BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Quase sete meses após a promulgação da emenda constitucional da reforma tributária, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (10/7) o texto-base do projeto de lei que regulamenta o novo sistema tributário. Na votação dos destaques, a carne foi incluída nos produtos da cesta básica que terão isenção de impostos. 

A iniciativa detalha as regras de funcionamento do novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual, incluindo quais bens ou serviços terão carga reduzida. As definições são determinantes para calibrar as alíquotas finais da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) federal e do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) de estados e municípios.

A Câmara decidiu incluir no texto uma trava para que a alíquota não ultrapasse os 26,5% estimados pelo Ministério da Fazenda no envio da proposta, em abril. Ainda assim, o IVA brasileiro deve ficar entre os maiores do mundo. Hoje, o maior do gênero é da Hungria, de 27%.

O texto foi aprovado por 336 votos a 142, uma ampla margem em relação aos 257 votos necessários para um projeto de lei complementar avançar. Houve ainda duas abstenções. Depois, o projeto ainda precisa passar pelo Senado, onde precisará do apoio de 41 parlamentares.

O relator da regulamentação da reforma tributária, Reginaldo Lopes (PT-MG), decidiu, nos instantes finais da votação, incluir as carnes na lista de produtos da cesta básica nacional, que terão alíquota zero.

"Estamos acolhendo no relatório da reforma todas as proteínas: carnes, peixe, queijos e, lógico, o sal. Porque o sal é um ingrediente da culinária brasileira", anunciou no plenário da Câmara dos Deputados.

A decisão ocorre após dias de impasse em torno do tema e evitou um risco de derrota para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que atuou diretamente para tentar barrar a medida.



Um destaque para incluir as carnes foi apresentado pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro e da oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Como o texto-base já havia sido votado pelos parlamentares, o destaque foi apreciado para confirmar a decisão sobre a cesta básica. A emenda foi aprovada por 447 votos favoráveis e 3 contrários, além de duas abstenções.

O tratamento tributário das carnes foi um dos temas mais polêmicos durante a discussão do projeto na Câmara.

O presidente da Câmara se reuniu diversas vezes com representantes da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) para tratar do assunto. Em confraternização promovida pelo PSD na noite de terça-feira (9/7), Lira teve uma discussão acalorada com o presidente da entidade, o deputado Pedro Lupion (PP-PR), sobre a questão.

Após a decisão ser anunciada, Lupion afirmou que foi feita uma decisão "política do plenário". "A maioria dos líderes fez conta e viu que o resultado seria favorável à inclusão das proteínas. É o voto, a máxima da Câmara que a maioria tem voto e a minoria, regimento", afirmou. "Aplaudimos a decisão do relator, uma decisão política que evita uma disputa de plenário muito ruim."

Lupion afirmou que a bancada ruralista "negociou longamente" com líderes, membros do grupo de trabalho e, principalmente, com Lira. "É importante ressaltar que o presidente Arthur Lira tomou um papel de articulador nesse tema, a responsabilidade de conduzir esse tema e nunca deixou de nos ouvir. Às vezes bem, às vezes mal, muitas vezes sem concordar com nossos pleitos".

A bancada ruralista é uma das mais poderosas do Congresso e é favorável à inclusão da proteína animal. Lira voltou a se reunir com membros da FPA já com a votação do projeto em curso, na tarde desta quarta. Não houve acordo, e deputados da bancada disseram que haveria votos para aprovar o destaque.

Momentos antes de o relator anunciar a decisão de incluir proteínas na cesta básica, alguns líderes foram conversar com Lira, na tentativa de convencê-lo a recuar. De acordo com relatos de um aliado do alagoano, os parlamentares disseram que, se o tema fosse a voto, o presidente da Câmara seria derrotado.

O tema também se tornou novo foco de divergência entre Lira e o Planalto.

