Maria do Socorro Rocha recorda as tabelas de conversão de moeda:

Maria do Socorro Rocha recorda as tabelas de conversão de moeda: "Mudança deu mais segurança"

crédito: Edésio Ferreira/EM/D.A Press

 

As lembranças dos tempos anteriores ao Plano Real e os “milhões” em notas sem valor do casal de Belo Horizonte José Adão dos Santos, taxista, e Alair da Conceição Nogueira dos Santos, professora aposentada, ajudam a compreender melhor a situação do Brasil em dois momentos. E se revelam bem distantes da realidade atual: em contraposição a notas antigas que podiam ter valor de face de meio milhão, em 2020, por exemplo, entrou em circulação a raramente vista nota de R$ 200, com o lobo-guará.

 

Quem ilumina esse caminho é o economista Diogo Santos, da Fundação Ipead (Instituto de Pesquisas Econômicas Administrativas e Contábeis de Minas Gerais), vinculada à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), entidade com 75 anos de trabalho.

 

“O Plano Real, em si, tinha nada mais que o objetivo de controlar a inflação. Mas, se o entendermos como o conjunto de mudanças macroeconômicas realizadas pelo governo federal nos anos seguintes, podemos dizer que significou uma adaptação do Estado e da economia brasileira para dar mais liberdade e garantias aos setores financeiros nacional e internacional.”

 

 

Na avaliação do economista, o Plano Real deixou legados positivo e negativo. No primeiro caso, encerrou o período de alta da inflação que o país enfrentava desde meados dos anos 1980. No segundo, criou uma armadilha de baixo crescimento econômico.

 

“Para sustentar a estabilidade de preços, a taxa de câmbio e a taxa de juros foram mantidas em um patamar que prejudicava a produção nacional, principalmente a indústria e, portanto, a geração de empregos com remuneração maior. Ainda hoje o país sofre as consequências dos efeitos negativos desses fatores. Estamos vivendo uma desindustrialização”, afirma o pesquisador.


Paridade com dólar e prateleiras cheias

O real, que inicialmente tinha paridade com o dólar (R$ 1 = US$ 1) e permitiu que as prateleiras dos supermercados oferecessem muitos importados, já sofreu, desde 1995, desvalorização de 560%. E ficou no passado um dos símbolos do programa econômico: o frango, cujo quilo custava R$ 1.

 

“Atualmente, com esse valor, não se compra nem a pele da ave. Só comparando, o quilo do frango está entre R$ 9,90 e R$ 12,99, enquanto o pé de galinha (kg) está na faixa de R$ 14”, diz Celso Roberto Souza, de 51, dono do Açougue Diamantina, estabelecimento na Feira dos Produtores, no Bairro Cidade Nova, na Região Nordeste de BH.

 

“No início do Plano Real, com o salário mínimo de R$ 70, era possível, portanto, comprar 70 quilos de frango, mas tudo mudou”, diz Celso, ao lado do caçula de três filhos, Rodrigo Emanuel Reis de Souza, de 21, estudante de história.

 

Celso Roberto de Souza lembra do frango a R$ 1. Rodrigo acha difícil conceber a situação pré-real

Celso Roberto de Souza lembra do frango a R$ 1. Rodrigo acha difícil conceber a situação pré-real

Edésio Ferreira/EM/D.A Press

 

Diante da equipe do EM, se encontram duas gerações de brasileiros. Para Rodrigo, ainda é difícil entender as mudanças econômicas e sucessivos programas na tentativa de conter a hiperinflação, e os cortes de zero na moeda.

 

O pai, que já trabalhava com comércio na terral natal, Diamantina (no Vale do Jequitinhonha) e foi ficando cada vez mais escaldado, enxergou novos rumos e veio, na largada do real, para Belo Horizonte, onde hoje tem dois estabelecimentos no setor de carne. “Não se pode perder as oportunidades na vida”, acredita.

 

Pela vitrine dos tempos

Diante da vitrine do açougue, vale refletir, com ajuda da calculadora: quando se atualiza aquele R$ 1, que comprava um quilo de frango em julho de 1994, valeria, agora, R$ 8,08. A correção tem como base a evolução da inflação oficial do governo, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, apurada entre 1º de julho de 1994 e abril deste ano. Trata-se de uma variação de 708,02%.

 

Olhando a oferta de carnes à venda, a aposentada Maria do Socorro Castro Rocha, natural de Pernambuco e moradora do Bairro Cidade Nova, acompanhou as mudanças econômicas e não se esquece da tabela de conversão da Unidade Real de Valor (URV), publicada diariamente partir de 1º de março de 1994, quando era presidente Itamar Franco e ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Quando o real entrou em cena, Rubens Ricúpero assumiu a economia, pois FHC se tornou candidato à Presidência da República – depois eleito no embalo do plano econômico.

 

A estabilidade da moeda, diz Maria do Socorro, permitiu que muitas famílias comprassem apartamento, carro, por sentirem mais segurança. “No Brasil, precisamos sempre de coragem. O real, com certeza, deu mais segurança. Antes, a gente comprava só o que podia, era tudo muito difícil”, diz a pernambucana, casada, que tem quatro filhos.