Equipamento e moveis foram inventariados pela Justiça na sede da All Saúde, no Centro de BH -  (crédito: Cristina Horta/EM/D.A.Press)

Equipamento e moveis foram inventariados pela Justiça na sede da All Saúde, no Centro de BH

crédito: Cristina Horta/EM/D.A.Press

Com a quebra do plano de saúde milhares se viram sem cobertura entre os 35 mil beneficiários assistidos, sendo 80% deles idosos acima de 60 anos de idade. A falência da Administradora Brasileira de Assistência Médica em Saúde LTDA (All Saúde), iniciada em 2017, ainda causa divergências entre seus credores, fornecedores, trabalhadores e clientes, muitos com dúvida se o processo já não poderia ser encerrado e todos pagos. Situação que se tornou comum pela falta de transparência das administrações judiciais, o que leva parte dos credores a dizer que as falências estejam sendo proteladas para manter vencimentos recebidos da massa falida e controle sobre ativos arrecadados, como a reportagem do Estado de Minas mostra desde 09/05.

 

Casos de décadas em processo falimentar, como o da Construtora Marialva, de Sete Lagoas, há 29 anos se arrastando, sendo que dois ex-juízes e dois administradores judiciais foram afastados justamente por acusações de desvios de ativos da massa falida, como mostra o EM. Ao mesmo tempo, a falta de transparência seguiria na atual administração judicial, o que é negado pelos gestores. Situações que podem se tornar mais claras caso o Projeto de Lei 03/2024, aprovado na Câmara de Deputados e aguardando votação no Senado. Se aprovado, a escolha da administração da falência deixa de ser feita por um juiz e passa a ser votada pelos credores.

 

 

A reportagem do Estado de Minas apurou junto à Justiça que em Minas Gerais, os escritórios Paoli Balbino & Balbino, propriedade de Otávio Paoli Balbino e Osmar Brina & Sérgio Mourão - Advogados, de Sérgio Mourão Corrêa Lima mantêm a maioria das falências e recuperações judiciais. Juntos, administram cerca de 80 falências e recuperações, que envolvem a Mineradora Samarco, 123 Milhas, Banco Progresso, Construtora Marialva e All Saúde. A nova legislação não permite que se administre mais de uma empresa com dívida maior que 100 mil salários mínimos. 

 

Os dois escritórios que atuam no caso Marialva também o fazem no caso All Saúde, onde se apuraram 539 ações, sendo a maioria no sistema eletrônico Projudi-MG, com 242 ações, e 99 no Tribunal Regional do Trabalho (TRT3). Diante desse número de ações, correu por parte dos administradores um pedido para ampliação das equipes com a contratação de escritórios de advocacia auxiliares e de outros profissionais.

 

 

No processo de falência, o antigo dono da empresa disse que faliu devido a "excesso de intervenções da Agência Nacional de Saúde (ANS)". Sobre os bens da falida a serem liquidados para pagamento da massa falida, foi apresentado divergências, sobretudo ao débito declarado que precisaria ser revisto, por entender que poderia ter ocorrido duplicidade e a maior. 

 

Já os administradores judiciais observaram que desvio patrimonial das falidas poderia estar em curso, pois o endereço de onde operava a All Saúde era o mesmo onde outras empresas estavam em funcionamento. Com isso, a suspeita e a arrecadação do patrimônio antes de que fosse dilapidado. 

 

Foram arrecadados seis pavimentos do Hotel Itatiaia, no centro de Belo Horizonte, desde os quartos, áreas comerciais, salas, galerias entre outros, nomeados depositários fiéis para guarda e arrecadação de aluguéis em nome da massa falida. Em seguida, o mesmo se deu e um grande inventário de equipamentos médicos, móveis e insumos arrecadados na Rua dos Caetés, 186.

 

 

Os dois escritórios fazem parte da falência da Construtora Marialva, umas das mais longas do país com processo. Mourão é advogado da empresa falida e Balbino é administrador judicial. Os credores e falidas relacionadas à construtora de Sete Lagoas - que quebrou depois de algumas construções entregues e não pagas, como a de um shopping em Blumenau (SC) - afirmam que os advogados prolongaram intencionalmente o processo e que não teriam interesse em encerrar as falências. 

 

O escritório Paoli Balbino & Balbino informa não haver qualquer protelação, mas que "os atuais ativos disponíveis em favor da Massa Falida são insuficientes para a realização de pagamento da integralidade dos credores". Já o Osmar Brina & Sérgio Mourão - Advogados informou que "não exerce a Administração Judicial da Massa Falida da Marialva Construtora; tampouco advoga para a Falida (Marialva Construtora) em 1ª instância, limitando-se a acompanhar recursos perante o TJMG e o STJ".

 

 

LEI NOVA 

 

A deputada Daniela Cunha (União Brasil-RJ), que foi responsável por analisar o projeto de lei 03/2024 na Câmara dos Deputados, em conversa com o EM, disse que proposta vai desburocratizar, acelerar e moralizar o andamento dos processos de famosas falências que se arrastam há mais de 20 anos. Ela conta que existem casos recorrentes em Minas Gerais e no país, envolvendo especialmente a construtora Marialva, que motivaram a elaboração de seu parecer para as alterações na legislação de falências.

