Retrato da modelo Mari Lobo, em sua casa no Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio de Janeiro -  (crédito: Eduardo Anizelli/ Folhapress)

Retrato da modelo Mari Lobo, em sua casa no Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio de Janeiro

crédito: Eduardo Anizelli/ Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Desde a infância, Mari Lobo, 26, já gostava de misturar cores e estampas e fazer combinações com o que tinha no armário. Mas, ao crescer, teve dificuldade em encontrar outras mulheres pretas e gordas bem vestidas.

 

"Quando pesquisava algum look aparecia uma enxurrada de mulheres brancas e magras. Me inspirei muito durante muito tempo em pessoas que não me representam", diz. Hoje ela é modelo e criadora de conteúdo, como forma de tentar servir de referência para novas gerações.

 

Lobo é uma representante de uma nova tendência conhecida como afropatys e afromauricinhos --homens e mulheres negros que usam a moda para expressar sua ancestralidade.

 

 

Para isso, costumam misturar peças de lojas populares com roupas de grifes de luxo, além de elementos que fazem referência à cultura negra, como penteados, laces (espécie de peruca), dreads e tranças. "Acho que é mais sobre criar seu estilo do que sobre ter dinheiro", resume a modelo.

 

O assunto gera debate por partir de uma ideia vista como pejorativa e branca. Mas, quem se diz preta patrícia --variação para o termo-- quer mostrar que está ocupando lugares de conforto e romper com estigmas que cercam a população negra.

 

Para a influenciadora Josy Ramos, ser uma afropaty é motivo de orgulho. "São mulheres negras que entendem que podem e devem ocupar o lugar que quiserem. Inclusive, podemos ser um pouco fúteis. Não somos obrigadas a ser guerreiras o tempo todo", afirma ela, que intitula-se dessa forma desde 2018.

 

"Esses termos são uma brincadeira da gente, não queremos ocupar o lugar da paty branca, até porque a nossa vivência é outra e a gente sabe disso."

 

No Brasil, mulheres negras ainda ganham menos da metade que homens brancos, segundo estudo da economista Janaína Feijó, da FGV.

 

A busca não deve ser para reproduzir a ideia de patricinha dentro dos moldes brancos, diz Carol Barreto, artista visual, designer de moda, e pesquisadora. Segundo ela, a construção do status e da ascensão social das pessoas negras não deveria estar direcionada a uma imitação da branquitude.

 

Ainda que pessoas negras usem esses termos para ressignificá-los, a pesquisadora diz que é preciso ter uma compreensão crítica.

 

Autor do blog O Cara Fashion, Fabiano Gomes, 36, diz que muitas vezes é visto como afromauricinho pelo público, mas não costuma adotar a expressão. "O termo carrega o estigma de uma pessoa cercada de privilégios, coisa que a gente está longe de ser", diz.

 

Fabiano criou seu site em 2012, devido à falta de referências que o representassem. "Os blogs de moda masculina eram muito restritos ao padrão hétero, branco e cisgênero."

 

Ele afirma ter tentado se encaixar no que via ao navegar pela internet. Mas, aos poucos, percebeu que aquilo não lhe cabia. Hoje, diz usar a moda como uma armadura. "Me preparo para o momento que vou sair de casa, me visto, me monto e me sinto confiante."

 

Sentimento compartilhado pelo criador de conteúdo Bruno Gomes, 26. Para ele, o movimento que nasceu nas redes sociais não é apenas para ostentação, mas mostra que pessoas negras podem transitar por lugares de conforto.

 

Produtor de moda e fotógrafo, diz que sempre viu poucos homens negros nas revistas e passarelas. Por isso, diz ter crescido se inspirando nas mulheres pretas. "Não existia a mínima possibilidade de ter um cara parecido comigo", afirma.

 

 

Criar formas de autoafirmação, novos ídolos e referências sobre os lugares de conforto é um dos objetivos da juventude negra, afirma a comunicadora e pesquisadora de moda e comportamento Luiza Brasil.

 

Ela considera que a relação das pessoas negras com a moda deve ir além da questão estética, refletindo também a identidade e a herança que vem do continente africano.

 

Cita como exemplo tribos da África que usavam vestimentas e outros elementos visuais para definir o status social da pessoa. "Com a diáspora forçada para o Brasil, tudo isso é retirado, mas alguns elementos influenciam religiões de matriz africana e ainda fazem parte do repertório da nossa cultura", diz Luiza.

 

A pesquisadora destaca também o papel da música nesse tema. Cantores negros como Tony Tornado e Wilson Simonal, por exemplo, abriram espaço para um estilo que exalta a negritude, segundo ela.

 

Já as heranças musicais dos anos 1980 e 1990, como rap e pagode, trouxeram um pertencimento identitário, cantando vivências principalmente dos jovens, afirma a pesquisadora.

 

O mesmo continua a acontecer hoje com ícones do pop, como Iza, Ludmilla e Liniker, que cantam mas também mostram, nas redes sociais, diferentes formas de expressar sua negritude a partir do estilo de vida.

 

Nomes também têm aparecido, timidamente, no mundo da moda. Os estilistas Angela Brito, Isaac Silva, Hisan Silva e Pedro Batalha, da Dendezeiro, de moda agênero, e Cíntia Félix, da AZ Marias, com roupas sustentáveis, são alguns exemplos. Diferentes no design de suas peças, têm em comum a busca por referências fora do padrão branco, que ainda predomina no ramo.

 

Ter referências foi essencial para a modelo Babi Paula, 23. Ela, que também é uma mulher gorda, deu o primeiro passo para seguir a carreira após encontrar uma profissional parecida com ela nas redes sociais. "Se eu não sou uma pessoa padrão, alguém pode rir, alguém pode menosprezar meus sonhos."

 

Para ela, que diz que o mercado precisa de mais diversidade de corpos, afropaty é um jeito de chamar alguém que quer "transmitir uma mensagem de autoconfiança".