Thiago Madureira*
Santiago, Chile – Por trás de excelentes vinhos chilenos, o esforço de empreendedoras brasileiras. A região de Casablanca, em Valparaíso, guarda duas histórias de amor à bebida protagonizadas pelo empenho de Angela Mochi e Angélica Romero. As duas estão à frente dos negócios na Attilio & Mochi e Casa Romero, respectivamente. Angela não tinha nenhuma ligação com o Chile antes de 2011, quando desembarcou no país de mala e cuia com o marido Marcos Attilio. Eles eram donos de três empresas no Brasil e ganhavam um excelente salário, mas estavam cansados da rotina estressante.
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“A gente se conhece na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), somos engenheiros de alimentos. O Marcos se especializou em destilação e abriu uma empresa que dava assessoria para cachaçaria. A gente viajava Minas Gerais inteira para comprar cachaça, ia para Salinas era normal, a gente comprava cachaça na mão do senhor Anísio”, disse, numa referência ao produtor rural mineiro, Anísio Santiago, que criou a famosa cachaça Havana.
Além disso, eles abriram uma empresa importadora de bebidas no Brasil. “Foi nos anos 1990, ano em que o mercado brasileiro se abriu. E a gente viajava e via que muitos vinhos não estavam no Brasil, vimos aí uma grande oportunidade. Chega 2009, a gente veio para o Chile a trabalho e depois tiramos férias. Fomos para um lugar que não tinha nada por sugestão de um amigo: Tunquem, uma praia na costa de Casablanca, ficamos isolados, é um refúgio natural onde os pássaros param para descansar, onde é uma rota para baleias”, disse.
“A gente chega lá e para o carro 2km antes e tem que ir caminhando. A praia é linda, com dunas, morros e um mar muito bonito. Mas não tem internet, energia elétrica, não tem água encanada. Fiquei dez dias sem internet, sem celular, e foi espetacular. O problema foi voltar para o Brasil e enfrentar o dia a dia depois. A gente pensou: ‘para que eu quero descer’. Isso foi em 2009 e em 2011 a gente veio para cá”, completou.
A reação da família foi a pior possível com essa mudança drástica de vida. “A mãe do Marcos disse quando nos visitou pela primeira vez: ‘o que você veio fazer neste fim de mundo? Só tem cordilheira aqui’. Quando a mãe dele veio para cá, não tinha nada. E o pessoal achou que era muita loucura, porque a gente deixou para trás três empresas que estavam muito bem”, frisou.
O terreno onde fica a produção de Angela e Marcos é relativamente pequeno. Trata-se de uma baixada no qual é possível ver o início e o fim da propriedade. O espaço está quase todo plantado com oito tipos distintos de uva. O conceito é produção sustentável e em escala humana de vinhos de alta qualidade, que atingem preços altos no exterior. Eles já exportam para vários países.
“É um negócio sustentável do ponto de vista social, ambiental e do ponto de vista financeiro e que seja duradouro. A gente quer uma empresa pequena, manejável e ir agregando valor, porque acho que o vinho chileno é importado a valores muito baixos”, disse. Por ano, 14 mil garrafas de vinhos são produzidas na Attilio & Mochi. São oito variedades plantadas no terreno, com foco nos tintos: Cabernet Franc, Malbec, Pinot Noir, Syrah, Sauvignon Blanc, Viognier, Roussane e o primeiro Grenache de Casablanca.
Casa Romero
Bem perto da propriedade de Angela e Marcos está a Casa Romero, onde Angélica Romero nos recebeu. O sotaque gaúcho é inconfundível para quem viveu quase toda infância e adolescência em Porto Alegre, nasceu no Chile. “Eu tinha um ano e meio quando me mudei para o Brasil. Para mim eu era brasileira, porque quando tive noção do mundo, eu estava no Brasil. A minha primeira língua é o português, me socializei no Brasil, comecei a falar no Brasil, e voltei aos 18 anos. Às vezes, me sinto mais brasileira do que chilena”, disse.
O sonho da produção de vinho nasceu em função do gosto de Raúl Romero, pai de Angélica, pela bebida. “Meu pai foi para o Brasil e estava envolvido no projeto do metrô de Porto Alegre. E, depois, voltou ao Chile para trabalhar com um grande empresário. E esse empresário colocou uma vinícola e falou com meu pai para auxiliar nesse processo. Meu pai foi para a França e para a Itália conhecer o processo de produção e a estrutura e se empolgou. Disse que ia fazer uma vinícola para ele também. Quando ele começou a fazer os vinhos, ele comprou os tanques e abriu esse terreno em 2009”, disse.
Em 2012, Angélica assumiu o comando da empresa e ampliou a produção, investindo nos processos para aumentar a qualidade do vinho. Hoje, 60% das cerca de 45 mil garrafas produzidas anualmente são exportadas para o Brasil. Ao todo, a Casa Romero produz nove títulos.
“O Brasil tinha costume de importar vinho barato, agora estão apostando em vinícolas pequenas, que trabalham mais a qualidade para levar um produto diferente, aqui é tudo feito a mão, a gente respeita os processos e preza por um produto de muita qualidade” - Angélica Romero, dona da Casa Romero
* O repórter viajou a convite da ProChile, organização internacional do governo chileno