SAN DIEGO, EUA - Hábitos pessoais dos clientes, como horários comuns de transações bancárias e até a maneira de segurar o celular, se tornaram a principal ferramenta de bancos para evitar fraudes em meio ao avanço da inteligência artificial generativa, que pode ser usada para fraudar os sistemas de biometria.
Isso porque a tecnologia que permite a criação de imagens, textos e áudios pode replicar rostos e vozes, o que facilitaria o acesso indevido a contas bancárias.
"Essas tecnologias podem ser manipuladas e precisamos entender isso", afirma Scott Zoldi, diretor da Fico, que fornece softwares aos maiores bancos do Brasil, durante evento nos EUA sobre novidades na tecnologia bancária.
A cada transação ou compra no cartão de crédito, diversos dados são coletados pela instituição financeira, além dos tradicionais valores e destinatários da operação. Bancos coletam também horário, localização e até a maneira como se segura o celular e efetua os passos de segurança.
"(A segurança de bancos) sempre será uma defesa em camadas. Então, mesmo que a IA possa roubar minha voz e meu rosto, é bem mais difícil me simular, e é aí que os dados da transação são realmente importantes", diz Zoldi, que coleciona mais de 130 patentes em modelos matemáticos de analise de dados e IA. "Qualquer transação que o ladrão fizer não é a que eu teria feito", completa.
Quanto mais dados os bancos tiverem, maior a chance deles detectarem fraudes com precisão, o que pode evitar burocracias e facilitar a usabilidade do consumidor, sem colocar a segurança em risco.
Compartilhamento de dados
Esse processo nos bancos também inclui o open banking, compartilhamento de dados de um mesmo cliente entre instituições com autorização prévia, e a chamada hiperpersonalização, que é a capacidade de desenhar produtos bancários individuais, de acordo com as necessidades e finanças de cada um.
"São modelos que preveem se a pessoa pode ou não comprar determinada coisa, se tem o dinheiro para aquilo, se compraria aquilo, ou se foge dos seus hábitos, e até se poderia estar sendo coagido. Se a ação desviar um pouco do padrão, ela já pode levantar suspeita", diz Zoldi.
Apesar dos constantes avanços na tecnologia bancária, os modelos analíticos e as políticas internas dos bancos ainda apresentam diversos dos chamados falsos positivos, ou seja, a identificação errônea de fraude.
Para Zoldi, a correção desse tipo de falha é uma questão de sofisticação e aprimoramento tecnológico. "Com o tempo, eles ficarão cada vez melhores", diz.
Novo score de crédito
Outro uso para os dados pessoais é na concessão e na cobrança mais assertiva de crédito, segundo os especialistas no setor.
Com a hiperpesronalização e análise de todas as informações possíveis de cada cliente, os bancos são capazes de automatizar o design de produtos personalizados de acordo com a necessidade, capacidade de pagamento e momento de vida de cada cliente.
Isso pode ser útil por exemplo na oferta de financiamentos imobiliários, quando o cliente começa a buscar valores de imóveis, e na cobrança, com o canal (Whatsapp, email, ligação etc.) e o momento mais adequado para fazê-la.
Com tantos dados sobre salário, gastos e hábitos de consumo, especialmente com o open finance, as instituições financeiras também estão incorporando um novo tipo de score de crédito, independente do gerado pelos tradicionais birôs, com uma metodologia própria.
"Bancos e financeiras não estão usando as informações da maneira que deveriam", diz Albert Morales, diretor da Belvo, companhia que, em parceria com a FICO, está por trás da proposta de um novo score dos bancos, que ainda está em fase de testes.
Segundo Morales, o novo modelo terá atualizações imediatas, diferente das notas de SPC e Serasa, por exemplo. "O score normal é mais lento. Na pandemia ele não funcionou porque demora para ser atualizado. Fora que checar a sua nota reduz pontos nesse score tradicional", diz.
Mais limite no cartão
Uma das novas possibilidades que deve estrear neste ano no mercado brasileiro é a concessão pontual de crédito acima do limite mensal do cartão.
Imagine uma situação em que um correntista está próximo do seu limite no fim do mês, mas faz uma compra no supermercado que costuma frequentar, em um valor corriqueiro. Ao invés de barrar essa transação rotineira, o banco permite que naquele mês a fatura extrapole um pouco o teto, mas sem alterá-lo para os próximos meses. Já compras anormais continuariam a ser barradas.
"Hoje, cerca de 30% das transações no crédito não aprovadas são por falta de limite, mas em todos os portfólios (dos bancos) há um limite sendo concedido que não está sendo utilizado", afirma Antonio Soares, presidente da Dock, empresa que desenvolveu essa nova tecnologia em parceria com a FICO. "Essa ferramenta ajuda o banco a distribuir melhor o risco de crédito", diz ele.
Segundo o executivo, em até seis meses as instituições brasileiras devem passar a oferecer a novidade aos clientes.
A jornalista viajou a convite da FICO