A Estrada de Ferro Vitória - Minas (EFVM), que liga a capital do Espírito Santo a Belo Horizonte, é uma das duas últimas ferrovias com transporte regular de passageiros no Brasil. Apesar das viagens diárias, com um trem partindo de cada ponta, moradores ao longo do trajeto têm dado preferência ao meio de transporte para fazer viagens curtas entre cidades próximas.
O Estado de Minas foi a estações próximas de BH para ouvir histórias de passageiros que preferem o trem a ônibus e carros, por ser um deslocamento mais barato e mais seguro do que os feitos pelas rodovias locais. Pessoas que, inclusive, endossam o coro por mais horários, ramais e linhas de trem em seus municípios.
“Lá na minha cidade passa de 12h às 13h. Se fossem dois horários, cedo e à tarde, seria melhor”, afirma o pecuarista José Tito Diogo, que pega o trem entre a estação de Barão de Cocais, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e a estação de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, que fica próxima ao seu destino, o município de Tumiritinga.
“É perto da minha casa e hoje pago só a metade, porque sou um menino mais graduado”, diz aos risos, sobre o desconto para idosos. “E é também conforto. Hoje tem um sistema limpo, o pessoal não fuma, não bebe, então, é outra coisa. Bem familiar”, comenta Tito.
O baixo custo do transporte ferroviário em relação ao rodoviário também atraiu a trabalhadora doméstica Valeria Martins da Silva, de 54 anos. “O trem é mais em conta e eu teria que pegar três ônibus para chegar de Rio Piracicaba até Santa Bárbara”, afirma. O trajeto mencionado por ela entre os municípios vizinhos em Minas Gerais custa R$ 14 pela EFVM, enquanto a soma das passagens de ônibus necessárias ultrapassa R$ 40.
"Temos optado pelo trem"
No vagão restaurante, a reportagem do EM conversou com os empresários Zegama e Telcilene Dalla, de Colatina, no Espírito Santo, que estavam com o filho, Arthur, de 23 anos. “Meu outro menino passou na faculdade de medicina em Belo Horizonte e a gente está fazendo esse trajeto quase que sempre agora”, diz o pai.
“Fizemos de ônibus também, mas é um pouco mais cansativo e ficamos apreensivos na estrada. Então, temos optado pelo trem. Já viemos de classe econômica e, desta vez, conseguimos a executiva”, explica Telcilene. Ao todo, eles passam 11 horas viajando pela estrada de ferro, que tem 664 quilômetros de extensão e 30 pontos de embarque e desembarque. A viagem de BH a Vitória custa R$ 73 (econômica) e R$ 105 (executiva).
O modal também mexe com o imaginário das crianças, como o pequeno Benício Barcelos Leandro, de 3 anos, que, segundo a avó Gerlaine Linhares, de 56, está animado com a primeira viagem. “Meu neto quer passear de trem. A minha nora é de Santa Catarina e eles vieram ficar na minha casa, aí estamos aproveitando os momentos com eles”, diz.
Modelo completa 10 anos
Os oito vagões de passageiros, que aumentam ou diminuem conforme a época do ano, são divididos em duas classes: econômica e executiva. Ambos são fechados, com ar-condicionado, mas possuem algumas diferenças.
Além das cadeiras, que se tornam mais largas e confortáveis, também são acrescidas cortinas e sistemas individuais de som, iluminação e tomada elétrica. O atual modelo do trem, fabricado na Romênia, completa 10 anos de uso nesta linha este ano.
Longe das estações, a internet móvel é interrompida e um serviço de compra de sinal 3G/4G está disponível no restaurante, onde existe uma antena para que as máquinas de cartões funcionem.
Por este motivo, o vagão se torna o único local possível para comprar comidas e bebidas sem precisar de cédulas de papel, já que os carrinhos que passam pelo trem não têm conexão. No cardápio, há muitas opções para quem passa horas viajando, incluindo almoço e jantar, mas sem a venda de bebidas alcóolicas.
A ferrovia é operada pela mineradora Vale, por meio de um contrato de concessão firmado com a União, em 1997. Além do trem Vitória - Minas, a empresa também controla a outra linha de passageiros de longa distância do país: a Estrada de Ferro Carajás (EFC), com 870 quilômetros, que liga Parauapebas, no Pará, a São Luís, no Maranhão. Nenhuma outra concessionária no país oferece o serviço de transporte de passageiros, se restringindo ao transporte de cargas.
Trens do passado
Se hoje os trens de passageiros que partem de Belo Horizonte estão reduzidos à linha que alcança o Espírito Santo pelo Vale do Rio Doce, há algumas décadas era possível viajar para muitos outros destinos saindo da capital mineira. Alguns bem distantes, inclusive. Por isto, cada linha tinha os chamados “trens de subúrbio”, que faziam ligações curtas, entre Belo Horizonte e cidades da região metropolitana.
Pela Estrada de Ferro Central do Brasil, por exemplo, era possível viajar de BH ao Rio de Janeiro, por meio do Vera Cruz, um trem de luxo que partia toda noite ligando as duas capitais. Por essa ferrovia, também era feita a ligação com as cidades de Congonhas, Jeceaba, Belo Vale, Moeda, Brumadinho, Mário Campos, Sarzedo e Ibirité.
Ainda na Central do Brasil, havia a Linha do Centro. A partir dela saíam os trens que ligavam Rio Acima, Nova Lima, Raposos e Sabará ao Centro de Belo Horizonte. Já pela Rede Mineira de Viação, os trens seguiam em direção ao Triângulo Mineiro, com direito a uma ferrovia que levava os moradores de Betim e de Contagem à capital mineira.
Fora dos trilhos
O Estado de Minas publicou reportagem especial em 18/2 sobre o transporte de ferroviários de passageiros, mostrando como o Brasil abandonou o sistema que já teve 89 milhões de usuários por ano, conectando um território continental, e sucateou seu rico patrimônio.
O especial traçou uma linha do tempo com os principais acontecimentos que nos trouxeram a este cenário, por meio de documentos históricos e entrevistas com antigos passageiros, associações, órgãos e especialistas da área.
A estação de partida para a série foi o anúncio do Ministério dos Transportes, no começo de janeiro, de que a Região Sudeste não tem trechos previstos na futura Política Nacional de Transporte Ferroviário de Passageiros (PNTFP).