Um grupo de pessoas com deficiência (PcD) está alegando processo capacitista em concurso da Polícia Penal de Minas Gerais, promovido pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública do estado (Sejusp). De acordo com eles, nenhum dos 104 candidatos comprovadamente PcD que foram aprovados em todas as seis etapas do concurso pôde tomar posse do cargo como estava previsto.
No edital publicado em agosto de 2021, consta a reserva de 10% das vagas para PcD. No total, eram 2.420 vagas, ou seja, 242 eram destinadas a este público, sendo 194 para homens e 46 para mulheres.
O concurso aconteceu no período dos últimos dois anos e teve seis etapas ao todo: prova objetiva e redação, prova de aptidão psicológica e psicotécnica, exames médicos, prova de condicionamento físico por testes específicos, comprovação de idoneidade e conduta ilibada e curso de formação técnico-profissional.
Necessidade de nova perícia
Após a aprovação em todas as etapas, os candidatos foram nomeados e convocados para o exame admissional, e foi aí que ocorreu a eliminação em massa. Alguns não foram considerados pessoas com deficiência – mesmo com a apresentação de laudo e aprovação em fases anteriores –, outros foram considerados inaptos por conta da deficiência e um grupo chegou a ser impedido de tomar posse com a justificativa de que seria necessária uma nova perícia médica.
“Passamos por mais uma junta médica para uma nova avaliação, porque mesmo depois da Etapa Médica, esta seria como um exame comum, como os que você faz em qualquer empresa que entra. No entanto, foi nessa fase que praticamente todos os PcD foram eliminados”, relata o candidato Gustavo Luiz Silva Claret, que possui uma deficiência visual.
“Salvo engano, oito – de mais de 100 – chegaram a ser aprovados, mas mesmo eles foram surpreendidos no momento da posse, já na Cidade Administrativa. Eles receberam um e-mail falando que não poderiam tomar posse porque teriam que passar por uma nova perícia. Creio que eles também serão eliminados nessa nova perícia”, acrescenta.
Foi o caso do candidato Jorge Teixeira. Natural de Fortaleza (CE), ele veio a Belo Horizonte com a mudança completa, acreditando que tomaria posse e já começaria a exercer o cargo. Ele, no entanto, recebeu a notícia de que precisaria passar por uma nova avaliação em abril, mesmo tendo a aptidão confirmada no dia 11 de março e posse marcada para o dia 22 do mesmo mês.
“Sou de Fortaleza, mas me mudei com minha família para o Piauí depois que fiquei desempregado. Apostei tudo nesse concurso, deixei minha família no Piauí, e quando fui tomar posse, fui impedido sem motivação ou fundamentação. No ato da posse, foi-me comunicado que eu precisaria fazer outra perícia, marcada para o dia 8 de abril. Não entendi a necessidade, pois já estou considerado apto e atendo todos os requisitos para assumir o cargo. Tudo o que me deram foi uma certidão comprovando esse ofício de que estou sendo impedido sem esclarecimentos maiores”, relatou ele em vídeo.
Teixeira ainda afirma que precisaria viajar por mais de 24 horas para voltar para casa e passar por todo o processo novamente quando for voltar para a nova avaliação, afirmando não ter passado fome enquanto esteve em Belo Horizonte por conta da ajuda de amigos e familiares.
De acordo com Claret, a reação geral dos eliminados foi de indignação e preocupação. “Quando recebemos o resultado, muita gente já entrou na Justiça e está com seus advogados, mas ainda tem pessoas que não têm condições de fazer isso. Temos um grupo com quase todos os candidatos e muitas pessoas são de fora: Brasília, Bahia, Fortaleza, Piauí. São pessoas que têm que pagar R$ 2 mil numa passagem para receber o resultado de eliminação. Por que não fizeram isso no começo, quando teve a etapa médica? Por que deixaram a gente passar por tudo para, no final, eliminarem a gente? É muito constrangedor”, destaca ele, reforçando que em todo o processo foram aprovados e considerados aptos.
“Fizemos a prova de condicionamento físico, uns candidatos entraram na Justiça, a prova foi cancelada e tivemos que fazer novamente. Então, passamos por dois testes físicos e passamos, mostrando que somos mais do que capazes”, complementa.
