Em Minas Gerais, pessoas trans e travestis relatam terem dificuldades para realizar a hormonioterapia, um dos procedimentos que integram o processo transexualizador previsto pelo Ministério da Saúde. Falta de atendimento gratuito em municípios, alta demanda em ambulatório habilitado e empecilhos financeiros para realizar o tratamento via particular são alguns dos fatores que dificultam e, em algumas situações, impossibilitam o acesso aos hormônios para transição.
No Brasil, o tratamento hormonal para transição é disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), regulamentado pela Portaria GM/MS nº 2.803, de 19 de novembro de 2013. Em Minas Gerais, três estabelecimentos são habilitados para esse atendimento: Hospital das Clínicas de Uberlândia, no Triângulo Mineiro; Hospital Universitário de Juiz de Fora, na Zona da Mata; e Hospital Eduardo de Menezes em Belo Horizonte.
Já na rede de saúde em âmbito municipal, a disponibilização varia. Por isso, em casos nos quais a terapia hormonal não é ofertada, os pacientes são encaminhados para os ambulatórios especializados do estado. O deslocamento para outra cidade e a concentração da demanda estadual em três estabelecimentos têm dificultado a realização do tratamento hormonal, relatam pessoas trans. É o caso de Luiz Henrique de Oliveira, de 27 anos, morador de Itaúna, no Centro-Oeste de Minas, que se automedica desde 2020, quando precisou fazer o tratamento hormonal, que até então fazia pelo serviço particular, na rede municipal.
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Na ocasião, Luiz notou que o procedimento não é disponibilizado na cidade em que vive, “os próprios endócrinos dizem não ter experiência”, conta. O morador é encaminhado ao Hospital Eduardo de Menezes e, por não ter condições para se deslocar frequentemente para fazer as consultas de acompanhamento, se automedica.
João Paulo Nogueira, de 27 anos, também morador de Itaúna, está há mais de um ano sem o tratamento pelo mesmo motivo. “Comecei a terapia hormonal por mim mesmo com ajuda de um amigo que tinha acesso à testosterona, mas nunca fui ao médico para fazer consulta porque para mim fica difícil sair da cidade e aqui em Itaúna já faz tempo que a gente tenta, mas nenhum médico quer atender”, conta.
Acesso em BH
Louis Augusto Reis, de 28 anos, é estudante na capital mineira e faz a hormonioterapia por tratamento particular desde abril de 2022, apesar de em Belo Horizonte ter um ambulatório especializado. Para Louis, um fator decisivo que dificultou a realização pelo SUS foi a duração do processo. “Demora desde a primeira etapa. Leva bastante tempo na maioria das vezes. Como eu não queria esperar, optei pelo plano de saúde e iniciei o tratamento particular”, conta o estudante.
Márcio Antony, militante LGBTQIA + e membro do conselho de saúde do município de Itatiaiuçu, na região Central do estado, corrobora com o relatado por Louis. “O ambulatório trans em BH está sobrecarregado, lá atende Minas Gerais inteira”, disse Márcio, que quando começou a transição hormonal em 2020, lutou pela disponibilização da hormonioterapia na rede de saúde do município em que vive. “O tratamento hormonal é nada mais que regular as taxas de hormônios no corpo de pessoas trans. O que os endócrinos fazem em pessoas cis, eles fariam em nós pessoas trans”, desabafa.
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Em BH, para iniciar a hormonioterapia no Ambulatório Multiprofissional Especializado no Processo Transexualizador (AMETrans), no Hospital Eduardo de Menezes, um paciente deve ser encaminhado por um centro de saúde e, em seguida, esperar o contato para agendamento da primeira consulta no ambulatório. “Uma vez vinculado, o usuário passa a ser agendado internamente e permanece em acompanhamento enquanto houver demanda para o serviço”, explica a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais.
No ambulatório na capital mineira, são ofertadas 48 consultas por mês. No momento, há 239 pessoas aguardando consulta no AMETrans, informa a Secretaria Municipal de Saúde.
Custos
Os gastos com a hormonioterapia também têm sido um fator decisivo no acesso. Louis Augusto conta que precisou interromper o tratamento por sete meses em um período que estava sem plano de saúde. O estudante gasta em média R$ 460 por aplicação, que faz de três em três meses, além de R$ 40 por consulta pelo plano.
Porém, não só pessoas trans que utilizam o serviço particular têm gastos com hormônios. Marcelle Sankara, de 20 anos, mora em Patos de Minas, na região do Alto Parnaíba do estado, e conta que, apesar de a consulta para hormonioterapia ser pela rede municipal de saúde, os remédios indicados pelos endocrinologistas à ela não são disponibilizados gratuitamente pelo SUS.
“Faço uso da algestona e estradiol injetável, acetato de ciproterona e o oestrogel. Então, ao todo tenho um gasto mensal de R$ 140 com hormônios”, diz. Marcelle acredita que “faltam muita organização, investimento, infraestrutura e gestão para o satisfatório acolhimento das pessoas trans.”
*Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice