A Arcos Dorados, franquia que opera o McDonald’s em 20 países da América Latina e do Caribe, certificou mais de 21 mil de seus funcionários e 5.470 lideranças a respeito do letramento racial em 2023.
De acordo com a instituição, cerca de 10 mil pessoas negras foram contratadas pela companhia no ano passado – o que representou 65% das admissões – e 3 mil foram promovidas – 63% das promoções gerais, sendo 51% delas para cargos de liderança. Do total do quadro de funcionários, 63% se autodeclaram pretos ou pardos, e, destes, 37% são mulheres, e 38% são do quadro de liderança.
“Dados como esses são resultado do compromisso da companhia em proporcionar um ambiente de trabalho diverso, inclusivo e respeitoso, com políticas e iniciativas que permitam que seus colaboradores tenham pleno acesso a oportunidades e quem realmente são”, afirmou a empresa.
Mas o que é o letramento racial e qual sua importância? O conceito foi criado pela socióloga afro-americana France Winddance Twine em 2003. No Brasil, foi traduzido e estudado pela psicóloga e pesquisadora Lia Vainer Schucman.
De forma resumida, trata-se de uma forma de responder individualmente às tensões raciais e, ao lado de respostas coletivas – como cotas e políticas públicas –, busca reeducar as pessoas sob uma perspectiva antirracista.
O letramento racial é um conjunto de práticas baseadas em cinco fundamentos:
- reconhecimento da branquitude
- entendimento de que o racismo é um problema atual, não apenas um legado histórico
- entendimento de que as identidades raciais são aprendidas
- apropriação de uma gramática e um vocabulário racial
- capacidade de interpretar os códigos e práticas racializadas
E, além da educação básica sobre essas questões, seu objetivo é estabelecer ideais antirracistas em locais onde atos discriminatórios são banalizados – como escolas ou ambientes de trabalho.
O letramento em si trata do uso da língua de uma maneira eficaz. “Não é só ler e escrever. Quando aprendemos seu conceito, ele é, na verdade, o uso competente da leitura e da escrita. Dentro disso, o letramento racial é um conjunto de práticas que vai nos ajudar a desconstruir formas racistas de pensar, porque o Brasil foi letrado a partir de um conceito, uma história e uma prática racista”, explica Janine Rodrigues, escritora e educadora especialista em diversidade, educação e ESG.
“Precisamos ser letrados racialmente para desconstruir e reconstruir esses nossos olhares e opiniões, para podermos pensar em uma educação de libertação baseada em análise crítica. Aí, sim, fazer uma educação antirracista válida e eficaz que vai perdurar”, complementa.
Educadores explicam que o letramento racial nada mais é que o aprendizado e a consciência sobre as questões raciais.
“Temos um problema racial no Brasil que muitas pessoas querem ocultar por meio do mito da democracia racial. O letramento racial, no meu entendimento, é a tomada de consciência sobre a questão do racismo, que hoje é crime. É a tomada de consciência da desigualdade; de que as pessoas são humanas, com as mesmas funções, inteligência, habilidades, independentemente da raça ou da etnia”, afirma o professor e pesquisador da UFMG, Eduardo de Assis Duarte.
“A gente vive em uma sociedade que naturaliza as desigualdades, as diferenças raciais e os abismos provocados pelos racismos, que negligencia, segrega e apaga as contribuições da população negra, então é fundamental que a sociedade brasileira tenha entendimento da importância da população negra nesse país”, acrescenta a educadora Luana Tolentino.
Para ela, um dos maiores e melhores exemplos do incentivo ao letramento racial no Brasil foi o estabelecimento da Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas de nível Fundamental e Médio.
“Nesses últimos 20 anos, a gente avançou muito nesse sentido, mas vivermos num país extremamente racista ainda dificulta muito. Ainda precisamos avançar muito no que diz respeito a esse letramento racial em todos os setores da sociedade, não só da escola ", afirma ela.
De acordo com a educadora, cada vez mais as empresas começam a investir em programas e projetos de inclusão e diversidade racial, auxiliando para uma discussão mais ampla sobre questões raciais no país.
“Estamos vivendo um momento muito importante da luta antirracista no Brasil, em que as empresas estão se sentindo pressionadas a tratar desse tema, até mesmo por uma questão de posicionamento no mercado. Hoje, é importante para as empresas, mercadologicamente falando, se assumirem como antirracistas, promoverem programas afirmativos de inclusão racial”, conta Luana.
Então, a respeito de toda a violência institucional contra o povo negro que temos percebido cada vez mais no nosso país, dos abismos que ainda separam brancos e negros, das diferenças de oportunidades, a gente vive, sim, um momento muito importante de emergência da luta antirracistas, e muitas empresas estão se colocando como parte desse processo”, completa.