Segundo os candidatos que prosseguiram judicialmente com o caso, há diversos laudos rasurados, mostrando aptidão e inaptidão sem maiores detalhes, além dos documentos mostrando resultados aptos impedidos de tomar posse com a justificativa de necessidade de nova perícia.
Candidatos ficaram desempregados
Ainda segundo Gustavo, muitos candidatos ficaram desempregados durante o processo seletivo do concurso, principalmente na última etapa, referente ao curso de formação técnico-profissional.
“Passamos três meses nesse curso, que foi de dedicação exclusiva e presencial. Aprendemos tudo o que precisávamos sobre a Polícia Penal, com aulas sobre os cargos, defesa pessoal, tiro e armamento. E fomos aprovados, seguindo para uma semana de estágio numa unidade prisional e exercendo tudo na prática. Fomos avaliados, aprovados e só faltaria, para tomarmos posse, passar por um exame pré-admissional”, conta.
“Eu trabalhava de carteira assinada, tinha acabado de ser promovido, mas por conta do curso, que era de segunda a sexta, das 8h às 18h, não tinham como me manter no emprego, então tive que tomar a difícil decisão de sair, porque o concurso era muito importante e já estava chegando no final, era só fazer o curso que, aí, tomaríamos posse. A gente recebeu uma bolsa no valor de R$ 2.500 para ficar os três meses no curso, só uma parcela única para todo mundo. Até agora não consegui outro emprego”, acrescenta ele.
Jorge, que já estava desempregado mesmo antes do período do curso, também lamenta: “Estou aqui com minhas bagagens, com muita coisa. E é difícil, angustiante, humilhante. Minha estranheza é que ninguém fala nada. só decidem, deliberadamente, uma nova perícia. Saí de Fortaleza, fui para Piauí, e saí do Piauí achando que ia assumir o concurso e entrar em exercício de imediato, mas agora estou impedido.”
Mas os candidatos se ajudam entre si. Gustavo Claret conta que, no grupo deles, há uma vaquinha para juntar dinheiro para aqueles que não conseguem se manter ou precisam fazer viagens constantes.
“Muita gente teve que deixar seus empregos e não tem mais condições de se manter. Tiveram dois candidatos do Nordeste que vieram para tomar posse e foram impedidos, sendo que eles chegaram de mala pronta, pensando que tomariam posse, começariam a exercer e teriam o cargo. Nós ajudamos essas pessoas a voltar para casa, porque são gastos que as pessoas não estavam nem esperando”, afirma.
“A gente se sente muito mal, porque é uma expectativa que é gerada. Foram dois anos passando, sendo aprovado, e a gente vai gerando essa expectativa, vai se planejando, para chegar no momento da posse e falarem que estamos inaptos, incapazes de exercer o cargo, e ficamos mal. Porque se a gente faz um concurso é para poder trabalhar numa área que a gente deseja, e as cotas para PcD servem justamente para nos ajudar a conquistar isso”, completa.
Sindicato está disposto a ajudar
O Sindicato dos Policiais Penais de Minas Gerais (SINDPPEN) já demonstrou apoio aos candidatos afetados pela eliminação em massa. Ainda em fevereiro deste ano, entraram com ofícios e cobranças por uma atenção maior ao caso dessas pessoas – mesmo que ainda não façam parte da categoria que representam.
“Foi informado que diversos candidatos PcD estão tendo problemas diversos na questão da perícia, sendo barrados no exame admissional. Não sabemos de inteiro teor o porquê disso, nos falaram que é porque eles não estavam seguindo os protocolos regulamentados previstos no edital, mas eles não tiveram nem como confrontar. Então, muitos vão entrar até com ação judicial. O sindicato já falou que, no que puder apoiar ou colaborar, podem estar contando com a gente”, afirma Wladimir Dantas, do SINDPPEN.
“Estamos cobrando respostas, porque pelo que os candidatos nos falaram, estão tendo muitas incoerências e injustiças com eles. Se tem previsão em edital de que eles devem ser chamados, e eles estão aptos, prontos, sem limitações do desempenho, então a gente quer que você seja chamado”, acrescenta ele.
De acordo com o SINDPPEN, a Sejusp ainda não se pronunciou a respeito do caso. A Secretaria também foi questionada pela reportagem do jornal Estado de Minas e ainda não deu retorno, mas o espaço continua aberto a quaisquer pronunciamentos.