A inflação que incide sobre o preço dos alimentos nos primeiros dois meses de 2024 já atingiu o dobro do índice geral, representando um aumento real no preço dos produtos. Situação que tem preocupado o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA,) calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o grupo “Alimentação e Bebidas” acumula alta de 2,34% neste ano.
No recorte mensal, o preço dos alimentos têm uma variação positiva desde outubro de 2023, quando o IPCA registrou 0,31%. Porém, nos últimos cinco meses, o crescimento mais acentuado foi em janeiro, quando o índice subiu para 1,38%. Tanto especialistas, quanto o próprio governo federal apontam como fatores decisivos para essas altas uma sazonalidade dos produtos e eventos climáticos extremos que atingiram o país no período.
Na quinta-feira passada (21/3), o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, voltou a se reunir com Lula, dessa vez em uma confraternização com cerca de 60 fruticultores na Granja do Torto, em Brasília. O titular do Mapa disse não ter “bola de cristal” para saber quando os preços começarão a baixar, mas ressaltou que os índices já estariam melhorando. “A previsão da área econômica é de deflação no preço dos alimentos neste primeiro semestre”, afirmou Fávaro.
Semestre deve fechar em queda
O otimismo para uma redução ainda no primeiro semestre é compartilhado por especialistas ouvidos pela reportagem. O coordenador dos índices de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre), André Braz, reforçou que o momento de alta nos alimentos está muito concentrado nos in natura (produtos de sacolão), que tradicionalmente estão em um momento de variação positiva no verão, potencializados pelo efeito do El Ninõ, que provocou elevação nas temperaturas e volumes de chuva.
“Isso tudo fez com que os alimentos in natura apresentassem uma alta ainda maior em seus preços. A pressão inflacionária foi grande em raízes, tubérculos, hortaliças, legumes e frutas, tudo ficando mais caro. Essa concentração de reajustes em torno desses itens fez com que a inflação dos alimentos subisse bastante, mas a boa notícia é que isso é um efeito sazonal. Não vai durar muito tempo. A aproximação do outono já deve colocar fim nessa pressão”, explica.
O IPCA aponta que tubérculos, raízes e legumes tiveram a maior alta acumulada até o momento, com os preços variando positivamente em 16%. Em janeiro, o índice subiu em 11,14%, enquanto em fevereiro a variação foi de 4,36%.
Preços menores no fim do ano
Segundo André Braz, boa parte da inflação será “devolvida” em meses de clima mais a menos, uma vez que a oferta desses alimentos deve ser recomposta com rapidez. Isso ocorre por se tratar de produtos com lavouras curtas. A expectativa do economista é que a queda seja acentuada no segundo semestre.
Tomando 2023 como exemplo, os preços tiveram uma queda acentuada entre junho, de 0,66% negativo, e setembro, de 0,71% negativo. Durante o período, a inflação acumulada no ano no grupo “Alimentos e Bebidas” registrou deflação de 1,02%. Porém, em março o índice já apresentava estabilidade de +0,05%.
“Essa alta toda que embalou o aumento dos alimentos no início deste ano deve orientar também a queda dos preços ao longo dos próximos meses, principalmente no segundo trimestre de 2024, e há tudo para isso acontecer. Uma questão mais grave seria se esse aumento entre os alimentos fosse mais espalhado, incluindo em carnes bovinas, suínas, aves, pães e laticínios em geral, o que não está acontecendo”, afirma André Braz.
Oferta baixa, custo em alta
O entressafras nos produtos in natura também é apontado por especialistas como um dos motivos da alta acentuada nos preços. Consultor econômico do Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de MG (Ipead), entidade ligada à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Diogo Santos explica que é comum o aumento nos alimentos da metade para o fim do verão.
O economista também reforça que as questões climáticas prejudicaram a oferta de mercadorias nas Centrais de Abastecimento (Ceasa) e, principalmente nos sacolões. “Se chega menos, o produtor tem a possibilidade de cobrar mais, e o comerciante também, porque as pessoas querem comprar na mesma quantidade. A demanda não mudou, então o preço acaba sendo pressionado para cima”, explica.
O Ipead faz o levantamento da inflação na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), destacando também o aumento dos preços em especial no grupo de alimentos in natura.
“Esses produtos sofrem mais com a variação climática. São mais sensíveis, tanto para a produtividade, quanto para a qualidade da colheita. Além disso, eles possuem uma validade mais curta, se não colhe no período correto, não vem uma colheita melhor fora de época. Acaba gerando o efeito de aumentar muito o preço quando se tem uma situação adversa como vivemos nos últimos meses”, emendou.
