Um projeto de lei (PL) em tramitação na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) propõe que mulheres inscritas em concursos públicos do estado com provas físicas concorram apenas com candidatos do mesmo sexo biológico. Com isso, mulheres trans seriam proibidas de concorrer nas categorias do sexo feminino.
A medida, de agosto do ano passado, afirma que busca garantir igualdade de condições em processos seletivos para cargos na administração pública direta e indireta do estado. A autoria é do deputado Eduardo Azevedo (PSC), que diz que o PL é fundamentado “na busca pela justiça substantiva entre homens e mulheres”.
Azevedo afirma, no texto da PL 1.296/2023, que a norma é uma resposta aos estudos que evidenciam diferenças significativas na constituição física entre os sexos masculino e feminino. No entanto, os estudos não foram mencionados e detalhado.
A suposta superioridade física de mulheres trans em relação às mulheres cis é pauta de debate há anos. Porém, pesquisas feitas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) refutam esse argumento. O órgão determina que pessoas trans podem competir no esporte de acordo com o gênero que elas identificam se estiverem dentro dos parâmetros, que são relacionados a hormônios e ao tempo de utilização dos mesmos.
“Dentro dessa lógica, a gente já vê que não faz sentido dizer que mulheres trans teriam benefício em relação a mulheres cis em uma prova física de concurso, que é o que está dizendo no projeto de lei”, afirma Caio Pedra, bacharel e mestre em Direito pela UFMG e membro da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/MG.
Caio afirma que a proposta de lei faria sentido se fosse mais detalhada e abordasse, por exemplo, pessoas que se designaram trans durante o concurso, o que talvez proporcionaria uma vantagem a esses candidatos. “Mas ela não fala sobre isso, ela fala sobre todo mundo igual. A proposta não especifica nada, não tem a função de proteger dentro do grupo social. Na minha opinião, só tem a função de arrecadar votos e de levantar essa discussão que está sendo feita na Assembleia já há algum tempo”, diz Pedra.
A legislação abrange não apenas concursos de admissão, mas também processos classificatórios para promoção na carreira de servidoras públicas. A inspiração foi o Projeto de Lei nº 5.305/2022, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
Atualmente, o projeto está em análise nas Comissões de Justiça, de Direitos Humanos, dos Direitos da Mulher e de Administração Pública. Para ser efetivado como lei, é necessário que todas as comissões o aprovem.
Em relação ao andamento da proposta, Caio afirma: “A minha opinião jurídica é de que não tem como passar porque é inconstitucional, e também fora da realidade. Mas a minha opinião como cidadão é que vai passar, porque essa é uma discussão antiga que a Assembleia está tentando trazer, e isso é uma plataforma eleitoral.”
Embora seja de agosto de 2023, o PL 1.296/2023 voltou a ser tema de discussão recentemente devido a postagens nas redes sociais. Nos comentários de uma publicação, alguns elogiaram a proposta, enquanto outros fizeram críticas.
“Se a pauta é cuidar da sexualidade dos outros, [o deputado Eduardo Azevedo] tá dentro. Enquanto isso, tem uma cidade em Minas Gerais precisando de um hospital público e nada”, comentou um internauta, referindo-se à Divinópolis, no Oeste de MG, cidade natal do autor do projeto.
Outra pessoa manifestou opinião semelhante. “Quantos trans vocês conhecem que são servidores públicos? Prezado deputado, vá cuidar da sua cidade, onde seu irmão é prefeito e vai de mal a pior. Vamos buscar pautas reais e não pautas para chamar atenção dos bolsonaristas”, criticou.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice