Na tarde de terça-feira (20/2), a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) mandou retirar a fachada colorida do Centro de Referência LGBT (CRLGBT) da capital mineira. Para ativistas e parlamentares de partidos associados à esquerda, a ação representa um ato de LGBTfobia institucional e passa uma mensagem de violência para a população LGBTQIA+.

Segundo Maicon Chaves, presidente do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais (Cellos-MG), a própria manutenção do CRLGBT para que ele se tornasse um equipamento de portas abertas no centro de Belo Horizonte causou revolta entre cidadãos e parlamentares de extrema-direita.



“Este equipamento já esteve com grades fechadas, já existia, mas ninguém sabia que ele estava lá. O movimento social teve uma conversa com a Prefeitura e com a Diretoria de Políticas para a População LGBT e foi colocada uma porta de vidro com uma faixa escrito ‘bem-vindes’. Isso já provocou um rebuliço na extrema-direita em Minas Gerais, sobretudo entre parlamentares que pensam que a garantia dos nossos direitos e da nossa cidadania os atinge de alguma forma”, explica ele.

Pressão parlamentar

Para a deputada Estadual e pré-candidata à PBH Bella Gonçalves (PSOL), a retirada da fachada aconteceu por conta de pressão de parlamentares em cima do prefeito Fuad Noman (PSD).

“A Prefeitura de Belo Horizonte ataca um equipamento que ela própria construiu. Apesar de já ser mais antigo, o Centro de Referência LGBT só se transformou num espaço importante para a população durante a gestão de Alexandre Kalil (PSD). Agora, essa chapa cede a um retrocesso absurdo de parlamentares que não têm mais o que fazer, porque querer atacar a identidade de um grupo social é isso, como se a cidade não tivesse problemas para resolver”, afirma Bella.

“Isso é LGBTfobia e é um apontamento de um desmonte de direitos sociais e coletivos aqui na cidade de Belo Horizonte muito preocupante”, complementa a deputada.

De fato, existem registros nas redes sociais de parlamentares, como a vereadora Flavia Borja, que prometem a retirada desses materiais do equipamento. Em um vídeo publicado no Instagram, ela afirma que recebeu a imagem da fachada de vários eleitores indignados e que isso “não pode ficar assim”.

“Como nós poderemos ter aí esse ‘bem-vindes’ com a bandeira LGBT num órgão oficial da prefeitura? Pois eu já fiz contato e eu tenho a promessa de que isso será retirado. Nós vamos lá para ver e fiscalizar, porque esse mandato é comprometido com a próxima geração, e é comprometido em lutar contra a ideologia de gênero aqui em Belo Horizonte”, disse ela.

Também não houve aviso prévio de que seria feita a retirada da plotagem, segundo Maicon Chaves. “A gente só conseguiu fazer os vídeos flagrando a retirada porque ficamos de plantão das 8h às 17h no local. Eles mandam retirar e tratam as nossas coisas como um lixo qualquer”, diz.

Providências

O Cellos-MG já publicou uma manifestação em vídeo oficial em suas redes sociais e acionou parlamentares parceiros para que providências efetivas sejam tomadas a respeito da retirada da plotagem do CRLGBT.

“É um absurdo que, com imunidade parlamentar, as pessoas digam e façam o que querem sem respeitar o que está posto constitucionalmente sem se preocupar com a cidadania de outras pessoas que são violentadas diariamente. Já vamos procurar o Ministério Público Estadual e Federal para tomar providência a respeito disso, uma vez que se trata de LGBTfobia institucional e de uso indevido de recurso público”, comenta Maicon.

Bella Gonçalves também reforçou que haverá denúncia no MP. “Vamos receber o movimento social hoje na Comissão de Direitos Humanos e devemos encaminhar o caso em forma de representação para o Ministério Público e pedidos de esclarecimento para a Prefeitura de Belo Horizonte, e também vamos nos somar às iniciativas da sociedade civil extra-institucionais, que, na minha opinião, são as mais importantes”, declara.

