Minas Gerais e Bahia vão receber florestas de macaúba dentro de um megaprojeto voltado à transição energética global. A iniciativa terá R$ 12 bilhões para a produção de Combustível Sustentável de Aviação (SAF) e diesel renovável a partir da planta nativa brasileira, da qual é possível extrair óleo vegetal para biocombustíveis. O investimento será por meio da Acelen, empresa de energia criada pelo fundo Mubadala Capital, dos Emirados Árabes Unidos.
As áreas onde as florestas serão plantadas, em 200 mil hectares, são 100% degradadas e ainda estão sendo escolhidas. O empreendimento bilionário com a proposta de atingir o cultivo comercial da planta em 10 anos foi apresentado em dezembro durante a 28ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP28), em Dubai.
No distrito de Nova Esperança em Montes Claros, no Norte de Minas, a Acelen está implantando o Centro de Inovação e Tecnologia Agroindustrial (Cita). Por lá, a previsão é criar 260 postos de trabalho. O parque de pesquisas compreenderá um laboratório de produção e germinação de sementes de macaúba, com tecnologia robotizada e célula autônoma de produção, além do emprego de inteligência artificial e um pré-viveiro com capacidade para fabricar até 10 milhões de mudas por ano.
O investimento inicial no Cita é de R$ 125 milhões. As obras começam no início do próximo mês, após a aprovação do processo de licenciamento ambiental, e a finalização de todas as instalações está prevista para o fim deste ano. O espaço de 15 hectares está sendo construído em uma área total de 138 hectares.
Conforme estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgado pela Acelen, a previsão é que, ao todo, sejam movimentados R$ 85 bilhões na economia dos dois estados até 2035. O levantamento também aponta para a geração de mais de 90 mil postos de trabalho diretos e indiretos e redução em 80% das emissões de dióxido de carbono (CO2) por meio da substituição dos combustíveis fósseis — o que posicionará a empresa como uma das maiores produtoras de combustíveis renováveis do mundo. A produção do chamado diesel verde e combustível de aviação sustentável será feita, a princípio, visando o mercado externo, onde esses produtos já são aprovados para comercialização.
Diretor e porta-voz da Acelen Renováveis, Marcelo Cordaro explica que, inicialmente, a biorrefinaria, a ser construída ao lado da refinaria de petróleo Mataripe S.A., na Bahia, adquirida em junho de 2021, concentrará os esforços na produção de SAF e diesel renovável a partir de matérias-primas sustentáveis já existentes, como gordura animal, óleos de milho, soja e canola, entre outras. “A incorporação da macaúba ocorrerá em médio prazo, considerando que a planta demanda de quatro a cinco anos para produzir frutos e oito anos para atingir a estabilidade produtiva. Conforme o estudo da FGV, a movimentação bilionária na economia elevará o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Minas e da Bahia”, frisou.
A estimativa, segundo ele, é de que, a partir de 2026, a Acelen atinja uma produção anual de um bilhão de litros de diesel renovável e Combustível Sustentável de Aviação, o que compreenderia cerca de 20 mil barris por dia. “Apesar desse prazo, o projeto já tem atraído interesse significativo de produtores, e o processo de cadastramento já está em andamento. A projeção inicial é a instalação de pelo menos cinco hubs de agroindústria de macaúba, com viabilidade para o Norte de Minas e a Bahia, mas ainda não temos definição das localidades e do volume nos dois estados. O momento é de prospecção”, explicou.
Pesquisas
Em junho, a Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, celebrou um acordo com a refinaria Mataripe para condução do projeto Macafuel — nome que compreende a junção da abreviação de macaúba com “fuel”, combustível em inglês. A parceria decorre do pioneirismo da instituição de ensino nos trabalhos de melhoramento genético da espécie e na domesticação para sistemas de produção agrossilvipastoril, uma prática de combinação entre espécies florestais, produção animal, além de culturas agrícolas.
O acordo prevê, ao longo de cinco anos, um investimento de R$ 5,7 milhões em três linhas de pesquisa. O professor e pesquisador do Departamento de Agronomia da UFV Leonardo Pimentel diz que uma das etapas consiste no melhoramento genético. Os estudos iniciais estão sendo feitos na Unidade de Ensino, Pesquisa e Extensão (Uepe) de Araponga, na Zona da Mata mineira, pertencente à universidade.
