Apresentação da dupla baiana Caetano Veloso e Maria Bethânia ocorreu no último sábado (7/9) no Mineirão. 
 -  (crédito: Tulio Santos/EM/D.A.Press.)

Apresentação da dupla baiana Caetano Veloso e Maria Bethânia ocorreu no último sábado (7/9) no Mineirão.

crédito: Tulio Santos/EM/D.A.Press.

Para uma pessoa com deficiência, uma simples saída de casa pode virar um verdadeiro pesadelo. Shows, bares, festas ou qualquer espaço de entretenimento nem sempre estão preparados para comportar o público PCD, que se sente excluído e constrangido. Relatos de desrespeito da cidadania dessas pessoas têm sido cada vez mais comuns em locais e eventos públicos de Belo Horizonte, como na apresentação da dupla baiana Caetano Veloso e Maria Bethânia, nesse último sábado (7/9), no Mineirão.

 

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A jornalista Iane Chaves, de 38 anos, viveu momentos de tensão. Ela tem uma doença degenerativa que prejudica sua mobilidade e afeta seus movimentos. O evento não foi solidário a nenhuma dessas condições, causando transtorno às pessoas com deficiência, segundo relato de Iane.

 

 

O estranhamento começou muito antes, já no ato da compra do ingresso. O site apenas solicitou que ela identificasse sua deficiência, mas não orientava sobre o acesso ao local ou qualquer outro detalhe.

 

Já no dia do evento, a falta de informações continuava. A entrada era longe do estacionamento, não havia rampas próximas, e o tempo de espera para a chegada de uma cadeira de rodas foi de 40 minutos.

 

O horário do show se aproximava, e Iane ficava cada vez mais preocupada com a ideia de perder o início do espetáculo. Era para ser uma noite memorável, mas a jornalista ainda passaria por desagrados até no momento de sair do estádio, quando relatou quase ter sido atropelada.

 

 

Falta de respeito constante

A mesma cena sempre é vista em outros eventos. Aline Castro, de 30 anos, usa cadeira de rodas e tem uma condição que se chama atrofia muscular espinhal. Ela relatou uma experiência decepcionante que teve em novembro de 2023, no show da banda Capital Inicial, no Expominas. Além das grades no envolto da área PCD serem muito altas, ela teve que ficar atrás da produção, e a visão do show foi totalmente prejudicada. 

 

Outro episódio aconteceu em julho deste ano, no festival “Prime Rock Brasil BH” no Mineirão. Dessa vez, Aline contou que os acompanhantes tiveram de ser retirados do local por falta de espaço. 

 

Ela mantém no Instagram o perfil @acessibiliBAR, onde atua como ativista pelas questões PCD. Segundo Aline, o compromisso desses eventos com a acessibilidade é determinado por lei. “Se é concedido o alvará de funcionamento, os organizadores do evento devem cumprir com as orientações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)”. Além disso, é importante que a prefeitura fiscalize a existência dos parâmetros exigidos, e, em caso de não cumprimento, é fundamental a aplicação de multa.

 

Mas não é o que tem acontecido. Com Iane, no show de Caetano e Bethânia, se a entrada foi difícil, a dor de cabeça da volta era ainda mais temida. Ela teve de optar por deixar o evento um pouco mais cedo e perdeu parte do show para tentar evitar os problemas. 

 

A jornalista Iane Chaves, viveu momentos de tensão no show

A jornalista Iane Chaves, viveu momentos de tensão no show

Marcos Vieira/EM/D.A Press

 

Mas, na saída, novamente teve de ser conduzida pela parte externa do Mineirão e ainda contou com a ajuda da amiga acompanhante que “abria espaço” para ela passar. No caminho, relatou ainda um momento desesperador, quando um motorista “jogou” o veículo na direção da cadeira de rodas. 

 

A experiência acabou sendo afetada por todo esse transtorno, e ela contou que só conseguiu assistir ao show graças à amiga, que, a todo momento, não desistiu de entrar com Iane ao local. “Talvez se estivesse desacompanhada, a experiência sequer seria possível”, desabafou a jornalista.

 

O que a lei diz? 

A Lei federal nº 10.098/2000 trata sobre a melhoria da qualidade de vida para todas as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Mas em que os produtores devem se basear para garantir um evento acessível?

 

Segundo Rodrigo Marques, presidente da Associação Mineira de Eventos e Entretenimento (Amee), a garantia para acessibilidade das pessoas PCD aos eventos é de responsabilidade dos produtores. O Mineirão, por exemplo, aluga o espaço, mas o local, as medidas, a logística e o cumprimento das normas são de responsabilidade dos organizadores. A Minas Arena, responsável pelo estádio informou que a operação do evento era responsabilidade da empresa Live Nation, a reportagem tentou contato com a empresa, mas não obteve resposta.

 

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A Norma ABNT-NBR-9050, da Associação Brasileira de Normas e Técnicas, estabelece critérios e parâmetros técnicos a serem observados quanto às condições de acessibilidade. O guia está disponível na internet e foi atualizado pela última vez em 2020. O manual possui medidas para espaços confinados comportarem cadeiras de rodas, ângulos visuais e parâmetros auditivos. 

 

Rodrigo Marques foi questionado a respeito da existência de uma fiscalização das autoridades ou até mesmo a aplicação de penalidade para organizadores que não cumprirem com esse compromisso. O presidente da associação afirmou que desconhece a existência de ambas as questões.

 

Capacitismo

Só vender ingresso para o público PCD não é o bastante. O acesso ao bilhete é garantido, mas, na prática, não há preocupação com que seja de forma digna e respeitosa, segundo relatos de pessoas com deficiência. Elas dizem que uma experiência simples de assistir a um show ou ir ao cinema torna-se algo extremamente desagradável.

 

Bruna Viterbro é uma pessoa com deficiência e atua como vice-presidente da comissão da pessoa com deficiência Subseção do Barro Preto da OAB-MG. Para ela, todo esse sentimento tem um nome: capacitismo. A advogada esclareceu que existem diversas normativas legais que amparam os direitos das pessoas com deficiência, mas é importante que elas denunciem casos de omissão e desrespeito aos órgãos competentes, como o Ministério Público.

 

Segundo Bruna, casos como o de Iane e Aline podem se enquadrar como capacitismo, que é crime no Brasil de acordo com a lei nº 13.146. Com pena de reclusão, de 1 a 3 anos e multa. Ambas podem até pleitear danos morais. 

 

A advogada possui uma deficiência que prejudica sua visão. Segundo ela, é até comum que pessoas com deficiência pensem em deixar de frequentar os eventos por receio da falta de acessibilidade, mas que tal situação precisa mudar.

 

*Estagiária sob supervisão do subeditor Thiago Prata