SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Texto de difícil compreensão e ações incoerentes. Foi com essas palavras que especialistas de energia definiram a MP (medida provisória) que o governo assinou nesta terça-feira (9) em cerimônia no Palácio do Planalto.
Anunciada como alternativa para reduzir a tarifa e promover energia verde. O resultado prático é um alívio momentâneo no preço, entre 3,5% e 5%, segundo a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas que vai gerar a prorrogação de subsídios para empresas que não precisam e o aumento da conta de luz, a partir de 2029, em no mínimo 7%, segundo cálculos privados.
"É preciso uma pedra de roseta para decifrar a MP", afirmou Jerson Kelman, ex-diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), em uma referência ao fragmento arqueológico que possibilitou a tradução dos hieróglifos egípcios.
"Qual será o aporte para a modicidade tarifária, quem fará o cálculo? Suponho que a Aneel. Talvez esteja dito na MP, mas é preciso um trabalho de detetive para decifrar", disse Kelman.
Na cerimônia, não se falou em detalhes técnicos, muito menos sobre números, mas a dinâmica proposta na MP para a redução do preço da energia, vista no conjunto, não tem vantagem para o consumidor no longo prazo, afirmam especialistas.
O ponto que causou mais descontentamento foi a prorrogação do prazo dos subsídios dado ao setor de energia renovável no uso das linhas de transmissão. Já há uma lei determinando o fim desse benefício, porque as empresas são lucrativas e não precisam dele.
No entanto, há mais de um ano, há forte pressão dos estados do Nordeste, onde se concentram parques solares e eólicos, pela prorrogação do benefício.
O desconto foi incluído em projetos de lei no Congresso, mas terminaram não avançando. Agora, ressurge por orientação do governo federal.
Um estudo sobre o efeito dos subsídios, realizado pela consultoria PSR, avaliou que, se a extensão do desconto na transmissão fosse autorizada para 63,8 GW de renováveis, o custo anual, a partir da entrega dos projetos em 2029, elevaria o custo da conta de luz em R$ 4,5 bilhões ao ano pelo prazo que durasse a concessão ?isso representaria um aumento de 2,3% na conta de luz.
O ex-diretor da Aneel Edvaldo Santana buscou os dados e identificou que ao menos 90 GW em projetos de renováveis estariam aptos a reivindicar a prorrogação do subsídio. Nesse caso, pelas suas estimativas, o adicional ficaria entre R$ 17 bilhões e R$ 19 bilhões.
Esse montante, por baixo, elevaria a conta de luz em 7% ao ano.
"Até vão conseguir agora uma redução pequena com as medidas, mas eu fico chateado porque estão contratando um aumento, e é logo ali, em 2029", afirmou à Folha após a cerimônia de assinatura da MP. Os números foram adiantados em sua coluna no jornal Valor Econômico.
A queda viria da antecipação dos recursos da Eletrobras, que também está prevista na MP.
A lei de privatização estabeleceu que a empresa terá de fazer repasses para fundos regionais (da Amazônia Legal, das bacias do São Francisco e Parnaíba e da área de influência de Furnas). Seriam R$ 8,8 bilhões em dez anos.
Também ficaram acertados repasses para reduzir, ao longo de 25 anos, a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), na qual se concentram os subsídios e custos adicionais repartidos com os consumidores. Foram R$ 5 bilhões em 2022 e, a seguir, cerca de R$ 1 bilhão ao ano.
A MP viabiliza a busca de uma solução de mercado. Espera-se a securitização desses pagamentos futuros com um grupo de bancos para quitar especificamente a despesa com dois empréstimos, o da Conta Covid, que socorreu as distribuidoras na pandemia, e o da Conta de Escassez Hídrica, que na seca de 2021 bancou energia mais cara das térmicas.
Na prática, as instituições financeiras antecipariam os valores a receber da Eletrobras, cobrando pela operação taxas de administração e juros, avaliam os especialistas. O governo ainda não deu detalhes.
Ou seja, trata-se de uma operação de crédito, não de uma mudança estrutural, e os seus custos serão pegos pelo consumidor.
"Não sei se fizeram todas as contas, mas não detalharam os valores e o racional não faz sentido", afirmou o presidente da Frente Nacional dos Consumidores, Luiz Eduardo Barata.
Em nota divulgada ao mercado, a entidade deixou claro o posicionamento: "No momento em que o setor elétrico e a sociedade brasileira buscam caminhos para diminuir o preço da conta de luz dos brasileiros ?uma das mais caras do mundo? este não deveria se o caminho".
"A Frente Nacional dos Consumidores de Energia avalia como incoerente e prejudicial a proposição de regras que aumentam os encargos que compõem a tarifa e ainda antecipam recursos futuros criando uma despesa adicional que acabará recaindo sobre os consumidores nos próximos anos."
A avaliação da frente é que, ao contrário do que o todo o setor elétrico tem defendido, o MME (Ministério de Minas e Energia) persiste em apresentar medidas isoladas e paliativas, sem ouvir a sociedade e o setor.