De um lado, Lula defendia a inclusão de carne na cesta básica, enquanto Lira era contrário. Em entrevista ao UOL no fim de junho, o petista entrou na discussão da reforma ao defender a isenção de impostos para o frango.

Há uma avaliação da ala política do governo de que essa medida teria forte apelo popular, porque o volume de proteína animal consumida no Brasil é relevante. Além disso, uma das promessas de campanha do petista era que os brasileiros voltariam a comer carne, como a picanha.

O próprio Ministério da Fazenda, porém, calculou que contemplar as carnes na cesta básica teria um impacto de 0,53 ponto percentual na alíquota padrão do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), a ser paga por todos os contribuintes.

Na metodologia do Banco Mundial, esse efeito poderia ser até maior, de 0,57 ponto percentual.

O impacto é um dos motivos citados por Lira para justificar a posição contrária à inclusão. Na semana passada, o presidente da Câmara disse que isso acarretaria um "preço pesado para todos os brasileiros".

Nas discussões mais recentes, ele argumentou a interlocutores que contemplar as carnes seria uma "insanidade" e que a fatura seria paga por todos os contribuintes.

O relator da proposta, Reginaldo Lopes (PT-MG), não incluiu carnes na cesta básica em nenhum de seus pareceres, e o texto-base foi aprovado sem o produto. O PL apresentou um destaque ao texto, para submeter o tema a uma votação específica no plenário.

A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) disse isso era um "sonho do presidente Lula" e que ele "o tempo todo colocou que era muito importante que houvesse proteína na cesta básica das pessoas mais vulneráveis".

Líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ) afirmou que a inclusão do relator se deu após pressão e trabalho da oposição, numa crítica ao governo federal. "As promessas que foram feitas e não foram cumpridas, possivelmente poderão ser cumpridas agora. Parabéns à bancada do PL", disse.

Além do agronegócio, também houve pressão de outros setores, como o de supermercados, e de parlamentares - da direita à esquerda - que defendem uma cesta básica mais ampla e foram surpreendidos pela ausência da proteína animal na lista.

Tramitação rápida

A votação se deu sob reclamações de congressistas pelo açodamento das discussões. O projeto, com mais de 500 artigos, foi aprovado 76 dias após ser protocolado pelo governo. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), rebateu as críticas.

"Ninguém, num tema como esse, agrada a todo mundo. Mas a Câmara dos Deputados não pode, independentemente do resultado, sair arranhada com fala de parlamentares dizendo que não houve debates, discussão, tempo de amadurecimento e que não houve diálogo", disse momentos antes da votação.

A regulamentação é o segundo passo de um longo percurso até a implementação efetiva do sistema tributário, que começará em 2026 e será concluída no início de 2033. A Câmara ainda precisa se debruçar sobre um segundo projeto, que trata das regras do Comitê Gestor do IBS.

No entanto, há um pedido de destaque do PL, sigla de oposição, para incluí-las na isenção. Esse ponto ainda será votado pelo plenário.

A equipe econômica defendeu manter as carnes fora da cesta básica, embora o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha se posicionado a favor da isenção e propôs publicamente a desoneração do frango.

O relator ampliou o percentual da restituição na conta de luz, água, esgoto e gás natural. O texto original previa um cashback de 50% na CBS e de 20% no IBS para esses serviços. O texto aprovado elevou a devolução da CBS a 100%, e o percentual do IBS poderá ser ajustado posteriormente pelos estados.

Na compra do botijão de gás de 13 quilos, o cashback já era de 100% da CBS e de 20% do IBS. Em outros itens, a devolução será de pelo menos 20% dos dois novos tributos.

No governo, há uma avaliação de que a ampliação do cashback garante um bônus político que pode ser atribuído a Lula por atender a população de baixa renda.

O texto aprovado também ampliou a lista de bens que terão redução de 60% na alíquota, que agora conta também com atum e salmão, sucos naturais, extrato de tomate e pão de forma.

