O casal Henrique Nascimento e Wagner Soares denunciou ter sofrido homofobia da loja Jurgenfeld Ateliê, de Pederneiras (SP), que se negou a fazer “convites homossexuais” para o casamento dos dois. O caso ganhou repercussão quando uma amiga do casal contou em redes sociais o que aconteceu.
Em entrevista ao Estado de Minas, Henrique disse que o casal completa dez anos de união em setembro de 2025, quando será realizada a festa de casamento. O planejamento do evento começou ainda no ano passado e, para auxiliar na organização, eles se registraram na plataforma Casamentos.com.br.
Nesta semana, ao registrar a parte de fotografia que já estava fechada para o casamento, a plataforma recomendou papelarias para a produção dos convites. Uma das indicações foi o Jurgenfeld Ateliê, que já foi premiado pelo site.
“A própria plataforma tem uma ferramenta para disparar mensagens para esses fornecedores e foi o que fiz na segunda-feira (22/4) à noite. Na terça de manhã, me responderam e o atendimento ocorreu bem, com respostas rápidas e solícitas até eu mandar as referências do que queríamos para os convites e falar que os nomes no convite eram o meu e do Wal (Wagner)”, conta ele.
Foi então que recebeu a recusa. “Peço desculpas por isso, mas nós não fazemos convites homossexuais. Seria bacana você procurar uma papelaria que atenda sua necessidade", disse o ateliê na mensagem.
“Eu fiquei tão assustado que nem acreditei quando li, fiquei em choque, sem chão, não conseguia raciocinar. Pensei em mandar para o Wal, mas como ele é estourado, hesitei. No final, acabei mandando porque o casamento é dele também e ele precisa saber o que a gente sofreu. Não sofri [a homofobia] sozinho, somos um casal”, disse Henrique.
“O sentimento que eu tive foi de que entramos num túnel e voltamos para o século XII. Ficamos estarrecidos, tentando entender se era uma brincadeira, e se fosse, que tipo de brincadeira era aquela”, complementou Wagner.
Ateliê respondeu nas redes sociais
Henrique, Wagner, amigos e demais perfis que se compadeceram com a história do casal começaram a fazer avaliação negativa nas redes sociais e no Google. Com a repercussão, a empresa privou os comentários do perfil e publicou um vídeo se defendendo, acompanhado de uma nota de repúdio nos quais afirmaram ser vítimas de “heterofobia” e que não se importariam em perder seguidores por seguirem princípios cristãos. Nos stories, chegaram a expor o número pessoal de Henrique. A postagem foi retirada do ar poucas horas depois.
“Se fôssemos uma empresa que faz apenas casamentos homossexuais e não faz casamentos heterossexuais, seríamos politicamente corretos e estaríamos arrasando de orçamento da galera que assiste Globo e escuta ‘Anita’, porém aqui não funciona assim”, escreveram eles.
“Nós não fazemos casamentos homossexuais porque acreditamos na família, que é formada por um homem e por uma mulher. Nada contra se você é homossexual, se não é, se é casado mulher com mulher, homem com homem. O problema é seu, nós não temos nada a ver com a sua vida, só que nós não aceitamos isso na nossa empresa e não queremos, de forma alguma, trabalhar dessa forma”, disseram no vídeo.
Um story permaneceu, pedindo solidariedade. “Que o Senhor nos dê graça em um momento tão cruel e difícil como esse”, diz o texto.
Para Wagner, a forma como a empresa lidou com as críticas e acusações de homofobia não foi profissional. “Como uma empresa que se coloca no mercado, é premiada pelo Casamentos.com.br, tem esse despreparo, essa falta de tato ao lidar com o cliente seja ele quem for? Ela poderia ter respondido de várias outras formas: agenda cheia, doença, falta de material. Eu fiquei com pena deles, sendo sincero”, conta.
Denúncia
Os noivos chegaram a registrar um boletim de ocorrência por homofobia na Polícia Civil e outro online. “Na delegacia, o escrivão colocou apenas que pedimos o orçamento e a empresa se negou, não tivemos abertura para falar o que aconteceu, então chegando em casa fizemos outro para também falar sobre a exposição do meu número nas redes sociais deles”, conta Henrique.
Nas redes sociais, ele lamenta: "É com profunda decepção que expressamos nossa profunda insatisfação com a recusa para o nosso casamento, simplesmente por sermos um casal homossexual. Ficamos chocados e entristecidos ao sermos informados de que nossa orientação sexual era um motivo para negar nossos convites de casamento. Infelizmente, a recusa da empresa em nos atender nos lembra que a discriminação ainda persiste em nossa sociedade, mesmo quando estamos celebrando um evento tão significativo como o casamento”.
“Eu falei nas redes sociais também para avisar pessoas do nosso círculo sobre a empresa, para tomarem cuidado”, explica.
O caso também fere o Código de Defesa do Consumidor que, no art. 39, determina que é vedado, ao fornecedor de produtos ou serviços, recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoques, ou “recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento”.
A reportagem entrou em contato com o ateliê Jurgenfeld, mas ainda não obteve retorno. O espaço continua aberto para manifestações.
Em nota, a plataforma Casamentos.com.br afirmou que exigem que "todos os fornecedores cumpram a política de discriminação" e que o Jurgenfeld Ateliê será retirado da plataforma. Leia na íntegra:
"No Casamentos.com.br, é extremamente importante para nós que os serviços anunciados em nossa plataforma estejam disponíveis para todos. Como parte da família de marcas globais da The Knot Worldwide, exigimos que todos os fornecedores cumpram nossa política de não discriminação em nossos termos de uso, que proíbe expressamente a discriminação contra casais por uma infinidade de razões, incluindo casar quem amam.
Neste caso, após recebermos evidências de que o fornecedor se recusava a atender casais LGBTQ+, tomamos medidas rápidas para aplicar e manter nossa política, e a empresa está sendo eliminada do portal. Continua sendo nossa prioridade manter um espaço seguro para todos os casais."
Casos anteriores
Essa não é a primeira vez que uma empresa se recusa a atender um casal LGBT que preparava um casamento. Em 2020, um salão de festas do interior de São Paulo foi condenado pela Justiça a indenizar um casal por ter se negado a realizar a união. O valor determinado foi de R$ 28 mil.
O Tribunal de Justiça reconheceu que houve danos morais no fato de a empresa "recusar evento de casamento entre pessoas do mesmo sexo". O valor da indenização foi definido a partir de circunstâncias da causa, grau de culpa e condição socioeconômica do ofendido.