Plano Real completa 30 anos nesta segunda, 1º de julho -  (crédito: Soraia Piva/EM/D.A Press)

Plano Real completa 30 anos nesta segunda, 1º de julho

crédito: Soraia Piva/EM/D.A Press

 

Lá se vão 30 anos desde o lançamento do Plano Real, conjunto de medidas que colocou moeda nova em circulação no país, controlou o chamado gragão da hiperinflação – em 1993, a taxa chegou a impressionantes 2.477,15% – e injetou esperança entre famílias e confiança em investidores. Em 1º de julho de 1994, no governo Itamar Franco, o real, com a promessa de ser forte o suficiente para garantir a estabilidade econômica, após sucessivos fracassos desde 1986, chegava às mãos dos brasileiros com uma característica inédita: tinha o mesmo valor de US$ 1.

 

Naqueles tempos, o frango se tornou símbolo do sucesso do plano para recompor o poder de compra do brasileiro, com o quilo da ave comercializado exatamente por R$ 1. E o iogurte, antes restrito às mesas mais abastadas, conquistou milhões de novos consumidores. Três décadas depois, a opinião de especialistas e das famílias se divide sobre os reflexos de tantas mudanças, embora a fé no real continue firme.

 

 

“Os tempos atuais não são fáceis, mas, em qualquer época, é preciso ter controle das contas”, avalia a professora aposentada Alair da Conceição, que, ao lado do marido, o taxista José Adão, tem nas mãos um retrato das mudanças sofridas pelo país em tentativas traumáticas de domar o monstro da inflação. Por um curioso “esquecimento”, o casal residente em BH guarda 29 notas de épocas anteriores à nova moeda.

 

Os números impressos em cada cédula, hoje impressionantes, só fazem sentido com as histórias de vida que representam. “Eram tempos angustiantes. No fim do mês, não sobrava dinheiro para nada. Quase ninguém tinha recursos para investir, comprar imóveis, veículos. Com certeza, o real trouxe segurança”, destaca Solange Medeiros de Abreu, coordenadora institucional do Movimento das Donas e Consumidores de Minas, entidade que há 40 anos luta em várias frentes e declarou guerra, a partir de 1933, aos preços abusivos no comércio, especialmente nos supermercados.

 

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Milhões em notas, mas nenhum valor

Sobre a ampla mesa da casa no Bairro Aarão Reis, na Região Norte de Belo Horizonte, José Adão dos Santos e Alair da Conceição Nogueira dos Santos, que vão comemorar bodas de ouro em dezembro, mostram pedaços preciosos da história financeira do Brasil e da memória dos tempos antes do real, moeda em circulação no país desde 1º de julho de 1994.

 

Certo de que se trata de um bem mais museológico do que monetário, o casal guarda 29 cédulas como um divisor de águas e símbolo de uma época de incertezas econômicas, inflação alta, dificuldades cotidianas assolando as famílias e muito jogo de cintura para conseguir equilibrar as contas domésticas.

 

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Para se ter uma ideia, a inflação oficial no país atingia, em 1993, 2.477,15%. A título de comparação, atualmente, no acumulado de 12 meses até abril de 2024, o índice nacional alcançou 3,93%, e, na Região Metropolitana de BH, foi de 5,07%.

 

O casal Alair da Conceição e José Adão dos Santos e as notas que perderam utilidade após a transição para o real

O casal Alair da Conceição e José Adão dos Santos e as notas que perderam utilidade após a transição para o real

Edésio Ferreira/EM/D.A Press

 

“Em tempo de crise, precisamos ter controle dos gastos. É o básico. Sempre agimos assim aqui em casa. Afinal, 30 anos depois, nada ainda está fácil”, destaca Alair da Conceição, professora aposentada, com total concordância do marido, José Adão, taxista, de 74 anos – eles são pais de Hernani, de 47, e Rodrigo, de 43, e muito orgulhosos dos cinco netos.

 

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As cédulas antigas que o casal conserva têm uma trajetória curiosa, que José Adão se apressa em contar. Em 1994, antes do Plano Real, o casal viajou com os filhos, e ele, precavido, deixou o dinheiro tão bem-guardado, que, na volta, não conseguiu encontrá-lo.

 

“Como sou taxista há mais de quatro décadas, sempre procurei ter dinheiro trocado para facilitar na hora de o passageiro pagar. Então, deixei em casa”, diz o mineiro natural do Serro, no Vale do Jequitinhonha.

 

"Resolvi guardar de recordação"

Dinheiro guardado, procura daqui, procura dali, e nada de as notas aparecerem. Um sufoco. “Somente muito tempo depois, já com o real em vigor, achei o dinheiro. Mas, aí, já não tinha jeito de trocar... Não valia mais nada. Resolvi guardar de recordação”, diz José Adão, com bom humor.

 

Observar cada nota é como viajar a um tempo de sucessivos planos econômicos, em que os preços dos produtos chegavam a ser remarcados mais de uma vez ao dia e no qual, a cada mudança, o dinheiro perdia “os zeros”. “As famílias eram obrigadas a fazer a 'compra do mês’, estocar alimentos, pois tudo encarecia da noite para o dia. Lembro-me que, certa vez, compramos 60 quilos de arroz, e deu gorgulho (caruncho). Foi um custo para reaproveitar”, afirma a professora aposentada.

 

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As notas distribuídas sobre a mesa trazem as marcas de um período pré-real de triste memória. Há cédulas de 500 mil cruzeiros, com o retrato do escritor Mário de Andrade (1893-1945) e o carimbo de 500 cruzeiros reais, de 500 cruzados novos, com carimbo de 500 cruzeiros, homenageando o ecologista Augusto Ruschi (1915-1986), e ainda de 50 cruzeiros reais (antes 50 mil cruzeiros), entre outros valores.

 

“O real trouxe confiança, deu esperança, tanto que meu filho mais velho, o Hernani, pagou o curso de economia, em faculdade particular, para o mais novo, o Rodrigo. Era uma mensalidade muito alta”, diz a mãe.