“A gente cultiva no mesmo ambiente plantas coletadas em diversas regiões para avaliar a produtividade, precocidade de produção e estabilidade. Então, o primeiro momento serve para nivelar aquelas plantas que têm características agronômicas produtivas desejáveis. A partir daí, levamos o material selecionado para outras localidades com o objetivo de avaliar a estabilidade no processo produtivo. Porém, esse trabalho tem um custo muito elevado, que não seria possível de ser executado sem uma parceria privada, no caso, com a Acelen”, diz Leonardo.
Outro momento da pesquisa a cargo da UFV compreende a mensuração do quanto de CO2 deixará de ser emitido na atmosfera por meio da substituição de um combustível fóssil por um biocombustível originado a partir da macaúba. “Vamos realizar o balanço de carbono, que compreende a diferença entre emissões e remoções de gases de efeito estufa da atmosfera em um determinado intervalo de tempo. Uma única planta de macaúba é capaz de estocar uma tonelada de CO2 durante seu ciclo produtivo. Então, o balanço pode melhorar ainda mais. Contudo, é preciso medir”, observa.
A terceira etapa do projeto Macafuel prevê o refino das técnicas de cultivo e dos padrões de adubação da terra. “Nessa fase serão estabelecidos arranjos tecnológicos para definir os espaçamentos mais adequados no solo e, assim, obter maior produtividade. O processo compreende ainda estratégias de adubação da planta com a finalidade economizar os custos de produção. Em resumo, trata-se de maximizar a produtividade com o menor custo e o melhor resultado ambiental possível”, pontua.
Além da UFV, principal universidade envolvida, a Acelen diz que mais de 15 instituições de pesquisa estão integradas ao projeto. Em Minas, a empresa de energia conta com apoio da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) também dá suporte às operações.
Ouro verde
O Brasil é líder mundial na produção de bioenergia, proveniente dos biocombustíveis que são produzidos direta ou indiretamente de biomassa de origem biológica, como plantas, resíduos orgânicos, carvão vegetal e microorganismos. Nesse sentido, tem destaque, por exemplo, o biodiesel sustentado, principalmente, pela soja, aponta o pesquisador da UFV.
“Essa cadeia sustenta a balança comercial brasileira. É importante esse entendimento para não desmerecermos as outras culturas com a afirmação de que a macaúba é o ouro verde, embora a fama seja justificada, pois essa planta gera, assim como a soja, outros produtos, sendo possível retirar o óleo e gerar farelos proteicos para alimentação humana e animal. Ou seja, além da matéria-prima para o combustível, é possível produzir alimentos na mesma área. Ainda tem a grande vantagem de ser uma floresta com palmeiras e, com isso, há um grande acúmulo de carbono. É como se estivéssemos produzindo combustível em uma floresta. Isso seria uma vantagem em relação aos demais biocombustíveis, o que não significa que eles sejam ruins”, finaliza.
Com espinhos no tronco e nas folhas, a macaúba também recebe o nome de coco de espinho e pode atingir de cinco a 15 metros de altura. O fruto é dividido em quatro partes: casca, polpa, endocarpo (parte dura em volta da semente) e amêndoa. É da polpa que vem o óleo empregado na produção de biodiesel e bioquerosene. Já o óleo da amêndoa é mais adequado à fabricação de cosméticos. O endocarpo, por sua vez, pode virar carvão ativado, usado para purificar gases e líquidos.
Estudos de quase duas décadas
A produção de matérias-primas sustentáveis, reflorestamento e restauração de áreas degradadas dá o tom do trabalho de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias, produtos e protocolos que vem sendo realizado com a macaúba há mais de 17 anos em Viçosa e João Pinheiro pela S.Oleum, dedicada à produção com carbono negativo, em larga escala, para a transformação das indústrias de energia, química e de alimentos.
A meta inicial é reflorestar 180 mil hectares até 2028, plantando mais de 65 milhões de palmeiras de macaúba, e instalar unidades bioindustriais em cidades mineiras que ainda serão definidas. Isso é possível em decorrência do melhoramento genético da macaúba desenvolvido desde 2007 pela empresa, que pretende, a médio prazo, entrar no mercado de biocombustíveis. “Somos pioneiros no desenvolvimento e domesticação da macaúba, com know-how na germinação da semente, produção das mudas e manejo florestal. Dessa forma, nos tornamos a única empresa no mundo com capacidade de escalar a produção para centenas de milhares de hectares com genética de alta produtividade”, diz o vice-presidente da S.Oleum, Felipe Morbi.