"É possível conciliar mineração e meio ambiente", diz executivo do setor
Wilson Brumer opina sobre um setor econômico vital para Minas Gerais, mas considerado ameaçador sob o ponto de vista do meio ambiente
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Siga noReferência em gestão empresarial, especialmente no ramo da mineração, Wilson Brumer acaba de virar tema de livro. A biografia, escrita pela jornalista Júnia Carvalho, resgata a trajetória do executivo, com passagens por multinacionais como Vale, Acesita, BHP Billiton e pela presidência do Conselho Diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). Uma carreira que inclui a experiência no setor público como secretário de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais na gestão Aécio Neves.
Em entrevista ao EM Minas, programa da TV Alterosa, em parceria com o Estado de Minas e o Portal Uai, Brumer fala sobre a mineração, que há séculos movimenta a economia do estado, mas também enfrenta desafios e polêmicas, como a exploração da Serra do Curral, em Belo Horizonte, e os traumáticos rompimentos das barragens em Mariana (2015) e em Brumadinho (2019).
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Entre outras questões, Brumer opina também sobre as novas possibilidades do setor, entre as quais a extração de lítio no Vale do Jequitinhonha. Confira os principais pontos da entrevista.
O senhor consegue resumir tudo que já fez na vida? Porque já esteve em muitas empresas e em muito cargos importantes, e isso continua até hoje...
Costumo dizer, e tenho muita honra em dizer isso, que meu primeiro emprego foi em um posto de gasolina. Eu tinha, mais ou menos, 16 anos. Quando eu fiz 18, fui para a Veminas, uma revenda muito conhecida aqui em Minas Gerais, onde comecei como uma espécie de auxiliar de caixa e cheguei a gerente administrativo-financeiro, um cargo abaixo dos proprietários da empresa. Foi quando vi no Estado de Minas um anúncio pedindo currículos para serem encaminhados à Vale (do Rio Doce). Eu conhecia pouco ainda do que era a Vale, mas mandei o currículo e fui admitido, depois de testes, em Belo Horizonte. Um ano e meio depois, fui transferido para o Rio de Janeiro, onde eu fiz a minha carreira toda na área financeira. E, depois, em 1988, fui designado diretor financeiro, e em 1990, presidente da companhia; eu tinha, mais ou menos, 42 anos na época. Depois de três anos, mais ou menos, me retirei e fui ser presidente da então Acesita, hoje Aperam, no Vale do Aço, onde fiquei, mais ou menos, 6 ou 7 anos. Aí, fui ser presidente no Brasil da então Billiton, que virou BHP Billiton, e hoje, BHP, onde fiquei 4 anos. Depois, fui convidado pelo então governador Aécio Neves para assumir, aqui, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, onde fiquei de 2003 até 2006. Eu me retirei, fui ser conselheiro de várias empresas, entre elas a Usiminas. Logo em seguida, fui à presidência do conselho da Usiminas e, por uma questão interna, de sucessão, acabei sendo designado presidente-executivo da Usiminas até a entrada dos atuais acionistas: a Ternium, a Nippon Steel, e o próprio fundo de pensão dos empregados. Nos últimos 4 anos, estava na Mover, que é antiga Camargo Correa, que passou por um processo, também, de remodelação, de melhoria de governança. E além disso, exerço as funções, mesmo com esse nome Brumer e esses “olhos puxados”, de cônsul honorário do Japão aqui, em Belo Horizonte.
A mineração é um setor que pode ser considerado uma das bases da transição energética, principalmente com minerais fundamentais, como o lítio e o nióbio. Como o setor tem se adaptado à nova realidade? O senhor é conselheiro, agora, da Companhia Brasileira de Lítio...
O lítio, como outros minerais, é abundante no mundo. Hoje, há grandes reservas na Bolívia, com suas complexidades. O Chile é um grande produtor também. Argentina é um grande produtor potencial. A Austrália é outro grande produtor. E o Brasil, agora, surge como um grande produtor em uma região, no caso de Minas Gerais, bastante carente, que é o Vale do Jequitinhonha. Isso não quer dizer que o Norte do Brasil também não tenha reservas.
No Brasil, quais a empresas do ramo?
