Alforriado Matias, homem escravizado que viveu durante o século 19 em Belo Horizonte, na atual Região do Barreiro, será o grande homenageado da programação especial do Memorial Vale no mês dedicado à Consciência Negra, que irá até o dia 9 de dezembro.

 

Faz parte da programação a intervenção artística que leva a imagem de Matias para um local de destaque, sobrepondo a Alegoria da República, pintura que representa os ideais dos donos do poder da época de construção de Belo Horizonte. A obra foi construída pelo artista Senegambia em parceria com o Instituto Alforriado Matias e simboliza a luta por liberdade e a coragem dos povos escravizados.

 

Também será exibido um mini documentário, que leva o mesmo nome do abolicionista. O filme foi dirigido e editado pelo produtor cultural Marlon Andreata, e produzido e roteirizado por Ayobami Nombulelo. O diretor conta que a ideia do documentário surge em 2017, a partir de uma curiosidade sobre o passado do Barreiro, e, especialmente, a figura de Alforriado Marias.

 

“É de grande importância estar envolvida nesse projeto. Eu sou uma mulher preta que não teve a oportunidade de ouvir na escola a outra perspectiva da história que nos é contada. Além disso, eu cresci no Barreiro, minha família mora aqui e é onde eu moro atualmente. É muito importante pensar que moramos numa região que precede a construção da cidade, é carregada de histórias que tem grande valia para o processo histórico do nosso estado”, conta Ayobami.

 

Marlon descreve o mini documentário como um ‘pequeno grande pedaço da história de Minas Gerais’ e espera que ele instigue os espectadores. 

 

“Espero que ele [documentário] atice nas pessoas a curiosidade de saber a história do nosso próprio território. Existiu um abolicionista em Belo Horizonte e a sua história é pouco contada, queremos saber mais. O que está no documentário é apenas o que conseguimos descobrir, para irmos mais a fundo nessa história, precisamos de mais pessoas curiosas que também desejem desvendá-la”, diz Andreata.

 

Sobre exibir no prédio que já abrigou Secretaria de Estado da Fazenda, Ayobami diz que estar nesse local é ‘extremamente simbólico’:

 

“Significa tomada de direitos, de estar em todos os lugares, naturalizar todos os corpos em todos os espaços. É liberdade de ser e de estar. Temos que normalizar estar nesses espaços, eles também nos pertencem. É extremamente simbólico estar lá com o Matias, empunhando o machado de Xangô, o orixá de justiça”, conta.


Quem foi Alforriado Matias?

 

O abolicionista ficou conhecido por ter matado o seu escravizador, Cândido Brochado, que teria lhe prometido liberdade após seus 60 anos. Além da promessa, Matias também contava com a Lei dos Sexagenários, estabelecida em 1885, que determinava a liberação de escravizados com 60 anos ou mais.

 

No entanto, Cândido, que era líder do Partido Conservador Municipal, não cumpriu com sua promessa e tampouco seguiu a lei. Depois de Matias completar seus 60 anos — algo que era raro para um escravizado — foi vendido pelo escravagista.

 

Segundo pesquisa do Instituto Alforriado Matias, o abolicionista conseguiu fugir e passou a contar com a ajuda de mulheres também escravizadas por Cândido, que lhe contaram sobre a ida de Brochado à Freitas — atual Região da Pampulha. Assim, Matias programou sua vingança: se abrigou em uma mata e executou o seu escravizador no dia 30 de outubro de 1877.

 

Matias acabou sendo detido e levado para uma prisão em Ouro Preto, que até então era a capital do estado, mas não sobreviveu por muito tempo.

 

 

compartilhe