A França indenizará milhares de pessoas homossexuais condenadas quando a homossexualidade era criminalizada no país. O projeto de lei aprovado unanimemente pela Assembleia Nacional francesa na última quarta-feira (6/3) tem o objetivo de reconhecer, reabilitar e reparar as pessoas pelos danos sofridos por esta parcela da população entre os anos de 1942 e 1982.

O ministro da Justiça francês, Eric Dupont-Moretti, chegou a pedir “perdão” às pessoas prejudicadas pelas leis discriminatórias. Apesar de, no Senado, ter afirmado que a implementação prática da indenização ser “extremamente complexa”, na Assembleia Nacional o ministro disse compartilhar o “desejo de que a indenização seja fixada com precisão na lei e implementada por uma comissão criada para esta finalidade”.



“Já é hora de dizer, nesta noite (6/3), em nome da República Francesa: perdão, perdão ao povo, aos homossexuais da França que sofreram durante 40 anos esta repressão totalmente injusta. Nossa República se torna ainda mais bela quando sabe reconhecer que se distanciou de seus princípios fundadores: a liberdade, a igualdade, a fraternidade”, declarou Dupont-Moretti.

O projeto de lei, inicialmente defendido pelo senador Hussein Borgi, do Partido Socialista, obteve um amplo apoio e foi aprovado pelos 331 deputados da casa, apesar de alguns grupos terem manifestado “reservas” ao princípio da reparação financeira. Anteriormente, quando passou pelo Senado, a indenização chegou a ser retirada do texto, mas foi restaurada pelos deputados.

Agora, a lei prevê uma indenização fixa de € 10.000 (R$ 53.758) e outra de € 150 (R$ 806) por dia preso, além do reembolso da multa paga pelas pessoas condenadas, com valores atualizados.

Também foi criada uma comissão para avaliar os pedidos de indenização, já que Dupont-Moretti chegou a chamar a atenção para possíveis dificuldades em estabelecer quem teria direito ao benefício. Para ele, é fundamental que a redação final do texto seja objetiva para não provocar mal-entendidos neste sentido.

Avanços

O “delito de homossexualidade” foi instituído durante a França de Vichy – quando o Estado francês era liderado pelo marechal Philippe Pétain, durante a Segunda Guerra Mundial – em 1942. As condenações eram feitas com base em dois artigos do código penal: um estabelecia idade específica de consentimento para relações homossexuais; e outro aumentava penalidades para indecência pública cometida por casais do mesmo sexo.

De acordo com pesquisas citadas pelo Vie-publique, site do governo francês, cerca de 10 mil pessoas foram condenadas pelo “delito de homossexualidade” entre 1945 e 1982, com penas de prisão em 90% dos casos. Segundo Régis Schlagdenhauffen, professor da EHESS (École des hautes études en sciences sociales, ou Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais em português), os condenados eram majoritariamente homens da classe trabalhadora, dos quais eram casados e ¼ eram pais.

A descriminalização da homossexualidade só veio 40 anos depois, em 1982, durante o governo do socialista François Mitterrand. Mas apesar disso, a discriminação permaneceu – tanto que o casamento entre pessoas do mesmo gênero só foi legalizado em 2013, mais de 30 anos depois e em meio a fortes manifestações da oposição.

A aprovação da lei na Assembleia foi uma “boa surpresa” para as associações LGBT, apesar de ter chegado “tão tarde”. “Estou muito feliz, até emocionado. Luto há quase 50 anos porque nunca aceitei essa prisão e esta condenação”, disse Michael Choromat, de 75 anos, à AFP. Ele foi condenado após ter sido preso por indecência pública em maio de 1977 em Paris, juntamente com oito homens, durante uma incursão policial no bar gay “Le Manhattan”.

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