Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais, é uma das mais importantes cidades do período colonial do Brasil, que em seu processo de urbanização marcado pela vinda da população negra escravizada conserva até hoje traços históricos, culturais e a necessidade de cuidado específico voltado para a saúde desta população. Um estudo gestado pela Casa de Cultura Negra de Ouro Preto pretende fazer um raio x sobre a saúde da população negra na cidade onde 70% dos 74.821 moradores, segundo o Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), se declaram negros ou pardos.



De acordo com o Coordenador técnico da pesquisa e professor de Saúde Coletiva da Escola de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Aisllan de Assis, o estudo inédito busca ir a fundo na atual situação e necessidades da saúde da população negra da cidade histórica. Para isso, o estudo vai investigar os determinantes sociais, históricos e culturais da saúde da população negra no município.

 





O coordenador técnico conta que a pesquisa vai agir sobre o reconhecimento da saúde mental, da saúde e ambiente nos territórios e distritos, da saúde das mulheres, adolescentes e crianças, da saúde dos idosos e idosas, dos homens e da saúde dos trabalhadores.



“É um estudo inédito sobre a saúde negra no Brasil, o ineditismo deste estudo é que será o primeiro do Brasil com base territorial, ou seja, os dados serão produzidos e analisados diretamente nos territórios e comunidades, junto à população negra de Ouro Preto”.



Racismo estrutural



Para o professor da Ufop, além dos estudos sobre a saúde da população negra serem amplamente negligenciados e sem financiamentos adequados, quando foram realizados, a metodologia empregada foi por meio de dados secundários dos sistemas de informação. Isso proporcionou resultados incompletos devido à fragilidade, defasagem e falta de estrutura desses sistemas de informação.



“Percebo que os estudos são sempre incompletos e por vezes muito pouco efetivos. Por isso, além de ir aos territórios, a pesquisa também vai analisar a integralidade do cuidado em saúde disponibilizado pelo SUS, em Ouro Preto”.



Para o Diretor de Promoção da Igualdade Racial de Ouro Preto, e responsável pela direção executiva da pesquisa, Kedison Guimarães, a herança histórica da escravidão tem reflexos na saúde da população negra. O racismo institucional é percebido quando há carência de conhecimentos e dados capazes de mudar e qualificar os serviços em toda rede de saúde.



“A importância de estudo é o fortalecimento de políticas de saúde e qualidade de vida da população negra do nosso município. Vamos avaliar as condições de vida e território das comunidades, bairros e distritos da cidade e elaborar um modelo de análise epidemiológica e saúde coletiva da população negra”.



Pesquisa



A realização do estudo aprofundado “Saúde da População Negra em Ouro Preto, Minas Gerais: análise da situação de saúde e integralidade do cuidado nos territórios e comunidades” surgiu a partir de uma seleção entre vários projetos, em 2022, que resultou no envio de recursos que chegaram a R$ 480 mil.


“Escrevemos o edital para a emenda parlamentar da deputada federal Aurea Carolina e fomos contemplados”, diz Kedison Guimarães.



A metodologia e lançamento da pesquisa serão apresentados no Seminário de Saúde da População Negra de Ouro Preto, no dia 20 de novembro, data que celebra o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Os trabalhos de coleta de dados terão início em janeiro de 2024 e a previsão de término é em dezembro do mesmo ano.



Para o aprofundamento dos estudos voltados para a saúde da população negra em Ouro Preto, o Coordenador técnico da pesquisa, Aisllan de Assis, conta que a equipe do estudo é formada por coordenadores, pesquisadores de universidade e órgãos voltados para a saúde.



“Teremos os estudos da professora de epidemiologia e bioestatística da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Ana Paula Nunes; da doutora em saúde coletiva e pesquisadora da FIOCRUZ/RJ Flávia de Assis Souza; da professora da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR) e membra da Associação Brasileira de Pesquisadoras (e) Negras, Priscila Xavier; do professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Carlos Alberto de Paulo; professora do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA), Débora Pessoa; da professora da Escola de Nutrição da UFOP, Érica Granato, além do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Universidade Federal de Ouro Preto (NEABI-UFOP) e da Diretoria de povos indígenas da Secretaria Municipal de Cultura de Ouro Preto”.



Frutos



Após um ano de trabalho de campo, cruzamento de dados e conclusões sobre a saúde da população negra de Ouro Preto, o professor Aisllan de Assis conta que o relatório final do estudo será editado e publicado na forma do livro didático "Saúde da população negra de Ouro Preto - MG". O livro será distribuído em todas escolas públicas e privadas da cidade histórica, além de ser disponibilizado gratuitamente pela internet.



O projeto prevê ainda a inauguração da Sankofa - plataforma de pesquisa da saúde e cultura da população negra na Casa de Cultura Negra de Ouro Preto, um espaço todo equipado para realização de estudos e pesquisa.



“Queremos que a Casa de Cultura Negra de Ouro Preto seja também uma unidade de pesquisa e produção de reconhecimentos do povo negro de ouro preto e dessa forma um lugar de compartilhamento de conhecimentos sobre a saúde da população negra com outros pesquisadores e universidades e servir como modelo de metodologia de pesquisa”, conclui.

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