SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm contribuído para a alta do dólar, em meio a um cenário de incertezas sobre os gastos do governo. Isso além do cenário externo, com juros norte-americanos em alta e a proximidade das eleições no Estados Unidos.
Na última sexta-feira (28/6), do dólar fechou o dia com aumento de 1,5% ante a quinta, cotado a R$ 5,5906. É o maior patamar desde 18 de janeiro de 2022, quando a moeda americana atingiu R$ 5,56.
As elevação parecia ter encontrado seu pico na quarta, chegando a R$ 5,518, quando Lula afirmou, em entrevista ao UOL, que era preciso saber se realmente era necessário um corte de despesas ou um aumento de arrecadação.
"O problema não é que tem que cortar. Problema é saber se precisa efetivamente cortar ou se precisa aumentar a arrecadação", disse Lula
O mercado não reagiu bem. No dia, havia outros pontos do cenário internacional influenciando o câmbio, mas o salto foi atribuído por analistas às declarações do presidente.
Na mesma entrevista ao UOL, o presidente afirmou que a inflação está controlada, mas reforçou que manterá a política de valorização do salário mínimo, que conta com parte do PIB (Produto Interno Bruto) dos últimos dois anos, além da inflação do ano anterior.
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Além disso, afirmou que não pretende desvincular o piso das aposentadorias e pensões do INSS, o que aumentou a percepção do risco fiscal.
Na quinta (27), durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o chamado Conselhão, que envolve representantes de trabalhadores e de diversas empresas do setor produtivo, Lula chamou de "cretinos" os que afirmaram que o dólar subiu na véspera por causa de suas declarações.
"Vejam o que aconteceu ontem. Quando eu terminei a entrevista [ao UOL], a manchete de alguns comentaristas era que o dólar subiu pela entrevista do Lula. E os cretinos não perceberam que o dólar tinha subido 15 minutos antes de eu dar entrevista. Quinze minutos antes!", afirmou.
"Ou seja, nesse mundo perverso das pessoas colocarem para fora aquilo que querem sem medir a responsabilidade do que vai acontecer, é muito ruim", disse no Palácio do Itamaraty.
No acumulado do mês de junho, o dólar registrou alta de 6,48%. No ano, a moeda americana registra alta de mais de 15% ante o real.
"Tem especulação com derivativo para valorizar o dólar e desvalorizar o real, e o Banco Central tem que investigar isso. Se o presidente da República que for eleito não puder falar, quem vai poder falar? O cara que perdeu? O presidente do Banco Central?", afirmou Lula nessa sexta (28/6).
Já no fim da manhã, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que ajustes fiscais muito focados em ganho de receita são menos eficientes e podem ter como resultado menor investimento, menor crescimento econômico e inflação mais alta.
O presidente do BC disse, ainda, que a desconfiança sobre as contas públicas impacta os juros de longo prazo e as expectativas de inflação.
"Ah, dizem que é importante se fazer ajuste fiscal, que o salário mínimo está alto. Que alto? Mínimo é mínimo", disse Lula, que foi aplaudido pelos presentes.
Em novembro de 2022, o presidente também havia atacado o corte de gastos. "Por que toda hora as pessoas dizem que é preciso cortar gasto, que é preciso fazer superávit, que é preciso ter teto de gastos? Por que a gente não estabelece um novo paradigma?"
No mesmo mês daquele ano, no entanto, chegou a dizer que sabe que tem de cortar gasto, sabemos que temos de ter responsabilidade fiscal. Não podemos gastar mais do que a gente ganha", e que irá respeitar a lei de responsabilidade fiscal.
O presidente se queixa com frequência da taxa de juros, e diz acreditar que a situação irá se estabilizar quando indicar o novo presidente do Banco Central. Analistas, no entanto, apontam que o cenário internacional não tende a mudar até a eleição norte-americana, pressionando a moeda internacional a altas.
No caso do aumento da última sexta, no entanto, a moeda norte-americana se valorizou ante ao real mais ligada uma disputa entre agentes de mercado pela formação da Ptax do que propriamente a Lula. A Ptax é uma taxa de câmbio calculada pelo BC que serve como referência para a liquidação de contratos futuros.
No fim de cada mês, agentes financeiros costumam tentar direcioná-la a níveis mais convenientes às suas posições, sejam elas compradas (no sentido de alta das cotações) ou vendidas em dólar (no sentido de baixa).
A disputa pela Ptax impulsionou as cotações do dólar no Brasil, ainda que no exterior a moeda americana tenha apresentado baixa. A maior parte das moedas emergentes, como o rand sul-africano e o peso chileno, registrou valorização. O real, no entanto, amargou o pior desempenho.