A Câmara ainda manteve a cobrança do Imposto Seletivo sobre carros elétricos e incluiu o carvão mineral, mas livrou os caminhões e as armas de fogo. O "imposto do pecado" foi concebido para incidir sobre bens considerados prejudiciais à saúde (como cigarros e bebidas alcoólicas) e ao meio ambiente, à exceção daqueles produzidos na Zona Franca de Manaus.

A inclusão dos carros elétricos e a exclusão dos caminhões foram decididas ainda no relatório preliminar, elaborado pelo grupo de trabalho que analisou a regulamentação da reforma. O GT teve sete deputados, um de cada partido.

Representantes de montadoras que fabricam carros elétricos tentaram, sem sucesso, retirar o item da lista de bens alvos do imposto.

Fabricantes de bebidas açucaradas, como refrigerantes, e os setores de petróleo e mineração também fizeram pressão, mas não conseguiram reverter a cobrança sobre seus produtos. As mineradoras e as empresas de petróleo, porém, emplacaram um teto menor para sua alíquota, que será de até 0,25% - contra 1% autorizado pela emenda constitucional.

A inclusão das armas de fogo na lista do IS, por sua vez, era uma demanda de siglas da esquerda e de representantes de movimentos sociais. Na terça-feira (9), o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), defendeu que o Executivo não entrasse no debate de incluir as armas.

Quando começa a valer?

A reforma tributária unifica cinco tributos sobre consumo e coloca o Brasil no mapa dos países que adotam um sistema IVA, que substituirá PIS, Cofins e IPI (tributos federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) em um IVA dual.

A implementação dos novos tributos começará em 2026, com uma alíquota teste de 0,9% para a CBS e de 0,1% para o IBS.

Em 2027, PIS e Cofins serão completamente extintos e substituídos pela nova alíquota de referência da CBS. As alíquotas do IPI também serão zeradas para a entrada em vigor do Imposto Seletivo, com exceção dos bens produzidos na Zona Franca.

A migração dos impostos estaduais e municipais para o novo IBS será mais gradual, dada a necessidade de dar segurança jurídica a benefícios já concedidos sob o atual sistema. Por isso, ICMS e ISS serão totalmente extintos apenas em 2033.

A aprovação da primeira etapa da regulamentação da reforma ocorre 203 dias após a promulgação da emenda constitucional, em 20 de dezembro do ano passado. O governo tinha um prazo de até 180 dias para encaminhar os projetos, mas o envio foi antecipado para 25 de abril.

A aceleração da votação era uma prioridade de Lira, que almeja entregar a aprovação da tributária como um legado de sua gestão. Para garantir o quórum necessário, o presidente da Câmara atribuiu efeito administrativo a todas as votações desta quarta, inclusive aquelas sobre retirada de pauta ou adiamento de discussão. A decisão significa que o deputado sofre desconto no salário se não comparecer à votação.

Além disso, ele suspendeu as reuniões das comissões temáticas da Casa, numa força-tarefa para analisar o texto da regulamentação.

Parlamentares da oposição criticaram a forma de tributação conduzida pelo presidente da Câmara. "Aqui é tudo a jato. Não é regimental", reclamou a deputada Adriana Ventura (SP), uma das representantes do Novo. Segundo ela, o projeto teria que ter passado por oito comissões antes de ser votado no plenário.

O deputado Pauderney Avelino (União Brasil-AM) foi outro parlamentar que subiu à tribuna para criticar a tramitação do projeto. O deputado Domingos Sávio (PL-MG) pediu que a votação fosse adiada para agosto, na volta do recesso parlamentar, para que houvesse mais tempo de debate.

Vários deputados cobraram também informações sobre o impacto do projeto na alíquota média do CBS e IBS, estimada inicialmente pelo Ministério da Fazenda em 26,5%.

Bolsonaristas aproveitaram a exposição na TV da sessão de votação para atacar o presidente Lula. "Nós queremos salvar a picanha dos pobres", disse Bia Kicis (PL-DF).

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