A magistratura brasileira enfrenta uma grande sub-representação de mulheres e pessoas negras. Enquanto, segundo o Censo 2022, 51,5% da população é composta por mulheres e 55,5% por pessoas negras – 45,3% de pardas e 10,2% de pretas –, a média brasileira de mulheres no Judiciário é de 36,8%, e a de negros e negras é de 14,3%, sendo 12,4% de pardos e pardas e apenas 1,8% de pretos e pretas.


Em Minas Gerais, o cenário é parecido: 51,2% dos mineiros são mulheres e 58,6% são pessoas negras – 46,8% de pardas e 11,8% de pretas –, mas na magistratura 33,7% são mulheres e apenas 7,5% são pessoas negras – 6,3% pardas e 1,2% pretas.



Apesar de serem maioria no país, estes grupos são considerados minorizados – pessoas que se encontram em categorias que sofrem com o preconceito, a desigualdade e a baixa representatividade em espaços de influência – na magistratura e mostra a necessidade de políticas públicas voltadas para a redução da desigualdade na área.


O que o CNJ faz a respeito?

O Conselho Nacional de Justiça reconhece a disparidade de raça e gênero em sua composição e, por isso, estuda maneiras de reduzir a sub-representação de mulheres e pessoas negras na Justiça brasileira.


Em 2022, foi lançado o Pacto Nacional do Poder Judiciário pela Equidade Racial. Com o apoio de todos os tribunais brasileiros, busca impulsionar a Justiça para a equidade racial a partir de programas, projetos e iniciativas desenvolvidas em todos os segmentos e graus da Justiça. O objetivo é combater e corrigir as desigualdades raciais por meio de medidas afirmativas, compensatórias e reparatórias.


 

No ano seguinte, a partir da edição da Resolução do CNJ n. 525, foram determinados parâmetros para acesso de mulheres às cortes de segundo grau – já que, na época, apenas 20% dos cargos eram ocupados por elas –, estabelecendo que tribunais disponham de pelo menos 40% de mulheres.


“Essa é uma ação afirmativa de gênero que prevê a promoção por merecimento de mais mulheres. Aqui em Minas, a administração colocou como meta 50%”, explica a juíza auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Mariana de Lima Andrade.


“Na magistratura, temos uma alternância na promoção dos cargos que variam entre antiguidade e merecimento. No item de antiguidade, não temos, a princípio, uma distinção de gênero, mas quando eu digo a princípio, é porque essa suposta neutralidade não pode ser considerada como tal. Ao longo da carreira, a mulher, por questões culturais, muitas vezes não se promove porque ela tem questões familiares, por exemplo, que a impedem de seguir na carreira”, acrescenta.


“As promoções por merecimento são ainda menos neutras, porque os cargos são, historicamente, ocupados por homens. Isso se dá porque eles têm mais facilidade de, talvez, participarem mais de outros momentos da administração e ganham mais visibilidade. Então, ‘naturalmente’, eles são mais promovidos por merecimento”, complementa a juíza.

 


Ainda em 2023, a Resolução do CNJ n. 540 estabeleceu que os órgãos do Poder Judiciário observarão, sempre que possível, a participação equânime de homens e mulheres, com perspectiva interseccional de raça e etnia. Deve ser proporcionada a ocupação de pelo menos 50% de mulheres na convocação e designação de cargos no Judiciário, incluindo direções de foro quando de livre indicação; composição de comissões, comitês, grupos de trabalho; mesas de eventos institucionais; e contratação de estágios e serviços terceirizados.


Desde 2015, o CNJ também prevê a reserva de 20% das vagas em concursos para cotas raciais. No TJMG, Andrade afirma que no último concurso, dos 64 convocados, 13 eram pretos ou pardos.


Cenário em MG

O Estado de Minas solicitou ao TJMG uma série de dados referentes ao quadro de magistrados e magistradas no estado. Até o final de maio deste ano, havia 365 mulheres (33,7%) em relação a 718 (66,3%) homens em cargos que variam de Direção, Desembargadores e Desembargadoras, Juízas e Juízes de Direito Auxiliares da Presidência e das Vice-Presidências, Juízas e Juízes de Direito Auxiliares em Segundo Grau e/ou convocados para substituir em Segundo Grau, Juízas e Juízes de Direito Auxiliares da Corregedoria e Juízas e Juízes de Direito.


