.
Financiamento em MG
O Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) anunciou esta semana que apoia empresas lideradas por mulheres no estado com um financiamento que, de janeiro a outubro deste ano, foi de R$ 49,3 milhões em crédito para micro e pequenas empresas lideradas por mulheres. O valor foi 48% maior do que no mesmo período do ano passado, superando 2022 inteiro.
Desde 2019, os recursos do banco destinados a empresas lideradas por mulheres alcançaram mais de 4 mil pequenos negócios de todas as regiões de Minas. Nesse período, 87,5% dos financiamentos às empreendedoras foram para o setor de Comércio e Serviços.
O BDMG oferece produtos diferenciados com foco na igualdade de gênero. Como critério, é necessário que a empresa tenha participação societária feminina igual ou superior a 50% do capital social há mais de seis meses.
“O BDMG tem contribuído de forma importante para o crescimento das empresas mineiras, de todos os portes, especialmente para o fortalecimento das mulheres na condução desses negócios”, explica o presidente Gabriel Viégas Neto.