Fila de espera para consultas especializadas para cirurgia de transgenitalização no HU-UFJF é de 62 pessoas -  (crédito: HU-UFJF/Divulgação)

Fila de espera para consultas especializadas para cirurgia de transgenitalização no HU-UFJF é de 62 pessoas

crédito: HU-UFJF/Divulgação

 Quando recebeu a oportunidade de ser a primeira mulher trans a realizar a cirurgia de transgenitalização – construção de neovagina, anteriormente chamada de redesignação sexual – pelo SUS em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, Mirella da Silva Ferreira, de 31 anos, já dizia que gostaria de se tornar referência. Dito e feito: após a repercussão de seu caso bem sucedido, 20 pessoas solicitaram uma consulta na cidade e cinco já foram atendidas na primeira semana de julho.


“Conheço algumas pessoas que estão se planejando para fazer também e quero muito ser referência e ajudar, dar suporte para essas pessoas que precisam tirar dúvidas ou algo do tipo. Nós, enquanto pessoas trans, precisamos nos fortalecer, fortalecer nossa comunidade e resistir todos os dias das nossas vidas”, relatou Mirella ao Estado de Minas.

 

A Secretaria de Saúde da Prefeitura de Juiz de Fora afirmou que, atualmente, há uma fila de 62 solicitações de consultas especializadas para o processo transexualizador no município. Ainda de acordo com a pasta, o tempo médio de espera para o agendamento do procedimento é de três meses, considerando a oferta mensal de 20 vagas.


O procedimento é considerado um marco histórico para o Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora, vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (HU/UFJF-Ebserh). Hoje, é o único serviço oficialmente habilitado para a prática no estado de Minas Gerais.


Pioneirismo

Mirella, que já vive normalmente com acompanhamento regular da equipe médica do Hospital Universitário, passou pelo procedimento em março deste ano. Ela contou à reportagem que começou o processo de transição aos 23 anos de idade, mas que o SUS ainda não tinha aparatos para que a população trans do município pudesse fazer terapias hormonais e acompanhamentos na época.


Mais recentemente, quando o HU/UFJF-Ebserh foi habilitado pelo Ministério da Saúde como Serviço de Atenção Integral à Saúde da População em Diversidade de Gênero, surgiu a possibilidade de realizar a cirurgia de transgenitalização – algo que ainda achava estar distante dentro das suas possibilidades.


“Todo esse processo – entre consultas, conversas e exames – durou uns três anos, e, em 2023, fui comunicada de que o procedimento tinha sido liberado. Com isso, comecei o acompanhamento pré-operatório com as equipes da ginecologia, urologia e cirurgia plástica, juntamente com as equipes da psicologia e da endocrinologia”, disse.


 

Os cirurgiões responsáveis pela transgenitalização de Mirella, a ginecologista Carolaine Bitencourt e o urologista José Murillo Netto, visitaram serviços experientes na técnica no Brasil para complementar, na prática, o que na teoria já conheciam e iniciar o trabalho com mais segurança e tranquilidade. O trabalho foi desenvolvido a partir de um plano de cuidados, oferecendo métodos terapêuticos para trabalhar e prevenir possíveis complicações e queixas, além de fornecer orientação sobre a redescoberta da sexualidade neste novo corpo.

 

Para eles e outros profissionais envolvidos, além de conquistas pessoais por fazerem parte de um procedimento pioneiro em Juiz de Fora, a cirurgia também será referência para estudos futuros.


“É sem precedentes que nossa instituição esteja vendo nascer uma nova vertente de assistência à saúde. Tanto em termos de formação de profissionais quanto no campo da pesquisa”, pontua Carolaine.

 

“Participar deste marco histórico foi uma grande honra, tendo a possibilidade de melhorar a qualidade de vida das pessoas e realizando seus sonhos”, comemora o médico José Murillo, reforçando ainda que “o início de um serviço, de forma estruturada e organizada, como o nosso, nos permite levantar dados e realizar pesquisas de forma sistemática. Além disso, um dos principais ganhos para o ensino na nossa instituição é permitir que todos, alunos, funcionários, profissionais de saúde e professores, possam conviver com as diferenças e combater a transfobia”.

 

Fluxo de atendimento

A porta de entrada são os dispositivos de atenção básica (como as Unidades Básicas de Saúde - UBS), que fazem a marcação na agenda de acolhimento do Ambulatório de Diversidade de Gênero no HU-UFJF. Se for de área descoberta, ou seja, que não tenha UBS ou outro dispositivo de atenção básica próximos, é necessário procurar o PAM Marechal. Para residentes de outras cidades, a solicitação de marcação ocorreu por meio da secretaria de saúde do município onde vive a pessoa interessada.


 

Dentre os procedimentos hospitalares/cirúrgicos oferecidos pelo Serviço de Atenção Integral à Saúde da População em Diversidade de Gênero estão a mastectomia (retirada de seios), a histerectomia (retirada de útero) e a cirurgia de transgenitalização (construção de neovagina). Há expectativa de que novos procedimentos venham a ser oferecidos no futuro, a exemplo de mamoplastia de aumento (implante mamário), ooforectomia (retirada de ovários) e tireoplastia (remoção do chamado “pomo-de-adão”), dentre outros.


Para a chefe do Ambulatório de Diversidade de Gênero, Priscilla Batista Noé, “o trabalho realizado pela equipe multi busca fomentar acolhimento humanizado, garantia de direitos e valorização das pluralidades, bem como criar uma ambiência de cuidado integral à saúde da população trans, enfrentando situações de vulnerabilidade subjetiva, social e programática, objetivando a promoção da qualidade de vida e a garantia da dignidade. Outra ação importante foi a realização de capacitações das diversas equipes do HU-UFJF, para garantir um atendimento ético e humanizado”.