A realidade do emprego para pessoas com deficiência (PCD) em Minas Gerais está aquém do necessário para a dignidade e civilidade. Levantamento realizado pelo Projeto de Inclusão de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho (SRT/MG) indica que, de 4.253 empresas com obrigação legal de contratar pessoas na Lei de Cotas, apenas 60% cumprem o esperado.

 

 

Apesar de estar longe dos 100%, a média mineira é ainda maior que a média nacional, contabilizada como 53%. Dessa maneira, das 85.628 vagas disponíveis, aproximadamente 51.376 são ocupadas por pessoas com deficiência, segundo dados são do Esocial, sistema administrado pelo Ministério do Trabalho.

 



 

Para Patrícia Siqueira, Auditora Fiscal do Trabalho e Coordenadora do Projeto de Inclusão de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho - SRT/MG, o não cumprimento total ainda é culpa da barreira do capacitismo e preconceito.

 

“Infelizmente, ainda existem empresas que têm realmente preconceito, barreiras atitudinais e discriminação com relação à contratação de pessoas com deficiência”, afirma a auditora. “O empresariado e a sociedade, infelizmente, são capacitistas, com um preconceito de achar que essas pessoas não têm condições de realizar alguma coisa. E quando elas realizam, entende-se como superação. E não é uma superação, não é assim que a gente deve enxergar”, argumenta.

 

 

A Lei de Cotas (Lei 8.213/91) exige que empresas com 100 ou mais empregados reservem entre 2% e 5% das vagas para trabalhadores com deficiência ou reabilitados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

 

“Esse percentual é aplicado sobre o somatório de empregados de todos os estabelecimentos da empresa. Então soma-se os empregados de todas as filiais daquela empresa, estando elas em Minas ou não. Então tem empresas com matriz em Minas que são fiscalizadas aqui, mas que possuem estabelecimentos em outros locais do Brasil, mas são fiscalizadas por aqui porque a matriz está aqui. Então soma-se esses empregados, o total de empregados e aplica-se esse percentual e aí calcula-se qual é a cota desta empresa”, explica Patrícia.

 

O não cumprimento da lei pode levar a uma multa de até R$265 mil ao empregador.

 

 

 

Adaptações do mercado de trabalho

 

Segundo a auditora fiscal do trabalho, alguns empregadores alegam que pessoas com deficiência estão em falta no mercado de trabalho, que elas não têm qualificação, ou que o número de pessoas com deficiência existente não é suficiente para suprir a demanda do mercado.

 

“São todos mitos porque as estatísticas nos mostram exatamente o contrário. O que falta é realmente que as pessoas invistam na inclusão”, argumenta Patrícia. Para ela, é necessário investimento em adaptações de espaços e flexibilização de funções para o cumprimento integral da cota.

 

 

É o que também pensa Oscar Capucho, revisor de documentos em braile com deficiência visual total. Ele conta que é necessário que as empresas compreendam as especificidades de cada pessoa com deficiência. “A gente ainda é colocado todos dentro da mesma caixinha e acredito que ainda é preciso entender a demanda de cada um, a forma como cada um pode contribuir para ter um trabalho pleno”, afirma o revisor.

 

Para ele, também é necessário que a pessoa com deficiência estude e se especialize para diferentes vagas. No seu caso, não encontrou dificuldades na entrada do mercado de trabalho formal. “Eu tive sucesso porque o meu trabalho é bem específico, eu sou uma pessoa cega e eu trabalho como revisão de documentos em Braille, então não tive nenhuma dificuldade para atender a esse quesito”.

 

Ele conta que a deficiência não o impede de realizar trabalhos na empresa, principalmente os manuais. “Hoje também existe a ferramenta no computador do programa de leitor de tela que facilita às pessoas com deficiência visual a poder responder e-mails e afins”, comenta.

 

 

Barreira da invisibilidade

 

Outra questão que impede o pleno cumprimento da Lei de Cotas é a invisibilidade designada aos assuntos relacionados à pauta PCD, como argumenta Patrícia. “Se uma pessoa cadeirante não consegue ter acesso a um estabelecimento comercial porque não tem acessibilidade, muitas pessoas veem todo dia e não fazem nada. Se a gente visse uma placa impedindo a entrada, ficaríamos chocados. Isso passa por nós de uma forma despercebida. É preciso uma consciência coletiva dessa visibilidade dessas pessoas e da quebra das barreiras atitudinais para que a gente efetivamente avance na inclusão”, afirma a auditora.

 

 

Entra, aqui, a importância da inclusão de pessoas com deficiência por meio da lei. “92% das pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho estão empresas obrigadas ao cumprimento da lei de cotas. Se a gente não tivesse a Lei de Cotas, a gente não teria pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho. Tanto que as pesquisas mostram que o número de pessoas com deficiência no mercado informal é muito maior que o número de pessoas que não têm deficiência no mercado informal. Então, a gente precisa da política de cotas para corrigir uma desigualdade existente nas oportunidades do trabalho”, conta Patrícia.

 

Empresas mineiras com políticas de inclusão

 

Apesar do número alto de empresas sem inclusão, várias empresas têm políticas específicas para o emprego de profissionais PCDs. É o caso da empresa de tecnologia de informação Montreal. Segundo Lucia Alvarenga, diretora regional da empresa, o quadro de empregados com deficiência abrange todos os setores da empresa.

 

“Na empresa, temos pessoas com mobilidade reduzida que trabalham no desenvolvimento de dados e no setor comercial, outras pessoas com deficiência visual que trabalham na conferência de materiais em braille, além de pessoas com neurodivergência que entram como menores aprendizes, com uma equipe de apoio. As nossas vagas são abertas para todas as pessoas, mas em questão de percentual, a empresa mantém um percentual acima de 5%, sempre oscilando devido a entradas e saídas naturais”, conta.

 

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A porcentagem é o valor definido para o cumprimento da Lei de Cotas. Na empresa, o valor é equivalente a 150 colaboradores.

 

É similar o caso da rede de supermercados Verdemar, que adota o programa “Inclusão como Valor”. O projeto, além de pessoas com deficiência física, abrange o emprego de pessoas neurodivergentes, o que lhes dá a oportunidade de evoluir na empresa. “Todos os nossos funcionários têm oportunidade de crescimento. Após seis meses, podem participar de processos seletivos internos, concorrendo a novas posições. Também oferecemos cursos profissionalizantes, reforçando nosso compromisso com o desenvolvimento contínuo”, explica Leandro Souza de Pinho, superintendente de Recursos Humanos da empresa.

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