Exportação encareceu o arroz
Diogo Santos também apontou o aumento no preço do arroz como um agravante para o aumento no grupo de alimentos. No entanto, o cereal tem sido muito impactado pelo mercado internacional, já que a Índia, maior exportadora do produto, reduziu as vendas para o exterior e os produtores brasileiros impulsionam a sua participação no mercado externo. Em BH, o produto acumulou uma alta de 8% nos últimos meses, segundo o Ipead.
No Brasil o aumento no arroz em 2024 já é de 10,32%, de acordo com o IBGE. Em janeiro, a variação positiva foi de 6,39%, enquanto em fevereiro foi de 3,69%. Diogo explica que uma das maneiras de controlar a variação na alimentação seriam com estoques do governo federal, principalmente de cereais.
“O governo está correto em se preocupar com o custo da alimentação, que é muito importante para as famílias. É importante que o governo crie políticas que estimulem a produção e, ao mesmo tempo, o estoque dos alimentos. No momento em que houver uma menor oferta, os estoques podem ser vendidos e impedir que o preço aumente muito”, disse.
Política de estoques públicos
Lula havia prometido restabelecer a política de estoques públicos, com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) anunciando a primeira compra de alimentos em junho, após anos sem estímulo. No entanto, a empresa adquiriu basicamente milho em 2023, enquanto arroz, feijão, e outros produtos estão com o estoque zerados.
Apesar da preocupação do governo, a tendência é que os preços caiam ao longo do ano. O Ipead, por exemplo, registra que até este momento os alimentos in natura já estão em queda em BH. “Estamos em um momento de normalização nesse crescimento. Quando a gente considera a segunda prévia da inflação de março, o custo da alimentação em residência caiu em Belo Horizonte. Caiu pouco, cerca de 0,16%, mas é a primeira queda desde novembro”, comenta Diogo Santos.
Consumidores reagem
A reportagem foi saber dos consumidores como o aumento dos preços é sentido no bolso. Com todos os subgrupos de alimentos registrando alta, menos as carnes, a reclamação é geral com legumes, verduras, hortaliças ou frutas.
O comerciante Paulo César, dono de restaurante, fazia as compras para o seu empreendimento em um hortifruti e ressaltou que só compra o que estiver em conta. Ele destacou que, do último ano para estes primeiros meses, “tudo está caro”. “Se estiver muito caro, a gente não leva, só quando está mais barato. Por exemplo, o tomate está muito caro, a batata deu uma baixada esses dias, mas ainda está muito cara”, afirmou.
Os dois itens citados pelo comerciante apresentaram uma variação acentuada em 2024. A batata inglesa, que fechou 2023 com alta de 4,18%, registra um acumulado de 38,24% nos primeiros dois meses do ano. O tomate está em alta, com 3,06%.
A dona de casa Elizia de Fátima destacou que “a maioria das coisas estão caras”, citando além dos legumes o leite e o arroz. Ela também disse perceber uma variação de acordo com o clima. “O preço não está bom. Parece que quando chove, o preço cai, quando tem sol, volta a subir. O chuchu tem vez que aparece R$ 8 o quilo, laranja R$ 6 ou R$ 7, e a cebola está muito cara”, comentou.
Cálculos para fechar as compras
Maria de Judá trabalha como empregada doméstica e também tem percebido a alta no valor dos alimentos. “Tudo está subindo demais. Banana, arroz, feijão, os preços estão todos diferentes. Está cada dia mais caro, e os preços só sobem”, disse.
Ela destacou o preço da banana, um produto que se perde muito fácil, e que no momento foi flagrado em quase R$ 14 o quilo. A banana prata, mais comum de ser achada nas vendas de bairro, tem um aumento acumulado em 17,45%, de acordo com o IPCA calculado pelo IBGE.
Já a enfermeira Débora Carolina Lopes, de 37 anos, disse que divide as compras mensais com uma colega de apartamento, mas ainda sente o preço no bolso. “A carne e os alimentos básicos, como arroz, feijão, batata e tomate, estão pesando mais no orçamento. Como eu divido com minha amiga, consigo me equilibrar sem comprometer muito”, frisou.
As carnes, bovinas e suínas, registraram queda de 0,5% até o momento. O grupo teve uma das principais quedas em 2023, com uma variação negativa de 9,37%. As aves e os ovos fecharam o último ano com queda de 6,78%, sendo que nos primeiros dois meses de 2024 tiveram alta de 1,66%.