Hoje, temos, na verdade, três empresas operando o lítio no Brasil. A CBL (Companhia Brasileira de Lítio), que está há 30 anos já operando no Vale do Jequitinhonha, em Araçuaí. É uma empresa integrada com a parte química também, que fica em Divisa Alegre, quase divisa de Minas Gerais com Bahia. Há a Sigma, que começou a operar este ano. E tem a AMG, que fica aqui no Vale das Vertentes, mas não produz só lítio. Agora, há muitos projetos em desenvolvimento na região do Vale do Jequitinhonha, onde não há dúvida da existência de reservas.
O Vale do Jequitinhonha se tornou ao longo do tempo uma região conhecida pela pobreza. Haverá uma explosão de desenvolvimento?
Eu, quando passei pelo governo (de Minas), sempre insistia que não gosto muito da palavra “vocação” sob o ponto de vista econômico. Eu gosto sempre da palavra “potencial” ou “potencialidade”. Se a gente ficasse falando só em vocação, chegaria a uma triste conclusão, ruim até, de que o Vale do Jequitinhonha tem que produzir é artesanato. Não é isso. Então, há dois fenômenos que acho que temos que saber aproveitar, e muito, aqui em Minas Gerais. Primeiro: a quantidade de projetos de geração de energia solar, que estão indo para a região mais ao norte do estado. Segundo: aparece o lítio. Será que todos os projetos serão implementados? O preço do lítio caiu muito. Desabou. De um ano para o outro, para se ter uma ideia, (a queda foi) de 80%.
Houve uma explosão no início, mas agora, parece que caiu em uma certa estabilidade...
As razões principais são: primeiro, é sempre a lei da oferta e procura. Houve uma expectativa de que a produção de carros elétricos iria crescer enormemente. Tem crescido, mas não na velocidade que se imaginava. Dois: muitos projetos foram anunciados, e então, de novo, é a lei da oferta e procura. Quando se anuncia muita coisa, tem uma corrida, e então, os preços caíram muito. E é aí que eu tenho dúvidas se todos os projetos que foram anunciados, em termos de pesquisas, porque muitos deles ainda estão na fase de pesquisa, se serão financiáveis. Porque o financiador, e o próprio investidor, vão ficar com o pé atrás. E eu antevejo que a gente, hoje, fala muito de carro elétrico, mas eu não tenho muita dúvida de que, daqui a pouco, nós vamos estar falando de outros usos para esses minerais. Por exemplo: onde guardar a energia que sobra da energia solar, da energia eólica? Hoje, vai para a linha de transmissão. Será que daqui a pouco, não estaremos falando de baterias que vão preservar essa energia no momento em que ela não é utilizada? Não tenho dúvida de que isso irá acontecer.
O senhor falou sobre o carro elétrico: ele vai dar certo no planeta e, em especial, no Brasil?
A minha visão é que, no Brasil, será muito mais o carro híbrido do que o carro elétrico. Há algumas razões para isso. Nós temos o etanol: não há nenhum sentido, sob o ponto de vista econômico, em abrir mão disso, concorda? Dois: nós somos um país de dimensões continentais. A infraestrutura para recarregar uma bateria de carro elétrico, hoje, ainda é muito, muito precária. Então, antevejo que o Brasil e outros países vão muito praticar o carro híbrido. Acho que teremos o carro elétrico, indiscutivelmente, e outros usos para o carro elétrico, porque daqui a pouco é o caminhão, é o ônibus... Tecnologia avança com muita rapidez. Enquanto estamos falando aqui, tem alguém descobrindo coisas novas em termos tecnológicos.
A mineração foi um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento de Minas Gerais. Mas é um setor que é sempre alvo de críticas, especialmente na questão ambiental. Como o senhor vê a situação hoje?
Temos aqui, em Minas, dois fatos que marcaram muito a mineração e afetaram muito a imagem do setor: o caso da Samarco, em Mariana, e, posteriormente, o de Brumadinho. Fui presidente do Conselho do Ibram, o Instituto Brasileiro de Mineração, onde, de uma maneira muito clara, eu dizia o seguinte: o setor, primeiro, precisa mudar conceitos, mudar preconceitos, e certamente, se aproximar, também, mais da sociedade como um todo. Porque ninguém compra minério: a sociedade compra produtos gerados pela mineração. Tudo que não é plantado, de uma certa maneira, é minerado. Nós estamos aqui num ambiente que tem “N” coisas, do telefone celular ao equipamento que está sendo usado, ao carro; enfim, a mineração está em tudo. Eu tenho também insistido que o Brasil ainda não conhece o seu potencial mineral. Nós somos um país que investiu muito pouco, em décadas, em pesquisa mineral. Então, acho que o Brasil precisa investir para conhecer, realmente, o seu potencial.