 

Segundo a deputada, as situações envolvendo as falências da Marialva, Banco Progresso e outros, com a participação de advogados e administradores judiciais, comprovam a importância de seu relatório na revisão do projeto de lei de falências, que visa acelerar a resolução dessas questões. "Além de estabelecer normas éticas, combatendo possíveis acordos ilícitos que favorecem um grupo de administradores judiciais desonestos, responsáveis pela maioria esmagadora das falências e recuperações judiciais de grande valor no país", declarou a deputada.

 

 

Ela acredita que todos compartilham o mesmo propósito de tornar duradoura a solução, visando também garantir seus lucros. A única maneira de concretizar isso é com a aprovação do Senado e a sanção pelo governo do projeto que eu apresentei e que já foi aprovado pela Câmara.

 

A nova lei cria o cargo de gestor escolhido pelos credores e não por juízes. O administrador judicial passa a ter o mandado fixado em três anos e só pode assumir a administração de uma única empresa com dívida de mais de 100 mil salários-mínimos.


ENTREVISTA

 

Confira a antrevista com o diretor jurídico do Grupo Almeida Junior, Albert Abate. O grupo tenta acelerar na Justiça o processo falimentar da Construtora Marialva, de quem foi sócia no empreendimento de um shopping em Blumenau e se considera atingida pela falência.

 

 

Como se iniciou a relação entre o grupo Almeida Júnior e a Construtora Marialva?

 

Em 1991, o Grupo Almeida Junior constituiu a NBS Ltda. Foram vendidas participações minoritárias. A Marialva era uma das sócias e foi responsável pela construção do Shopping Neumarkt, em Santa Catarina. A Marialva não cumpriu com deveres o que culminou com a sua diluição. A NBS detinha 50,1% da implantação do shopping. A participação da Marialva no capital era de 19,09% e o Grupo Almeida Júnior era o sócio majoritário. A Marialva emitiu contra a NBS “títulos frios”, que foram utilizados para garantir a operação de capital de giro firmada junto ao Banco do Brasil. Os títulos foram protestados, acarretando problemas para a NBS e em decorrência desta conduta ilícita. Em 2000, foi declarada a falência da Marialva e as cotas que ela detinha da NBS foram arrecadadas.

 

 

Qual a relação da Marialva com a SNB Participações e debêntures de sua emissão?

 

Os nomes das empresas podem se confundir (NBS e SNB), mas a relação da Marialva com as duas é muito diferente. Os sócios da NBS acreditaram que o financiamento, as luvas cobradas dos lojistas e as vendas de participações, iriam gerar recursos suficientes para cobrir a totalidade dos investimentos. O custo do shopping ficou acima do orçado e a projeção de receitas não se efetivaram como previsto. A mudança da moeda para o plano real meses após a inauguração do empreendimento também acabou por agravar essa situação. Hoje, é fato que a Marialva detém 126 debêntures em frações ideais do Shopping de Blumenau.

 

 

Segundo o advogado da Construtora Marialva há crédito milionário contra o Grupo Almeida Júnior.

 

Supostos valores milionários cobrados pelo atual administrador judicial não correspondem à realidade, é parte de uma estratégia do administrador judicial, com auxílio de peritos parciais, para cobrar o maior valor possível da Almeida Junior. Não há um título contra a Almeida Júnior ou, ainda, algum pagamento inadimplido. O administrador se baseou em cálculos, preparados pelo perito, sendo também o assistente contador da massa falida da Marialva. Esse assistente atuava para a Marialva e, também, foi nomeado pelo juízo da falência.

 

Qual a postura quando a administração judicial conseguiu um bloqueio financeiro contra o Grupo?

 

Contratamos fiança bancária no valor R$ 120 milhões junto ao Banco Itaú para a garantia integral dos valores equivocadamente cobrados pelo administrador judicial, para não sofrer mais com bloqueios de contas e ativos até que os seus recursos sejam julgados. Até o momento, o pedido nosso de aceitação da fiança não foi aceito pelo administrador judicial ou pelo juiz da falência

 

O advogado da Construtora Marialva afirma que a falência é superavitária. Qual a sua posição?

 

Não se pode falar em “superávit” sem antes apresentar o Quadro Geral de Credores e prestar contas dos débitos e dos pagamentos realizados. É um jogo de compadres, entre o administrador judicial e o advogado do falido, ambos mantêm relação de parceria em outras falências. Em 2009, o atual administrador era do escritório do advogado.

 

 

Porque o Grupo afirma que o perito nomeado é parcial?

 

Ele atuava como contador e assistente da Massa Falida e foi nomeado como perito judicial para atuar em dois outros processos envolvendo a Marialva. Essa nomeação é ilegal, pois, o contador está impedido, nos termos da lei, de exercer tal função, porque também atua para a Marialva.