“Retificar meu nome e gênero nos meus documentos era um desejo de mais de 30 anos. Consegui agora, de forma gratuita, e me sinto muito agradecido”, conta Harvey Rafael Dardanya Gonçalves, de 34 anos, uma das 483 pessoas que participaram do “Mutirão Esse é Meu Nome” da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG). Esta foi a primeira vez em que o projeto ocorreu em âmbito estadual, realizado de forma simultânea em Belo Horizonte e no interior, totalizando 30 municípios. Nesta sexta-feira (2/8), ocorreu o evento de encerramento do projeto.


Ao longo de junho – Mês do Orgulho LGBTQIA+ –, quando ocorreu o mutirão, a capital mineira foi a cidade que mais recebeu inscrições, com 159 pessoas atendidas. Também se destacaram os municípios de Alfenas, com 48 inscrições, Juiz de Fora, com 44, e Uberlândia, com 42. De todas as 30 cidades participantes, apenas Além Paraíba, Jaboticatubas e Pirapetinga não receberam inscrições.

 



 

Para a ativista Gisella Lima, ex-diretora de Políticas para a População LGBT da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), é importante celebrar cada retificação no estado, mas ainda é necessário ampliar os esforços, porque a caminhada ainda é longa.


“Belo Horizonte é uma cidade avançada, mas Minas Gerais é muito grande, e a gente precisa chegar em outras cidades. O mutirão foi bom porque saiu daqui e da Região Metropolitana, mas ainda estamos longe de alcançar os 853 municípios do estado, e posso dizer com certeza que em toda cidade existem pessoas trans, e elas precisam da garantia de seus direitos”, disse ela durante o encerramento.


Mais que estética

 

O defensor público especializado em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais (DPDH) Vladimir Rodrigues explica que a retificação de nome e gênero vai muito além da estética e se trata de direitos básicos e fundamentais.


“Foi no meu primeiro atendimento desse tipo que eu percebi a importância da retificação de nome e gênero. É algo que, para as pessoas cis, é óbvio e garantido, mas para as pessoas trans é uma briga, uma luta diária”, diz ele.


“Nós já conseguimos avançar muito, mas ainda precisamos avançar muito mais. Estamos falando de educação, moradia, saúde, trabalho. Estamos falando de vida e de afeto, o que está sendo negado para uma parcela considerável da sociedade, e o mínimo que teríamos que ter é muita indignação, porque estamos falando dos nossos cidadãos, nossos irmãos e irmãs”, complementa.


 

Para Laura Lima Silva, de 23 anos, e Alícia Santos Souza, de 22, que receberam a certidão de nascimento retificada de forma simbólica durante o evento de encerramento do mutirão, o processo foi algo fundamental.


“Eu morria de medo de sair com meu documento, mas agora me sinto segura”, conta Laura. “Coisas simples do dia a dia, como passar ou receber um Pix ou ir ao médico, causam desconforto e medo para quem não tem documento retificado. Então, às vezes, a gente acha que são apenas coisas grandes, mas coisas pequenas na rotina também mudam. É uma forma de conseguir nossos direitos”, acrescenta Alícia.


Ambas já se enxergavam como meninas desde muito novas, e a oportunidade de alterar os documentos veio como uma nova fase para suas vidas.


“Venho de uma família conservadora, evangélica, e agora com meus documentos retificados sinto que consegui me desamarrar disso tudo, me sinto livre”, conta Alícia. “Eu não sabia nada do mundo da transição e só comecei todo o processo em janeiro, mas achava que teria que pagar pela retificação, não sabia que tinha a possibilidade da gratuidade, mas conheci o Vladimir e em menos de um mês consegui arrumar tudo”, diz Laura.


 

O defensor explica que, o mutirão, hoje, serve mais como publicidade da facilidade da retificação em si do que como assistência para o processo – ainda que continuem oferecendo o serviço por conta da dificuldade em obter os documentos necessários –, já que muitas pessoas ainda não sabem sobre a rapidez e agilidade do processo.


“Os processos estão mais fáceis, porque as coisas ficaram mais ágeis com a sanção da lei que garante gratuidade para retificação de pessoas trans em vulnerabilidade econômica (Lei Estadual nº 24.632/2023). Agora, pode ser feito em cartório, sem a necessidade de ação judicial, como era feito antes”, afirma.


Harvey Rafael conta que é importante publicizar o processo porque muitas pessoas não recebem este tipo de informação no dia a dia. “Tem coisas que a gente não espera que sejam gratuitas ou que tenhamos acesso. Agora, com esse trabalho da Defensoria Pública, eu me sinto muito agradecido. Por quase toda a minha vida achei que teria que pagar pela retificação, mas sei que teve uma luta muito grande durante esse tempo para chegarmos até aqui. Ainda assim, mesmo com esse avanço, muita coisa precisa ser mudada e isso nos motiva a continuar”, relata ele.


Retificações gratuitas

Apesar do registro oficial de 483 inscrições em Minas Gerais, Vladimir Rodrigues afirma que o número de retificações realizadas pela Defensoria Pública do estado são bem maiores.


“Tivemos um aumento de demanda antes e depois do mutirão em si, mas colocamos aqui só a quantidade que foi atendida durante o período estabelecido”, relata ele.


 

Os números chamam atenção e Gisella Lima espera que o mutirão repercuta também nacionalmente, já que se trata de uma importante oportunidade para que pessoas transgênero e travestis possam ter acesso pleno à cidadania, inclusão social e resgate da autoestima.


“Quero que Minas seja um exemplo para o país. Já garantimos a gratuidade na retificação de nome e gênero para pessoas nascidas no estado, e essa é uma conquista muito grande, mas queremos isso para todos. O que é bom, não quero só para mim, quero levar para outras pessoas”, diz ela.


O mutirão é uma realização da DPMG por meio da Coordenadoria de Projetos, Convênios e Parcerias (CooProC) com a gestão da Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais (DPDH). Contou também com o apoio da Associação das Defensoras e Defensores Públicos de Minas Gerais (ADEP-MG).

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