Em que sentido? No de encontrar novas minas?
Novos minerais, novas minas. E nós temos muitas restrições, ainda. Temos, por exemplo, terra indígena: é um grande problema. Fala-se muito em terra indígena, fala-se em garimpeiro. Tem o garimpeiro de sobrevivência: esse precisa de um tratamento de educação, de dar a ele as melhores formas de operar. Mas, hoje, na Amazônia, o que tem de chamado garimpo, não é nada de garimpo: são grandes equipamentos tirando ouro e outros minerais. Há também as áreas de fronteira, em que a gente não conhece o que tem. E o Brasil, se pegar essas áreas de fronteira, deve ser muito maior que muitos países.
Como as discussões ambientais e sustentáveis que cercam a economia, inclusive com o conceito da economia verde, afetam a mineração no Brasil?
Que a mineração vai ter que buscar alternativas, não há dúvida. Agora, eu defendo que é possível, sim, conciliar mineração e desenvolvimento ambiental. Acho que um bom exemplo disso é uma empresa pela qual eu passei: a Carajás, onde há uma atividade mineral fantástica, entre os maiores polos minerais do mundo, e onde há toda uma preservação ambiental em torno. Queiramos ou não, o mundo mudou de décadas para cá. Quando começou a mineração, a demanda da sociedade era uma; hoje, a demanda é outra. E aquelas empresas de mineração que não atenderem a essas novas demandas da sociedade, estarão fora do mercado. Tenho certeza de que o setor já acordou para essa realidade.
Há pelo menos três processos na Europa envolvendo o setor mineral brasileiro, relacionados ao rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho. Como o senhor avalia essas ações?
Primeiro, eu costumava dizer, quando presidi o Ibram, e hoje falo ainda na mesma filosofia: foram duas tragédias. Muita gente que fala em desastre. Eu falo de tragédias. Mariana foi um caso em que se perderam 19 vidas. Mas, sob o ponto de vista ambiental, foi de Mariana ao Espírito Santo afetando várias regiões. O caso de Brumadinho, nem é preciso dizer a quantidade de vidas que foram perdidas (272); e, também, houve impacto ambiental, pouco menor do que o caso de Mariana. Eu insisto sempre que quem comete um erro tem que pagar pelo seu erro. E o que acontece hoje no Brasil, e aí é o ponto em que eu discordo de muitas coisas que acontecem em termos de política, é que você quer penalizar segmentos da economia pelo tributo, pelo imposto. E aí, fica uma discussão: “Vamos aumentar imposto aqui, vamos aumentar imposto ali”. Não: se tem um caso, tem que ser resolvido pela empresa que causou o problema. No caso da Vale, (tem que) resolver o problema de Brumadinho. No caso da Samarco, Vale e BHP, (têm que) resolver o problema. No caso da Samarco, foi criada a Fundação Renova: como ideia, foi boa. Quer dizer, são duas empresas de mineração, criou-se um veículo próprio para cuidar do problema. Só que a forma de governança da Fundação Renova, infelizmente, é muito complexa. E isso, a meu ver, tem sido um fator de inibição da velocidade.
O senhor vê alguma possibilidade breve para um acordo?
Eu acho que tem que se chegar a um acordo. Eu acho que essas coisas, quando se judicializa, levam décadas e décadas. Eu costumo dizer que um bom acordo não é aquele que é bom para os dois. Não. Um bom acordo é aquele em que ambas as partes ficam com um gostinho amargo na boca. O que eu quero dizer com isso? Cada um cede um pouquinho, para que se chegue a um termo adequado. Então, no caso de Mariana – porque em Brumadinho, aparentemente, já se chegou a um acordo – tem que se chegar a um acordo. Se é a continuação da (Fundação) Renova, talvez que se repense até a forma de gerir, em termos de governança. Porque (o rompimento da barragem) afetou vários municípios, afetou dois estados, aí o problema passa para o governo federal: é uma governança complexa.
Eu vou dar apenas um exemplo: na época em que aconteceu a tragédia, nós estamos falando aqui de duzentas e poucas casas que simplesmente desapareceram. Você concorda comigo que a construção 200 casas não é um negócio tão complexo? A casa em si, porque, lógico, há coisas pessoais que foram perdidas, vidas que foram perdidas, tudo isso. Eu estou falando da casa em si. Há quantos anos se discute a entrega de casas?
