O jovem Mabson dos Santos, aprovado no curso de Educação Física na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) por meio de cota para candidatos pretos, pardos e indígenas (PPI), conseguiu se matricular após recurso na Justiça. No início do ano, ele teve sua autodeclaração indeferida pela Comissão de Heteroidentificação da instituição e o caso repercutiu nas redes sociais.

Na última semana, o juiz federal Osmane Antonio dos Santos considerou que a avaliação presencial estava disposta no edital do vestibular e necessitaria ser feita para o deferimento ou não da autodeclaração de Mabson. A revisão da banca ocorreu na última semana e teve resposta positiva.



“A autodeclaração do candidato como cotista PPI foi validada pelo grupo. Sem mais impedimentos para tal, a matrícula dele no curso de Educação Física foi efetivada", garantiu a Pró-Reitoria de Graduação da UFU.

O jovem já foi inserido na rotina de aulas da graduação em Educação Física e a rede de advogados Liberdade, que atuou no caso como defesa do estudante, considerou a decisão da Justiça como uma conquista frente ao “racismo institucional que atravessa as instituições”, sublinhando que as comissões de heteroidentificação são importantes, mas que ainda precisam de melhorias.

“Vale salientar que a determinação judicial e os novos desdobramentos do caso reforçam a necessidade de aprimoramento dos critérios e processos de heteroidentificação nesses espaços”, informou o coletivo, por meio de nota. “Comissões de heteroidentificação são de extrema importância para promoção e garantia da política de cotas, sobretudo no que se refere ao controle de tentativas fraudulentas de acesso às vagas. Situações como no caso de Mabson são equívocos”, complementaram os advogados.

Entenda o caso

A Comissão tinha, a princípio, alegado – a partir da análise de fotos e vídeos do candidato – a falta de características fenotípicas negroides, tais como cor da pele, textura do cabelo e tamanho do nariz e lábios, conforme registrado no Despacho Prograd n° 1167/2023. Mabson, no entanto, não foi informado dos elementos considerados inexistentes, uma vez que o parecer não apresentou fator específico acerca de sua análise, que se restringiu a atestar apenas “a falta das características para fazer jus à vaga”.

A UFU chegou a informar que o não deferimento da autodeclaração de Mabson ocorreu porque o candidato não enviou fotos com “boa iluminação, preferencialmente natural”, e a defesa do jovem afirmou que a universidade tinha feito a avaliação com base em fotos e vídeos de baixa qualidade, sem justificar a decisão.

A defesa também afirmou que a instituição de ensino não deu a chance de interpor recurso no próprio sistema da UFU, "porque o sistema apresentava o aviso de que a documentação estava em análise e, em seguida, matrícula indeferida".

Em nota, a UFU respondeu que, “durante o período destinado à interposição de recursos no Portal de Serviços da Graduação (PSG), o candidato reclamante não registrou recurso contra o indeferimento acima mencionado. Entretanto, em cumprimento à determinação judicial mencionada pela TV Integração, a UFU, por meio do Grupo de Trabalho de Heteroidentificação (GTPPI)” submeteria o candidato a uma avaliação presencial.

Outros casos

Mabson não foi o único jovem a entrar com recurso por conta de indeferimento de autodeclaração em universidades públicas recentemente. Somente na Universidade de São Paulo (USP), foram dois casos neste ano – também resolvidos através da Justiça.

Um dos problemas evidenciados com esses casos é o de que candidatos aprovados na USP pelo vestibular da Fuvest têm direito à etapa presencial para comprovar sua autodeclaração, mas aqueles aprovados pelo Enem e pelo Provão Paulista têm direito apenas à verificação virtual, na qual a qualidade da imagem e uma boa conexão deve ser garantida por eles mesmos.

Na primeira semana de março, o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu liminar que determinou o restabelecimento da matrícula do jovem Glauco Dalalio do Livramento na Faculdade de Direito da USP. O adolescente foi aprovado na primeira chamada do Provão Paulista, por meio da reserva de vagas PPI, mas teve a sua autodeclaração como pardo rejeitada pela banca de heteroidentificação da universidade após a avaliação de uma fotografia e um encontro virtual.

A família do jovem entrou na Justiça, e o juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara da Fazenda de São Paulo, concedeu uma liminar determinando que a USP reservasse uma vaga para o estudante, afirmando que a verificação feita por meio de foto e videochamada “ofende a isonomia”, já que “imagens geradas por equipamentos eletrônicos não são necessariamente fiéis à realidade”.

Agora, nesta semana, a Justiça determinou a matrícula de um outro jovem, Caique Passos Fonseca, mesmo após a reprovação pela banca de heteroidentificação. Ele foi aprovado pela Fuvest no curso de Engenharia de Produção da USP, também pela reserva de vagas PPI.

No pedido do recurso, ele afirmou ser filho de pais pardos – apresentando a certidão de nascimento do pai, no qual consta a cor “parda” – e que sempre estudou em escola pública. Segundo a sua defesa, o jovem sempre se autodeclarou “pardo”, inclusive em sua inscrição no Prouni (Programa Universidade Para Todos).

Assim, o juiz Marcio Ferraz Nunes, da 16ª Vara da Fazenda Pública, concedeu uma liminar para que o aluno seja reintegrado ao corpo estudantil da universidade até que haja uma decisão definitiva do caso na Justiça. A USP ainda pode recorrer da decisão às instâncias superiores, mas afirmou em nota que “quaisquer ordens judiciais serão cumpridas pela USP e serão apresentadas em juízo todas as informações que explicam e fundamentam o procedimento de heteroidentificação.”

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