Na campanha eleitoral, o agora presidente eleito da Argentina, Javier Milei, classificou o Mercosul como

Na campanha eleitoral, o agora presidente eleito da Argentina, Javier Milei, classificou o Mercosul como "um comércio administrado por estados para favorecer empresários"

crédito: Luis Robayo/AFP

Entidades ligadas ao agronegócio acreditam que as relações comerciais do setor entre o Brasil e a Argentina não serão abaladas, apesar de Javier Milei, de 53 anos, presidente eleito no país vizinho, já ter feito ataques ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de quem diverge ideologicamente. Entretanto, as posições do novo presidente argentino ao Mercosul – bloco que criticou durante a campanha eleitoral – podem acabar atrapalhando o Brasil na tentativa de conquistar novos mercados no agronegócio, segundo economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) consultado pelo Estado de Minas.

Em 2022, Milei, economista libertário, manifestou apoio ao então candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) e chamou Lula de “presidiário”. Agora, o ultraliberal adota tom mais pragmático. “Desejo que nosso tempo juntos como Presidentes e Chefes de Governo seja uma etapa de trabalho frutífero e de construção de laços que consolidem o papel que Argentina e Brasil podem e devem desempenhar na comunidade internacional”, disse Milei, em carta encaminhada ontem a Lula.

Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) mostram que a Argentina é o 12º principal parceiro comercial de Minas Gerais, com a participação de 1,5% no total das exportações do agronegócio. De janeiro a outubro deste ano, a receita com as vendas do agro mineiro para o país sul-americano foi de US$ 176 milhões. No período, 209 toneladas de produtos foram embarcadas do Brasil para a Argentina.

Os números significam um crescimento de 60% no valor e de 405% no volume, já que, no mesmo período do ano anterior, a receita de exportações foi de US$ 110 milhões, com o embarque de 41 mil toneladas de produtos do setor. No rol dos mais vendidos apareceram produtos do complexo soja, café e cacau. Nas exportações mineiras, a Argentina ocupa a terceira posição, com US$ 1,7 bilhão e 756 mil toneladas, respondendo pela fatia de 5% das vendas totais ao exterior.

Vale dizer que, segundo dados da Academia Latino-Americana do Agronegócio (Alagro), o agronegócio de Minas Gerais está presente em 182 países e faturou mais de R$ 50 bilhões de janeiro a setembro de 2023. A nível nacional, a Argentina foi o 18º parceiro comercial do agronegócio brasileiro em 2022, com aquisições de US$ 1,86 bilhão.

CRÍTICAS AO BLOCO

O professor e economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) Felippe Serigati avalia que a 18ª posição do Brasil nas relações comerciais do setor agropecuário com o país sul-americano é relativamente pouco expressiva. “Exportamos para eles principalmente bens manufaturados e não agropecuários, até porque a Argentina é um importante produtor na cadeia do agro. Nesse aspecto, não somos parceiros comerciais, mas concorrentes”, pontua.

Cabe lembrar que, durante a campanha presidencial, Javier Milei qualificou o Mercosul como “uma união aduaneira defeituosa” e “um comércio administrado por estados para favorecer empresários”. Logo, há a expectativa de que o novo presidente argentino tente interferir nas regras desse mercado comum.

“Há negociações para um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. O que está travando a celebração desse acordo, do lado dos europeus, como França e Holanda, é o questionamento sobre a abertura da fronteira para a entrada de produtos agropecuários, principalmente do Brasil. Eles temem perder concorrência, pois nosso país é muito mais competitivo, por ter uma gama bem mais ampla de produtos. Para o agro brasileiro, o acordo pode inserir o Brasil no segundo maior mercado consumidor do planeta, hoje ocupado pela União Europeia, ficando atrás só dos Estados Unidos. Porém, dependendo da postura do Javier Milei, o Mercosul pode ficar fragilizado e, assim, o nosso país perderá essa oportunidade”, explica Serigati.

AVIDEZ POR DÓLARES

Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), Rubens Barbosa, as divergências ideológicas entre Lula e Milei não devem impactar as relações comerciais com a Argentina, que, na semana da eleição presidencial registrou 142,7% de inflação anual. “O Brasil é o maior mercado para o trigo argentino, e o novo governo não vai abrir mão disso, inclusive por necessitar de dólares para suas reservas”, avalia.

Segundo dados da Abitrigo, o Brasil importou 4,4 toneladas de trigo da Argentina em 2022, o equivalente a cerca de 31% do total exportado pelo país. Em 2021, foram 5,4 toneladas. “A queda, na ocasião, ocorreu em virtude da forte redução da produção naquele país, quando uma grande seca afetou toda a produção agrícola argentina”, diz Barbosa, que também é ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

O presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, também não vê impacto nos segmentos de avicultura e suinocultura. “Não acredito que ocorrerão alterações nas relações com o mercado argentino em decorrência das eleições do país vizinho. Temos uma relação comercial consolidada e não se espera que questões além das mercadológicas influenciem o cenário”, pontua.

Considerando que “a alternância de poder é normal nas democracias sólidas”, o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), Antônio de Salvo, avalia que as tratativas do agronegócio não serão impactadas. “Nós temos uma boa relação comercial com a Argentina. Então, esperamos que o governo eleito continue tendo uma atitude cordial com a gente”, inicia.

“Vale ressaltar que nossos produtores rurais têm amargado prejuízos com a importação desleal do leite argentino, uma vez que a produção leiteira deles recebe subsídios diretos do governo. Essa é uma situação que precisa ser rapidamente solucionada. Como representante da Faemg, gostaria de parabenizar o presidente eleito e reforçar que continuamos valorizando os governos democráticos da América do Sul”, finaliza.