Lei sancionada hoje (21/11) garante banheiro por sexo biológico em igrejas -  (crédito: Tim Mossholder/Pexels)

Lei sancionada hoje (21/11) garante banheiro por sexo biológico em igrejas

crédito: Tim Mossholder/Pexels

A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) sancionou uma lei que proíbe que banheiros sejam usados de acordo com a identidade de gênero em igrejas e instituições mantidas por entidades religiosas na capital mineira. A Lei de N° 11.610 foi publicada no Diário Oficial do Município (DOM) na manhã de terça-feira (21/11).

A medida também vale para escolas religiosas e para eventos e atividades realizados por igrejas, ainda que fora de suas dependências. De acordo com o texto, templos de qualquer culto terão liberdade garantida para atribuir o uso dos banheiros de suas dependências de acordo com a definição biológica de sexo, pela denominação “masculino” e “feminino”.

O projeto de lei (PL), de autoria da vereadora Flavia Borja (PP), foi aprovado na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) no início do mês de outubro com 26 votos favoráveis, 13 contrários e uma abstenção. A sanção foi feita pelo prefeito Fuad Noman (PSD).

“O que motivou a proposta [da lei] foram as denúncias que comecei a receber no gabinete, vindas de pastores que estavam preocupados por estarem sendo afrontados em suas igrejas por pessoas que se identificam com identidade diferente do seu sexo biológico querendo que os templos aceitem que elas usem o banheiro que quiserem, e isso é contra a nossa crença e fé”, explicou a vereadora.

Instituições mantidas por entidades religiosas

Flavia Borja diz que, para além das igrejas e dos templos, os espaços que também são mantidos por entidades religiosas precisam ser respeitados, e espera que a lei cumpra seu papel.

“As escolas confessionais que seguem os princípios bíblicos, agora, podem se posicionar e determinar a utilização do banheiro pelo sexo biológico, já que elas passam a ter uma proteção prevista em lei. É, também, a garantia dos direitos das famílias cristãos, ao escolherem uma escola confessional para perpetuar os princípios e valores que semeiam a casa”, afirma a vereadora.

“A igreja continuará acolhendo a todos e não esperamos nada diferente disso. As instituições só querem que os templos sejam respeitados integralmente. Espero que haja o mesmo empenho do governo em fazer valer a lei em alguma situação necessária”, complementa ela.

O psicólogo Gab Lamounier, que integra a coordenação do centro de convivência LGBTQIAPN+ Akasulo, no entanto, demonstrou preocupação com a população mais vulnerabilizada, principalmente as que frequentam espaços de assistência social.

“A gente também pensa na população mais vulnerabilizada, população trans e travesti em situação de rua, acessando esses espaços de abrigo e sofrendo mais uma vez com violações de direito”, conta ele.

“É sobre garantir que mulheres trans acessem espaços que são de direito delas sem serem violentadas. Não é como se elas fossem homens mentirosos que fingem ser mulheres trans; não é como se elas estivessem mentindo e expondo alguém ao risco e ao perigo”, complementa o psicólogo.

Sobre os espaços de educação – o que inclui instituições como a PUC Minas e o Colégio Batista, por exemplo –, ele afirma que é importante manter a autonomia desses locais, sempre levando em consideração que a população trans também precisa de segurança e proteção.

“Acredito que poderiam propor campanhas explicando que pessoas trans precisam de proteção, e não de segregação. Essa lei pertence a uma ideia de que pessoas trans são violentas, sendo que, na verdade, são elas que estão sempre sendo alvo de violências”, afirma.

A vereadora Flavia Borja afirma que defende as pautas cristãs dentro da política e que já há um projeto de lei encaminhado que “proíbe o financiamento público de eventos que promovam a sexualização da criança e do adolescente”, garantindo que seu compromisso “é, e sempre será, com a proteção da próxima geração”.

As assessorias da PUC Minas e do Colégio Batista foram procuradas para saber se irão, ou não, utilizar a lei para restringir o uso de banheiros das instituições para pessoas transgênero, mas não se posicionaram até a publicação desta reportagem.

Direitos das pessoas trans

Apesar de não ser pauta recente, o uso de banheiros de acordo com a identidade de gênero ainda gera debates sobre os direitos da população trans. A vereadora Iza Lourença (PSOL), que foi oposição durante a votação do PL na CMBH, demonstrou insatisfação com a aprovação da lei.