Até isso está gerando problemas, porque foram construídas casas que não têm relação com a identidade das pessoas. E, além disso, casas que já foram entregues estão sendo vendidas por valores altíssimos...
Acho que eu previ, na época, o que está acontecendo agora, modéstia à parte. Eu dizia o seguinte: se esse negócio demorar demais, o menino que tinha 7 anos, hoje está com 12. Esse menino vai dizer: “Papai, nós estamos morando aqui, já, em Mariana, vamos voltar para aquele lugar, não”. E o (menino) que tinha 12 (anos) e, hoje, tem 17, por hipótese, arrumou uma namorada. Ele vai dizer: “Eu vou voltar?” Então, essas coisas, no Brasil, a gente tem que aprender a resolver com mais velocidade. Não é resolver de forma atabalhoada, mas o sim, ou o não, tem que ser com um prazo determinado.
O Ibram acionou o STF em julho para evitar que municípios possam ajuizar ações no exterior contra mineradoras. O que está por trás dessa ação? O senhor ainda estava no Ibram?
Não, eu já tinha saído. Fiquei dois anos do Ibram após a tragédia de Brumadinho, e saí já tem dois ou três anos, mais ou menos. De novo, quando as partes não se entendem, o caminho natural é a Justiça. Eu entendo que, quando vai para a Justiça, é o pior dos caminhos.
Minas está passando por um período conturbado de renegociação da dívida pública. Uma das propostas é a de entregar a Copasa, a Cemig e até a Codemig como parte do pagamento para atenuar o problema. O senhor entregaria?
Não, porque não vai resolver o problema. Eu sempre defendo que você tem que discutir para resolver o problema, não para atenuar. Não gosto muito do gerúndio: “Estamos analisando, estamos negociando”. Vamos negociar, vamos resolver. O caso da Cemig: eu não sei o valor exato da Cemig, hoje, no mercado, mas vamos imaginar que seja de R$ 30 bilhões. O estado, se eu estou correto, detém, do econômico da Cemig, 18%. De R$ 30 bilhões, seriam R$ 5,4 bilhões. Dentro do tamanho da dívida do estado, isso é nada. A Copasa eu não sei qual é o valor, mas, de novo, 50% de um valor que também não resolve. Eu não sou economista, então, falo minhas heresias macroeconômicas. Mas eu defendo uma tese que é a seguinte: o Brasil precisa fazer um clearing do endividamento dos estados. Sentar e dizer assim: “Vamos resolver isso de uma vez”. Porque, gente, queiramos ou não, os problemas nossos, como cidadãos e cidadãs, estão onde? Nos estados e municípios. Estados e municípios devedores não vão para frente. Então, eu acho que precisamos fazer uma limpeza geral, e não ficar usando meios-termos.
Um dos temas mais polêmicos do setor nos últimos anos é a mineração na Serra do Curral. Não há como negar que a serra, cartão-postal de BH, está sendo afetada pela atividade minerária. Qual a opinião do senhor sobre a questão?
Você entra em uma situação complexa. De um lado, tem alguém que tem um direito e, do outro lado, tem esse fator indiscutível. Eu diria que, como cidadão, eu defenderia que não houvesse atividade desse setor, apesar de reconhecer que há um direito. Então, quem vai pagar por esse direito? De novo, é um entendimento. É alguém que tem um direito, que tem um empreendimento. Eu vou contar um caso, aqui, simplório: eu ainda tenho uma casa no Retiro do Chalé (na Região Metropolitana de Belo Horizonte) e, ali, você tem a Serra da Moeda. E havia alguém ali, alguns anos atrás, que queria fazer um empreendimento imobiliário. O Retiro do Chalé fica em um vale. E a gente, do vale, ficaria olhando as casas que seriam construídas lá na serra. O que fizemos? Sentamos com o empreendedor, trouxemos o valor do empreendimento dele, um valor presente e adequado, negociamos com ele um financiamento de 10 anos e pagamos na taxa de condomínio. E se preservou a Serra da Moeda, no caso, onde é o Topo de Mundo hoje. Então, eu diria o seguinte: vamos encontrar uma forma de preservar o direito de quem tem? Porque também não podemos sair dizendo: “O cara tem o direito, mas vamos atropelar”. E vamos preservar o que nos interessa preservar, que é a Serra do Curral.
Então, tem que existir uma compensação?
O direito tem que ser preservado. Senão, nós entramos em um contexto de não respeitar o direito das pessoas e o direito das empresas.