O Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Compir) vai protocolar no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) um documento solicitando parecer sobre a ausência de cotas raciais no concurso público da Prefeitura de Divinópolis. A decisão foi tomada na terça-feira (13/8), em reunião extraordinária, após provocação do membro do Conselho Municipal de Educação, Vitor Costa (PT).

 

Classificado como o "maior da história de Divinópolis", o exame prevê 1.426 vagas distribuídas em 111 cargos. As inscrições começaram no dia 5 de agosto e seguem até 9 de setembro.


O ofício terá como base a decisão do MPMG aplicada no município de Carlos Chagas, no Vale do Mucuri, e nas orientações oriundas da consulta feita ao Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Conepir) e demais instâncias.


Conforme a decisão, o documento oficial será redigido pelas advogadas representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/Divinópolis) e assinado por todos os conselheiros da sociedade civil e do governo.


De acordo com a Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB/Divinópolis, o município argumentou que não havia lei local tratando sobre a temática de reserva de vagas. Afirmou que a Lei 12.990/2014 tem apenas abrangência federal, não vinculando entes estaduais e municipais.


"No entanto, há a Carta da Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (Cirdi), publicada através do Decreto 10.932, de 10 de janeiro de 2022. Com a sua promulgação, o dispositivo ganhou status de emenda constitucional e criou, em seu artigo 5º, uma obrigação vinculante aos poderes públicos em relação à adoção de políticas especiais e ações afirmativas de igualdade racial", explicou a Comissão por meio de nota.


Afirmou ainda que, de acordo com o artigo 5º, parágrafo 3º, da Constituição Federal de 1988, acordos e tratados internacionais aprovados nas duas casas do Congresso Nacional, em dois turnos e com mais de três quintos dos votos, passariam a integrar o bloco de princípios e regras constitucionais do país, recebendo o mesmo status jurídico de emenda constitucional.

 




"Assim, a reserva de vagas para pessoas negras em concursos públicos se tornou uma obrigação vinculante de todos os entes federativos. Não há como se falar que inexiste lei vinculando entes municipais e estaduais a realizar políticas afirmativas de cunho racial em seus certames, quando, na verdade, a matéria agora tem imperativo e normatividade constitucional", completa a nota.

 

"Reparação ao povo preto"

 


O presidente do Movimento Unificado Negro de Divinópolis (Mundi) e conselheiro do Compir, Adjanir Silva, disse que o documento ao MPMG é uma forma de buscar esclarecimentos sobre os divergentes entendimentos. Para ele, as cotas são uma forma de "reparação ao povo preto".


"Não é facilitar, mas assegurar que se tenha acesso a tudo que até hoje é negado ao povo preto", argumenta.


Paralelamente, o movimento e o conselho também buscarão a regulamentação. "Temos que elaborar um projeto de lei regulamentando no município para que não ocorra esse tipo de desentendimento".


Prefeitura de Carlos Chagas

 

 

O MPMG, por meio da Promotoria de Justiça de Carlos Chagas e da Coordenadoria de Combate ao Racismo e Todas as Outras Formas de Discriminação (Ccrad), obteve na Justiça, em maio deste ano, uma decisão liminar que obrigou o município do Vale do Mucuri a prever cota racial no edital do concurso público.


Conforme a Ação Civil Pública (ACP), a prefeitura de Carlos Chagas publicou o edital do certame 01/2023 sem prever reserva de vagas para pessoas negras.


De acordo com o promotor de Justiça em cooperação em Carlos Chagas, Ederson Morales Novakoski, e o coordenador da Ccrad, Allender Barreto, que assinam a ação, com a ratificação da Cirdi, reivindicar a reserva de vagas para pessoas negras em concursos públicos se tornou uma obrigação vinculante de todos os entes federativos.


"Não há como se falar que inexiste lei vinculando entes municipais e estaduais a realizar políticas afirmativas de cunho racial em seus certames, quando, na verdade, a matéria agora tem imperativo e normatividade constitucional", explicam os promotores.


Dessa forma, com base no comando constitucional e convencional, fundamentado no Estatuto da Igualdade Racial, a Justiça deferiu o pedido liminar do Ministério Público e determinou ao município a readequação do edital com a devida previsão de cota racial no concurso, seguindo os parâmetros da lei federal n.º 12.990 de 2014, além de outras medidas decorrentes do ajuste.


Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial é provocado

 


A provocação ao Compir de Divinópolis partiu do membro do Conselho Municipal de Educação. Ele tratou a ausência das cotas raciais como "omissão inaceitável que vai contra os princípios de reparação histórica e justiça social". Prática que, segundo ele, deve orientar as políticas públicas.


"Quando se trata de reparação histórica, é dever de toda a sociedade, e principalmente dos órgãos públicos, atuar em prol da justiça social. Sabemos que ainda há muito a ser feito para que a reparação histórica à população negra seja concretizada de maneira plena. Mesmo após 136 anos do fim formal da escravidão, continuamos enfrentando os desafios", argumentou em ofício ao conselho.


Ele então pediu que o Compir se posicionasse formalmente, exigindo respostas concretas da prefeitura. Sugeriu, ainda, o encaminhamento de denúncia ao Ministério Público e que pressionasse a vice-prefeita Janete Aparecida (Avante) e os vereadores que se autodeclaram negros, a fim de garantir a aprovação de um projeto de lei que disponha sobre a reserva de cotas em processos seletivos e concursos no município de Divinópolis.

 

A reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação da prefeitura de Divinópolis nesta quarta-feira (14/8), contudo não obteve retorno até a manhã desta quinta-feira (15/8).

 

*Amanda Quintiliano especial para o EM

compartilhe