“É um absurdo a prefeitura ter sancionado um projeto de lei tão descabido como esse. Seria ridículo se não fosse trágico. Existe uma perseguição contra pessoas trans dentro da Câmara Municipal de Belo Horizonte, e tudo que é apresentado em defesa dos direitos LGBTI+ é rechaçado, enquanto tudo que busca deslegitimar a existência de pessoas trans e travestis é aprovado. Isso é violento e me indigna a prefeitura corroborar isso”, declara ela.

“Quer falar de banheiro? Por que não falamos de saneamento básico? De pessoas que estão sem água em suas casas nos dias mais quentes do ano? Mas ao invés de garantir direitos para a população, uma parte da política brasileira se concentra em perseguir pessoas LGBTI+”, completa.

Para Gab Lamounier, a lei por si só já é "inconstitucional" e fere os direitos de todas as pessoas, mas principalmente das pessoas transgênero.

“O grande problema dessa lei para a população LGBT é reforçar um estigma de periculosidade; reforçar um estigma de mentira; de que as nossas experiências não são válidas. Isso fere o direito das pessoas trans à dignidade, à liberdade, e ao acesso aos espaços públicos”, pontua ele.

De acordo com o psicólogo, a lei reforça um estigma de que pessoas trans são perigosas e que, por isso, precisam ter seus direitos limitados. “É como se pessoas trans já tivessem sua existência sob suspeita”, diz.

As falas de Lamounier servem como complemento à “Nota Técnica sobre Direitos Humanos e o Direito dos Banheiros” publicada pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) ainda este ano. Nela, afirma-se que “posicionar pessoas trans como suspeitas por sua identidade de gênero é altamente violento”.

“Proibir, negar ou dificultar o direitos trans não contribui em nada para os direitos das mulheres cis e na luta contra o machismo e o patriarcado, principalmente quando são exatamente as pessoas trans que têm sido as mais violadas, e não o contrário. [...] Afirmar que uma mulher trans, ao usar o banheiro feminino, supostamente abriria espaço para homens cisgênero violarem mulheres não é um argumento válido que encontra respaldo na realidade, uma vez que pessoas trans não podem ser penalizadas ou responsabilizadas por crimes cometidos por pessoas cis”, expõe o documento.

Para Lamounier, é importante que a militância pelos direitos trans continue a lutar não apenas pela conquista de novas garantias de seus direitos, mas também pela não retirada do que já foi adquirido.

“O movimento social não pode recuar. Ao mesmo tempo em que penso que não temos que ficar dando corda, porque é justamente o que os conservadores querem quando fazem esse tipo de coisa, também penso que esse é um mau uso de recurso público e que precisamos mostrar nossa insatisfação, ainda mais no ano em que estamos, no mundo em que vivemos”, explica.

“Não podemos deixar passar batido, mas também pedimos atenção para outras pautas que são muito mais importantes que isso, como saúde, educação, trabalho e assistência para a população LGBTQIAPN+ de Belo Horizonte”, completa ele.

PUC Minas

Em nota, a PUC Minas informou que "as instituições de ensino mantidas pela Sociedade Mineira de Cultura (PUC Minas e Colégio Santa Maria Minas), ligadas à Arquidiocese de Belo Horizonte, informam que, a respeito da Lei 11.610, sancionada ontem pelo Prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman, cumprirão, como sempre fizeram e o fazem, o que está previsto nas legislações em vigor".

"A Lei 11.610 estabelece que templos de qualquer culto e as escolas confessionais e instituições de ensino mantidas por entidades religiosas terão garantida a liberdade para atribuir o uso dos banheiros de suas dependências de acordo com a definição biológica de sexo, pela denominação “masculino” e “feminino”, e não por identidade de gênero. Cabe ressaltar que a lei municipal sancionada garante aos mencionados estabelecimentos a liberdade para atribuir o modo de uso dos banheiros localizados em suas dependências, mas não define como fazê-lo", diz a nota. 

A PBH também foi procurada para falar a respeito da limitação dos direitos da população trans de Belo Horizonte, mas ainda não se pronunciou.