O primeiro toureiro abertamente LGBT da Espanha acredita que outros sairão do armário no futuro.
"Sempre houve gays nas touradas, mas eles não falavam nada", diz Mário Alcalde.
Recentemente ele revelou ao jornal espanhol El Mundo que é pansexual — alguém que se sente atraído por outra pessoa independentemente da orientação sexual ou do gênero.
Aos 31 anos, Alcalde trabalha como carregador de bagagens no aeroporto de Madrid e mora com a família. As touradas só rendem dinheiro para uma minoria de estrelas nesse universo.
Em uma fazenda perto da fronteira com Portugal, Alcalde treina para participar de uma das tradições mais conhecidas — e controversas — da Espanha.
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Vestido com um pequeno colete preto e calças cinza justas, ele parece encarnar a "cultura do matador" em cada centímetro.
Foi uma decisão espontânea assumir-se pansexual, diz ele. Nem mesmo sua família sabia.
"A ideia surgiu… os artistas são muito espontâneos. Veio do meu coração."
A ideia de que um matador é um artista está consolidada há tempos na comunidade tauromáquica. Os defensores dessa cultura veem os eventos como uma competição nobre onde o homem enfrenta a fera.
Essa competição sangrenta é proibida na maioria dos países e até em algumas partes da Espanha.
Seus críticos dizem que se trata de um espetáculo cruel, prolongado e sádico, no qual um touro normalmente não tem chance de sobrevivência.
É um segmento cultural da antiga Espanha, onde a extravagância encontra a cultura do macho valente e está muito mais associado ao conservadorismo espanhol do que à cena gay contemporânea.
"Achei que haveria um sentimento contra, mas as pessoas estão aceitando e da melhor maneira possível", diz Alcalde.
Ele atribui o fato de ser o primeiro matador LGBT da Espanha à percepção de que os toureiros vêm mais "do campo" e não de cidades cosmopolitas.
Agora ele espera estabelecer uma "peña", ou ponto de encontro, para os apreciadores das touradas em Chueca, coração da comunidade LGBT+ em Madri.
"Perfeito!", diz o morador Antonio, que se reúne em uma noite com amigos na praça principal de Chueca, ao lado de uma placa do metrô decorada com a bandeira do arco-íris LGBT.
"Estou feliz que ele tenha se assumido. Isso vai baixar a bola dos 'machos', como os chamamos."
O casal Juan e Juan também ficou satisfeito ao saber que um toureiro saiu do armário, mas não concorda muito sobre uma das mais fortes tradições espanholas.
"Acompanho as touradas desde criança, gosto e sei o que o evento significa", diz Juan.
Seu marido é menos fã. "Não acho que a cultura gay se encaixe nesse universo. Toda essa coisa de touradas é muito conservadora."
Outra mesa, com pessoas LGBT+ mais jovens, é ainda mais crítica à tradição, que vem perdendo popularidade na Espanha.
"O problema das touradas é que confundimos um animal e o levamos à morte de uma forma trágica", diz Maria. "As touradas se mantêm porque são uma tradição. Se essa ideia fosse nova, duvido que fosse aprovada".
Ao lado de Maria, Fran vê uma certa contradição em gostar de touradas e também em fazer parte da comunidade LGBT — embora diga que "todos são livres para ter as suas próprias crenças".
O número de espectadores das touradas está em declínio há décadas.
Apesar do aumento após a pandemia de covid-19, impulsionado principalmente pelos jovens, as estatísticas do Ministério da Cultura espanhol mostram que pouco menos de 2% da população foi a uma tourada na temporada 2021-2022.
Mario Alcalde resiste fortemente à sugestão de que a sua paixão é cada vez mais irrelevante e defasada das sensibilidades modernas.
"Não há declínio", diz ele, acrescentando: "As sensibilidades da sociedade não se ajustam à realidade da vida".
"Querer afastar a ideia da morte é querer afastar tudo. Para viver de verdade é preciso saber que você vai morrer."
No treino, Mario enfrenta uma vaca jovem enquanto segura uma capa rosa e serpenteia à volta do ringue, antes de correr para ficar atrás de uma barreira de segurança.
Os animais não são mortos nesse treino, mas são feridos por um homem a cavalo que usa o que parece ser uma espécie de lança.
No final da sessão as calças de Mário estão manchadas de sangue — que não é dele.
Apesar dos repetidos questionamentos sobre a violência a que os animais das touradas são submetidos, ele sustenta sua posição até o fim.
"Se eu tivesse que viver outra vida, não me importaria de ser um touro valente e morrer como um touro valente."
É uma defesa firme e tradicional de uma atividade que Mario Alcalde pretende agora modernizar e diversificar, enquanto os críticos esperam que seja apenas uma marca envelhecida do passado espanhol — independentemente da orientação sexual do matador.