Há 30 anos, o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, ia ao auditório do Programa Sílvio Santos no SBT apresentar, com exemplos corriqueiros que iam do preço de um batom ao valor da diária de uma faxineira, um ambicioso plano de estabilização econômica que acabaria com a hiperinflação no país.
O episódio foi relembrado nas redes sociais da Fundação FHC para marcar as três décadas da entrada em vigor da URV (Unidade Real de Valor), um índice de referência para o valor real de preços descontando a alta inflação do cruzeiro real, em 1º de março de 1994.
Em meio a uma ofensiva de comunicação para explicar a população o que era a URV, que serviria de transição para a implementação do real em julho daquele ano, o então ministro do governo Itamar Franco foi ao programa popular do SBT.
Logo na apresentação do ministro ao público, Silvio Santos introduz o tema pronunciando a sigla URV como uma palavra, "urvi", ao que é corrigido por FHC.
"Os meus funcionários perguntam se eles vão perder alguma coisa com a 'urvi'. O que é que o senhor acha, ministro? Eles vão perder?", questiona o apresentador.
"Olha, primeiro esse 'urvi' o nome é muito feio, né? Eu gosto de falar URV", responde o ministro, que seria eleito presidente da República no fim daquele ano.
"Hoje, como você sabe, com a inflação, a gente pensa que ganha um montão de dinheiro, mas, quando vai comprar, o montão sumiu, porque a inflação corrói o salário. É sorvete no asfalto quente, desaparece o salário. Então essa URV é uma maneira de você não perder, porque eu vou definir o salário fixo em URV", afirmou.
FHC explica, então, que o salário seria atrelado à inflação e que a população veria o preço correspondente à URV, estável em relação ao dólar, para ter uma referência do preço sem o aumento da inflação.
"Uma empregada doméstica, por exemplo, chega na minha casa, eu digo para ela: 'Olha, fulana, você vai ganhar 100 cruzeiros'. Como hoje é dia primeiro, então ela sabe que está ganhando 100. Só que, quando eu vou pagar para ela no dia 30, vou puxar uma nota de 100 e dar para ela. Acontece que aquela nota de 100, com uma inflação de 40% [ao mês] que nós estamos tendo, ela recebe os 100, mas não vale 100, vale 60. Agora, com a unidade real de valor, eu vou chegar perto da empregada e dizer: 'Olha, você vai ganhar 100 cruzeiros'. Acontece que, se a inflação for de 40%, no final do mês, ela não vai receber só os 100. Ela vai receber 140", exemplifica Silvio Santos.
Silvio usa ainda o exemplo de fabricantes de sapatos para explicar o que são oligopólios e dizer que o governo fiscalizaria aumentos abusivos de preços.
"O sapato não é oligopólio", diz FHC. "Mas vamos supor que fosse", continua, antes de dizer que fabricantes não poderiam se unir para definir em conjunto um preço acima da inflação.
Outro bem que o apresentador escolhe para exemplificar o tema é o batom, "porque a maior parte aqui do meu auditório usa batom", diz, dirigindo-se à plateia majoritariamente feminina.
"De acordo com a nossa programação, certamente, na pior das hipóteses, no segundo semestre, a inflação caiu, acaba", diz FHC, defendendo o plano. "Por que não faz já? Porque a população tem que participar, tem que entender, tem que se acostumar a calcular [os preços] de maneira fixa, estável, na URV."
Silvio encerra o programa fazendo um apelo para que a população tomasse a URV como referência para ajudar a estabilização dos preços.
"O que o ministro deseja, o que nós, brasileiros, que zelamos pela nossa pátria, desejamos, é que você nos faça um favor. Veja quanto custam as coisas, mas veja em cruzeiros e transforme imediatamente em URV. Essa é a primeira lição da cartilha. Veja quanto você está pagando por qualquer coisa, por uma gravata, por um quilo de feijão, por uma roupa, por uma saia, por um corte de cabelo. Veja quanto você está pagando em cruzeiros e transforme imediatamente em URV. Se você fizer isso, nós já passamos do primeiro para o segundo ano", conclui.