Em relação à raça dos magistrados e magistradas, 618 não informaram (57,2%); 376 se declararam brancos (34,8%); 68 pardos (6,3%); 13 pretos (1,2%); 6 amarelos (0,5%) e nenhum indígena.


“Estamos no início de uma nova gestão aqui no tribunal, e buscamos uma igualdade material na constituição do Poder Judiciário. Temos o objetivo de fazer um melhor e maior espelhamento da sociedade brasileira”, afirma a juíza auxiliar da presidência do TJMG.


“Já temos uma Superintendência da Mulher Vítima de Violência que será ampliada para incluir temáticas de diversidade e equidade de gênero e raça, o que já demonstra por si só a intenção de pautarmos isso. Entendemos que a legitimidade do Judiciário está atrelada a essa diversidade na nossa própria carreira. Então, no momento em que o Judiciário se vincula a essa pauta de inclusão, ele reflete a prioridade da população nos nossos próprios quadros, e isso nos legitima para reconhecer essas demandas e a refletir isso nos nossos julgamentos”, complementa ela.


Resoluções e ações

Em relação à Resolução do CNJ n°525/2023, o TJMG afirma que haverá a primeira promoção por merecimento em breve, e como a última foi de um homem, necessariamente uma mulher assumirá a posição do desembargador que se aposenta nesta semana.


“Chega a ser histórico, pois será a primeira vez utilizando essa ação afirmativa de gênero no TJMG e nesta nova gestão. Vale lembrar também que, coincidentemente, a última promoção por antiguidade que tivemos foi de uma mulher, então já temos um grande avanço”, declara Mariana de Lima Andrade.


 

A juíza também comenta sobre outra Resolução do CNJ, n° 496/2023, que fala da equidade e paridade de gênero nos concursos, determinando que as bancas examinadoras tenham participantes que expressem a diversidade presente na sociedade brasileira, tais como origem, raça, etnia, deficiência, orientação sexual e identidade de gênero, dentre outras manifestações.


“Nos últimos dois concursos do TJMG, aumentamos o número de mulheres na banca examinadora: de 15%, passou para 31%. Isso acarretou num percentual maior de mulheres aprovadas, que saiu de 28% para 43%”, explica Andrade.


“A gente não pode fazer uma equação matemática disso, mas podemos fazer observações: eu particularmente acho que existe um fator de correspondência, porque as mulheres enxergam mais o potencial de outras mulheres do que os homens o fazem. Mas, claro, ainda há outros reflexos e as mulheres estão tendo mais condições de se capacitarem, a sociedade está tentando não estigmatizar tanto as mulheres, o que faz com que elas passem mais em concursos”, acrescenta.


O TJMG também auxilia suas magistradas lactantes. Trata-se de um Ato Normativo proposto pela nova gestão que parte de uma determinação do CNJ, mas que em Minas se desenvolveu para um programa de apoio ainda mais abrangente.


 

“O novo presidente determinou prorrogação de trabalho para as lactantes e apoio para as gestantes. Queremos que elas cumpram o programa de aleitamento materno estabelecido pelo SUS sem que elas precisem abrir mão do trabalho”, diz Mariana.


Sobre ações de equidade racial, a juíza auxiliar declara: “Acho que ainda precisamos caminhar muito dentro do tribunal. Este é um assunto que devemos tratar com muita responsabilidade e dá uma maior legitimidade para o Judiciário quando feito da maneira correta. Hoje, a porcentagem de pessoas negras na magistratura é muito pequena, menos que inversamente proporcional à população brasileira, e essa não é a representação que queremos.”


Além do Pacto Nacional do Poder Judiciário pela Equidade Racial, o CNJ desenvolve ações como o grupo de trabalho que busca desenvolver uma política de igualdade racial e elaborar um protocolo de julgamento com perspectiva de gênero, além da concessão de bolsas para 200 candidatos negros e indígenas que desejam prestar o Exame Nacional da Magistratura (Enam) e concursos da magistratura.


As bolsas fazem parte do Programa CNJ de Ação Afirmativa e têm como objetivo preparar estudantes negros e indígenas para competir em condição de igualdade com os outros candidatos por uma vaga no cargo de juiz. A oferta de bolsas de manutenção, no valor de R$ 3 mil durante dois anos, tem como enfoque o custeio de material bibliográfico, a contratação de professores, o acesso a cursos preparatórios e, inclusive, as despesas com alimentação, transporte e moradia.

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