Para ela, a construção de equipamentos próprios do movimento LGBTQIA+ são uma “força irrefreável”, já que o movimento em si constitui a maior mobilização de rua na capital mineira. “Não existe uma manifestação de Belo Horizonte que seja tão grande quanto a Parada [LGBT+]. Tenho certeza que o movimento também vai construir ações fora da institucionalidade”, afirma a deputada.

Mensagem de violência

A deputada estadual e pré-candidata à Prefeitura de Belo Horizonte, além de reforçar que acredita que a retirada da fachada tenha sido concretizada por pressões parlamentares, enfatiza que a mensagem passada a partir deste ato é de violência contra a população LGBTQIA+.

“O meu lamento é de que, mais uma vez em um ano eleitoral, os direitos LGBT sejam usados como escada para a projeção de atores da extrema-direita. É muito grave o que aconteceu. O Centro de Referência vai acolher pessoas que sofreram violência, que estão marginalizadas da sociedade, do emprego. Por isso a identidade de um espaço construído para a comunidade LGBT é tão importante: justamente para que seja um espaço acolhedor e livre de violências”, diz ela.

Quando você ataca essa identidade e cria uma cena tão forte, como o ato de um funcionário arrancar aquele símbolo, isso passa para a comunidade LGBT uma sensação de desproteção, de que aquele centro não é mais deles e, portanto, eles estão desamparados diante das violências da sociedade. Isso também passa para os agressores a sensação de que eles podem fazer tudo, e essa autorização pode servir de escada para alguns agentes políticos e se torna, na prática, a ampliação do índice de violência e agressão contra pessoas LGBT”, acrescenta..

“Para além da retirada de uma placa, o que ela motiva e a mensagem de violência que ela carrega é extremamente preocupante para a nossa cidade. E nós estamos falando aqui de cidadania, de uma cidade em que devem caber todas as pessoas, com todas as formas de pensar, com todas as formas de ser e existir. O pensamento único e a violência não podem se institucionalizar”, completa a deputada.

Resposta da PBH

Em encontro com ciclistas que reivindicam uma ciclovia na Avenida Afonso Pena, no Centro, o prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman, negou ter tomado qualquer decisão por pressão parlamentar.

“Não tem nenhum órgão em Belo Horizonte que tenha algum tipo de símbolo na frente e aquilo foi uma tentativa que fizemos, mas já mandamos tirar. Não tem nada a ver com vereador de esquerda ou de direita me pedindo para pôr ou para tirar. Tem uma política na cidade de não ter nenhum tipo de identificação a não ser a área, como ‘Prefeitura de Belo Horizonte’, ou ‘Secretaria de Saúde’. Não tem símbolo de aqui ou acolá, só isso. Não há nenhum outro problema de outra ordem”, declarou ele.

A reportagem do EM também entrou em contato com a vereadora Flavia Borja para esclarecimento a respeito da solicitação de retirada. Segundo ela, a ação foi articulada pela bancada cristã. "Estamos satisfeitos com o resultado", disse, acrescentando que, com a fachada, o órgão público assumiu "explicitamente" uma ação ideológica. A vereadora, no entanto, disse que os trabalhos do CRLGBT também serão prejudicados com a mudança.

Leia a nota da vereadora Flávia Borja na íntegra:

"Eu tomei conhecimento da plotagem do Centro de Referência LGBT após denúncia de uma eleitora.

Posso confirmar que articulamos essa ação através da bancada cristã e estamos satisfeitos com o resultado. Veja, o ponto que estamos tratando é que um órgão público assumiu explicitamente uma posição altamente ideológica, qual seja, a da esquerda progressista. No material que estava posto naquele local, por onde inclusive passam muitas crianças em razão de ser aonde está localizada a Secretaria de Assistência Social, eram vistas representações de movimentos altamente politizados, como o movimento intersexo e trans.

A Administração Pública não poderia, de maneira alguma, abraçar uma ideologia em específico e ainda fazê-lo com o dinheiro do pagador de impostos. Vale ressaltar, também, o óbvio: isso em nada prejudica os trabalhos exercidos no Centro de Referência, que continua plenamente operacional.

Tudo foi feito mediante um diálogo muito respeitoso com as lideranças do Governo na Câmara. Apresentamos nossas demandas e fizemos valer aquilo que acreditamos ser o correto."

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