O PL 3/2024 aprovado pelos deputados federais pode impedir que processos esbarrem na falta de transparência, desvios e calotes -  (crédito: Mario Agra/Câmara dos Deputados)

O PL 3/2024 aprovado pelos deputados federais pode impedir que processos esbarrem na falta de transparência, desvios e calotes

crédito: Mario Agra/Câmara dos Deputados

Amaury Ribeiro Júnior e Mateus Parreiras - Um processo de falência que já se arrasta há 29 anos promete ainda estar longe de solução. Como a reportagem do Estado de Minas mostrou na edição do dia 9/5, a liquidação de bens e direitos da mineira Construtora Marialva para seus credores, fornecedores, trabalhadores e sócios esbarra na falta de transparência, em acusações de desvios e calotes contra advogados e administradores judiciais para formação de esquemas de enriquecimento.

 

Um dos casos que o projeto de lei de falências (PL 3/2024) aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado pode impedir no futuro, principalmente por tirar dos juízes a escolha de administradores da massa falida e transferindo isso aos maiores interessados, que são os credores.

 

Enquanto isso, há processos milionários que seguem sob desconfiança das partes. Dois escritórios de advocacia concentram a maioria dos processos de falência e recuperação judicial em Minas Gerais, segundo apuração da reportagem do Estado de Minas junto à Justiça. Juntos, Paoli Balbino & Balbino, de Otávio Paoli Balbino, e Osmar Brina & Sérgio Mourão - Advogados, de Sérgio Mourão Correa Lima, administram cerca de 80 casos, entre os quais se destacam os da Mineradora Samarco, 123 Milhas, Banco Progresso e Consórcios Uniauto.

 

Os dois escritórios fazem parte da falência da Construtora Marialva. Mourão é advogado da empresa falida e Otávio de Paoli Balbino de Almeida assumiu em 2018 a administração judicial da falência. Credores e interessados da massa falida afirmam que ele estaria protelando a conclusão da falência para manter os vencimentos sem dar transparência sobre os destinos de ativos e recursos da construtora. O administrador nega, afirmando que “os atuais ativos disponíveis em favor da Massa Falida são insuficientes para a realização de pagamento da integralidade dos credores”.

 

Otávio de Paoli Balbino de Almeida estagiou no escritório de Sérgio Mourão Lima Correa durante a faculdade de direito. Sua mãe, a ex-desembargadora Márcia Balbino, costumava nomear o escritório Brina Mourão Lima para lidar com casos de falência, como o do Banco Progresso, que já se arrasta há mais de duas décadas. Sérgio e Otávio são como o aluno que ultrapassou o mestre.

 

Polêmicas

Mourão já foi considerado o “rei” das falências. Após polêmicas envolvendo os casos de falência que ele gerenciou, os juízes evitam indicá-lo para novos casos de recuperação judicial. Com a queda de reputação de Mourão, Otávio cresceu e ocupou o espaço deixado pelo seu mentor. Recentemente, Otávio foi escolhido para lidar com grandes casos de recuperação judicial, como os da mineradora Samarco e da agência 123 Milhas. Ele contratou dois advogados que costumavam trabalhar com Mourão, como Hugo Moreira Barbosa e Délio Matos de Oliveira.

 

O Grupo Almeida Júnior, que foi sócio ao lado da Construtora Marialva de uma empresa que detinha parte da construção de um shopping em Blumenau (SC), afirma que é afetado por extensão de falência e acusa o administrador judicial de ter imposto uma tese de que o shopping deve à construtora, pedindo bloqueios de quantias milionárias em conluio com peritos parciais em vez de dar andamento ao processo de falência e pagar aos credores.

 

“O que eles (administrador judicial e os peritos) perseguem são multas diárias milionárias produzidas no processo. Mas a verdade é que nunca foram atrás da cobrança do principal. Nós é que tivemos que instaurar o incidente para apurar o que eventualmente seria devido e o administrador judicial não o fez, pois sabe que corre o risco de não ter crédito a receber”, afirma o grupo Almeida Júnior.

 

“Nós é que tivemos que promover a ação de apuração de haveres (saber se ainda resta alguma dívida da construtora na sociedade que construiu o shopping) e ajuizar uma ação de cumprimento de sentença, pois o administrador judicial sabe que as multas diárias são infinitamente superiores à eventual crédito porventura existente. Fabricar multas foi a única forma que se achou para efetivamente criar supostas cobranças contra a Almeida Júnior”, acusa o grupo.

 

“O presente processo está sendo desviado de seu objetivo e regras legais, apenas em benefício da Administração Judicial e de seus respectivos contratados, os quais se remuneram com altas somas mensais, as quais ultrapassam a cifra de R$ 2,5 milhões”, afirma em petição o grupo Almeida Júnior.

 

Perícia

O escritório Paoli Balbino & Balbino diz que o grupo Almeida Júnior tenta intimidar os peritos com ações contra eles para protelar os pagamentos para a massa falida da Construtora Marialva. “O Grupo Almeida Júnior pleiteou o impedimento da atuação do Perito Contábil nomeado pelo Juízo Falimentar, claramente, na tentativa de intimidar e de protelar o início da perícia a ser realizada, visando gerar tumulto processual”, afirma.

 

O escritório Osmar Brina & Sérgio Mourão - Advogados afirma que defende a construtora apenas em recursos de instâncias superiores e que o caso Marialva é diferente dos demais falimentares no Brasil. “A falência da Marialva Construtora é superavitária, o que significa que haverá recursos para pagamento de todos os credores e sobra de recursos para a Falida. É absurdo que a Falida tenha interesse em protelar o encerramento da falência”, afirma.

 

Já a Paoli Balbino & Balbino advogados afirma que, “desde que foi nomeada pelo Juízo Falimentar, em 20 de abril de 2018, não vem medindo esforços nas tentativas de arrecadar ativos para integrar o patrimônio da Massa Falida. Tanto é que, passados apenas três meses de sua nomeação, apresentou, nos autos da Falência, Auto de Arrecadação Complementar contendo novas arrecadações em favor da Massa Falida de participações societárias de sociedades e de empreendimento imobiliário do Grupo Almeida Júnior”.

 

“Não se sabe se a falência é ou não superavitária. Não se pode falar em superávit sem antes apresentar o Quadro Geral de Credores e prestar contas dos débitos e dos pagamentos realizados. A verdade é que o Administrador Judicial omite a realidade da falência para, se valendo da proteção do judiciário, criar créditos contra a Almeida Júnior, a partir de diversos incidentes abusivos”, acusa o grupo Almeida Júnior.