Em pesquisa nas páginas do Estado de Minas, é possível avaliar a temperatura dos tempos do lançamento do Plano Real, que chega aos seus 30 anos, e conhecer a ação de pessoas e coletivos de destaque em defesa dos consumidores, entre eles o Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais (MDC-MG), fundado em 1983 pela professora Lúcia Pacífico Homem, que depois foi vereadora e deputada estadual pelo PSDB.
Hoje, aos 89 anos, ela segue à frente do movimento nascido há 40 anos, nos tempos da hiperinflação no Brasil, com mais notoriedade quando, em atitude cidadã, homens e mulheres ganharam o apelido de “fiscais do Sarney”, para vigiar os preços praticados no comércio, especialmente nos supermercados. Em 1986, no governo José Sarney, a inflação passava de 200% ao ano.
Em entrevista ao Estado de Minas, um mês após o lançamento do Plano Real, Lúcia Pacífico apontava mudanças também no consumidor: “Ele, agora, é completamente diferente. Em 1990, havia uma necessidade de fiscalizar, de punir. O consumidor agora está mais consciente do papel de cidadania, de seu poder de força no processo econômico. Olha o produto, pensa sobre o que está comprando, avalia o preço e o devolve à prateleira se não lhe convém.”
Em 1º de agosto de 1994, o MDC-MG, com outras entidades, promoveu, em BH, o Dia Nacional do Boicote, a fim de protestar contra os aumentos abusivos de preços nos supermercados. Assim, o grupo mostrava que, independentemente do plano econômico, estava na rua para defender os direitos da população.
Coordenadora institucional do MDC-MG, Solange Medeiros de Abreu, de 74, viúva, três filhos e cinco netos, cita os tempos conturbados e consequências traumáticas para os brasileiros de seis tentativas de estabilização que naufragaram (desde 1986, os planos Cruzado I e II, Plano Bresser, Plano Verão e planos Collor I e II). “Foram muitas tentativas fracassadas, com medidas sem consistência. Era realmente um período confuso, tanto que, quando falo para os mais jovens sobre esse passado, eles dificilmente entendem.”
Para Solange, a palavra mais certa para descrever o período inflacionário é “angustiante”. Com razão, pois as famílias precisavam estocar em casa alimentos, produtos de higiene pessoal e outros materiais, devido à velocidade das máquinas de etiquetar as mercadorias no comércio. “No fim do mês, não sobrava dinheiro para investir, comprar imóveis, veículos. Com certeza, o real trouxe segurança”.
Trinta anos depois, em frente a um supermercado no Bairro Guarani, na Região Norte de Belo Horizonte, as amigas Sirleia Miranda de Oliveira, de 50, comerciante, e Maria da Luz Carvalho, de 62, com suas compras em mãos, comparam passado e presente. “Eu trabalhava em uma empresa e pedi demissão. O problema é que o acerto foi em URV, com grande perda para os trabalhadores. Então, tivemos que entrar na Justiça para receber a diferença. Com a chegada do real, muita gente foi demitida”, recorda-se Maria da Luz.
Apesar do percalço, ela tem convicção de que a estabilidade do real abriu caminho para o sucesso do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (a partir de 1º de janeiro de 2003), governo que enfrentou turbulências, mais adiante (2008), com a quebradeira no mercado imobiliário dos Estados Unidos.
As amigas comentam sobre outro símbolo do real, o iogurte, laticínio que, na “virada de chave” da economia brasileira, passou a ser consumido por todas as camadas da população, e não apenas pelos mais ricos. “Dava gosto ver todas as pessoas comprando o produto, assim como o quilo do frango se tornou mais acessível”, acrescenta Sirleia. “Com a moeda estabilizada, a população teve mais oportunidade de adquirir bens duráveis, da mesma forma que pôde viajar para o exterior”, afirma.