SÃO PAULO, SP - A medida que acaba com a isenção de imposto de importação para compras internacionais de até US$ 50, popularmente chamada de "taxa das blusinhas", instalou uma corrida contra o tempo para aqueles que estão com o carrinho de compras cheio em plataformas como Shein e AliExpress.
Aprovado nessa quarta-feira (5/6) no Senado, o texto que prevê mais 20% de carga tributária sobre itens vindos de fora do país foi incluído no projeto de lei do Mover, programa para descarbonização do setor automotivo - manobra conhecida como "jabuti", quando uma medida ganha dispositivos sem relação com o texto inicial.
A proposta ainda precisa passar pelo aval da Câmara e ser sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas quem quer economizar nas compras internacionais não vê motivos para esperar até a data da provável sanção sair: para eles, tempo é dinheiro.
Assim que viu as notícias sobre a "taxa das blusinhas", o curitibano Thiago Francisco, 31, correu para garantir seus produtos. "Eu tinha algumas coisas no carrinho, mas ia comprando conforme o mês, conforme o orçamento. Aí eu vi a coisa andando e decidi aproveitar. Vou fazer um esforço esse mês e sair menos, porque a diferença de preço faz valer a pena", afirma Francisco, que é engenheiro de dados.
Na Shein, ele comprou duas jaquetas e, na Aliexpress, dois guarda-chuvas, uma mochila que aumenta de tamanho, uma nécessaire e um organizador de cabos de celular. "Nada muito exagerado, mas eram itens que eu já estava namorando havia um tempo e decidi comprar agora. A taxação me deu um impulso", conta.
Para ele, o diferencial das plataformas asiáticas não é só o preço, mas a variedade e a rapidez com que os catálogos se atualizam para receber itens mais modernos. Os guarda-chuvas que comprou, por exemplo, são para deixar de reserva: de tão bons, não quer correr o risco de ficar sem.
"Eles são maravilhosos. Funcionam de forma inversa: eles fecham para dentro e a água fica represada, então não molham você. Lá fora custa R$ 70 com impostos. Aqui ou não existe, ou são vendidos por uma diferença de preço gritante, coisa de R$ 300, R$ 350", conta o engenheiro de dados.
Não é raro encontrar outros relatos do tipo nas redes sociais. Usuários do X (ex-Twitter) aproveitam do espaço para narrar a corrida pelas comprinhas ainda sem taxa e também para criticar a medida e o governo federal.
Para quem trabalha com divulgação de produtos importados, a iminência da taxação tem sido usada como estratégia de convencimento. "Aproveite para comprar antes do aumento do imposto sobre produtos comprados no AliExpress", diz um usuário do X, que faz vídeos com dicas de itens para automóveis e motos.
"Lembrando, essa pode ser uma das últimas oportunidades antes do imposto de 20% começar", diz outro, que faz propagandas de consoles de videogames portáteis.
Procurada, a Shein preferiu não se manifestar sobre um possível aumento nas vendas nos últimos dias. A Aliexpress não respondeu a um pedido de comentário até o momento de publicação desta reportagem.
Já a Shopee afirma apoiar a taxação. "Nosso foco é local. Queremos desenvolver cada vez mais o empreendedorismo brasileiro e o ecossistema de e-commerce no país, e acreditamos que a iniciativa trará muitos benefícios para o marketplace", diz, em nota à reportagem.
"Não haverá impacto para o consumidor que comprar de um dos nossos mais de 3 milhões de vendedores nacionais que representam 9 em cada 10 compras na Shopee no país", diz a nota.
Entenda o caso
A nova alíquota vem na esteira de um embate que se arrasta há mais de um ano entre as plataformas internacionais, o varejo nacional e o governo Lula.
A Receita Federal, no ano passado, tentou acabar com a isenção de pessoas físicas e taxar as compras com uma alíquota de 60% para fechar brechas para fraudes e sonegação. A medida também serviria para aliviar a pressão sobre o setor varejista, que pelos preços baixos praticados pelas plataformas asiáticas, alega concorrência desleal e enfraquecimento da indústria.
A notícia, porém, repercutiu mal e serviu nas redes sociais para ataques de bolsonaristas ao presidente Lula.
Na época, o governo teve acesso a pesquisas de monitoramento que apontaram que a grande maioria dos comentários sobre o assunto foram negativos. A primeira-dama Rosângela da Silva, Janja, e o PT foram contra o fim de isenção. O governo recuou e acabou criando o programa Remessa Conforme com a isenção de imposto de importação para as plataformas que aderissem ao sistema.
No último dia 6 de maio, no entanto, o relator do projeto que cria o Mover, deputado Atila Lira (PP-PI), incluiu a taxação como um jabuti sem a anuência prévia dos líderes da Câmara.
O relatório do deputado federal dizia que a isenção "preocupa a indústria nacional" e a sua existência gera "desequilíbrio com os produtos fabricados no Brasil, que pagam todos os impostos". O dispositivo foi mantido por pressão de varejistas no Congresso, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), embarcou na tese.
Inicialmente, a proposta de Atila Lira era de eliminar a isenção. No dia em que a projeto do Mover foi votado, porém, apresentou dois pareceres: um que propunha alíquota de 25%, outro de 20%.
O meio-termo nos 20% foi fruto de acordo selado entre líderes da Câmara e Arthur Lira, com aval do próprio presidente Lula, segundo pessoas que acompanharam as negociações.
O presidente da Câmara se reuniu com o petista para tratar do assunto. Lula era contrário à taxação e chegou a dizer que vetaria o fim da isenção, caso o Congresso aprovasse, mas se mostrou aberto a negociações.
No momento da aprovação do Mover na Câmara, Arthur Lira afirmou que o acerto foi "o possível para esse momento". Questionado se esse tema poderia ser discutido num segundo momento, disse que isso deverá ser tratado na regulação da reforma tributária.
"O segundo round virá na discussão da reforma tributária, nas questões de uma equiparação de impostos mais justos e mais claros para todo o setor produtivo. Então, nesse momento, é um passo importante que se dá. E aqui a nossa visão não foi contra ninguém, ninguém quer fazer nada contra ninguém, foi em socorro à empresa, à indústria nacional e aos empregos que ela gera de todos os brasileiros", afirmou.
Os estados já cobram hoje uma alíquota de 17% nas compras internacionais de até US$ 50 por meio de plataformas online. Se a medida for aprovada sem alterações, serão mais 20% de imposto de importação, um tributo do governo federal.