O livro de autoria da jornalista mineira Miriam Kênia Carvalho, lançado em novembro último, retrata a saga das vítimas do contraceptivo Essure, que podia ser encontrado no Brasil de 2009 até 2017 — quando foi suspenso temporariamente — e foi oficialmente banido em 2019 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que classificou o método como ‘risco máximo’, pela possibilidade de efeitos colaterais graves.

 

‘O útero biopolítico’ foi resultado da tese de doutorado de Miriam, defendida em março deste ano na PUC-SP. A publicação traz uma reflexão sobre as formas de resistência coletiva das vítimas do contraceptivo, que era vendido como um método revolucionário, sem cortes, sem dor e sem necessidade de afastamento do trabalho ou das atividades diárias, o que pareceu ser o ideal para muitas mulheres. No entanto, o procedimento era irreversível. Caso se arrependessem de usar o dispositivo, seria necessário fazer uma histerectomia completa, que é retirada do útero e colo do útero. O procedimento de inserção do dispositivo era feito por histeroscopia. O médico inseria o dispositivo por via vaginal, em cada uma das suas trompas, bloqueando-as.

 

 

“Durante quase cinco anos, 2018 a 2023, acompanhei, como observante, quatro grupos virtuais que reúne as vítimas do Essure, com um total de cerca de seis mil participantes. O trabalho incluiu ainda pesquisa documental e análise de cerca de 100 menções midiáticas e publicitárias sobre o lançamento do contraceptivo no Brasil”, comenta Miriam sobre o processo de pesquisa para o livro.

Ao se deparar com um certo padrão dentro dos grupos virtuais, Miriam percebeu que as vítimas tinham classe e cor: 48% das mulheres que estão doentes com sintomas relacionados ao Essure têm renda familiar na faixa de um a três salários mínimo e 39%, com três a cinco, e 80% delas se declaram como pretas ou pardas. Além disso, quase a 98,7% das mulheres que participaram da pesquisa afirmaram que não foram informadas dos riscos e efeitos colaterais antes do implante. Quase todas - 99% - relatam ter recebido informações sobre a segurança do procedimento, sendo classificado como método mais seguro para contracepção permanente porque, diferentemente da laqueadura, não era necessário passar por uma cirurgia.

 



“Parecia um sonho. Resolveria para sempre a questão do medo de engravidar de novo e não precisaria perder nenhum dia de faxina, porque não ficaria internada como na laqueadura”, relatou uma das vítimas à Miriam.

 Dentre alguns dos efeitos colaterais causados pelo Essure, estão: fibromialgia, hemorragias, enxaquecas, alergias diversas e perda de dente e cabelos.

“A história mais marcante é sobre a capacidade de resistência dessas vítimas, de maneira colaborativa e com determinação. Sem apoio institucional, sem reconhecimento médico, elas estão conseguindo tratar os seus corpos doentes. Elas se articulam com grupos internacionais, vencem a barreira da língua com o uso de tradutores digitais, conseguem estudos clínicos que comprovam a necessidade de retirada do Essure.

As iniciativas e movimentos têm impactado políticas públicas de atendimento. ‘Quero a minha vida de volta’, é umas das frases propagadas no grupo. Isso porque muitas, em função dos sintomas, estão impossibilitadas de trabalhar, de criar os filhos, tiveram os relacionamentos comprometidos e outros tantos danos”, conta Miriam.

 A jornalista reforça a importância de dar visibilidade às vítimas do caso, por elas mostrarem que ainda é possível realizar lutas coletivas. “Suas campanhas e manifestações comprovam a potência que as denúncias podem ter, por exemplo, sobre as formas de medicalização da mulher, em um ambiente dominado por gigantes da indústria farmacêutica em um de seus campos mais rentável, o da Saúde Feminina”, acrescenta.

* Estagiária sob supervisão da editora Ellen Cristie. 

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